Pego carona em artigo aqui publicado e descrevo o que não vi: o protodéspota debate-se insone e suado no delírio constante de ter seu poder contestado… Sim, o Messias não consegue conciliar o sono porque não tem como prever o que lhe pode acontecer, por conta dos incidentes de hoje ao final da manhã.
(No final da manhã daquele domingo, como já se tornara usual, manifestantes pró-Bolsonaro postaram-se defronte ao Palácio do Planalto, aguardando a vinda do PR. Uns mais exaltados cismaram com os fotógrafos que registravam a cena – por qual razão existiriam fotógrafos, senão para registrar cenas da História?! – e agrediram dois deles, um do Estadão e o outro hoje no site de Os Divergentes).
Veja: Conversa com Jair Bolsonaro – Por Orlando Brito
“O que seus inimigos poderão fazer contra ele? Os canalhas da mídia, os f.d.p. do STF e cuique tu, Brutus’?”, dirigindo-se mentalmente ao ex-juiz, seu ex-ministro, Sergio Moro, de quem ele “já desconfiava há muito tempo”. “Você tem 27 superintendências da Polícia Federal. Eu só quero uma, a do Rio de Janeiro”, esbravejara na maldita reunião com ministros e presidentes de bancos estatais.
Michelle ressona a seu lado. Ele encosta a perna na perna dela estendida, enquanto de bruços sua mulher parece sonhar o sonho dos justos.
Mas o Messias não dorme: “Amanhã bem cedo acordo aqueles bunda-mole dos ME-US Ministros, chamo o Ramagem… Ah, nesse eu confio, adora o 02, meu pittbull querido, o filho que mais amo… Não, amo os três… Os quatro , afinal tem o Jair Ivan, aquele molenga, que só quer saber de ficar preso naquele maldito condomínio, até me disseram que ele lá come todas as menininhas ou… Será que ele?… Ah, não, não, não!!!… Vou dormir. Amanhã ponho tudo em pratos limpos.”
Jair adormece.
Na troca de guardas da manhã seguinte, troca de guardas não, imbecil: na hora sublime em que os Dragões da Independência apresentam armas a mim – quem diria, hein?!”… O Capitão escorraçado do Exército agora manda em generais, até já demitiu alguns, e, “agora, agora, recebo honras de Comandante Supremo das Forças Armadas dessa bosta de Brasil … Não, não!… Desse Amado Brasil, Pátria Amada, Salve, Salve”.
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O alvoroço de sempre na hora que o protodéspota passa em revista os Dragões da Independência na rampa do Palácio do Planalto. A mídia não perde agora um minuto de sua saída e repórteres amassam uns aos outros no afã de obter um furo, de saber uma notícia importante, em tentar adivinhar o que vai no íntimo do Novíssimo PR.
Flashes espoucam, fotógrafos buscam o melhor ângulo e lá vai Jair Messias Bolsonaro, o Cavalão, erecto como sempre, cabelo cortado rente às orelhas, penteado igualzinho uma figura da História que ninguém mais quer se lembrar. Anda com as pernas arqueadas como se tivesse sido da Cavalaria, mas ele foi paraquedista: será que os paraquedistas abrem assim as pernas para ampliar o raio de equilíbrio e estacionar o paraquedas?!
O Presidente agora parece trazer algo na altura do abdômen, como se fosse um grosso colete à prova de balas, um verdadeiro cocoruto na frente desde que fez uma série de cirurgias pós-facada do Adélio Bispo. “Aquele desgraçado, que quase me tirou a vida e que o merda do Moro, a bosta da ABIN, os canalhas da PF, até hoje ninguém, ninguém nem mesmo o fiel Heleno, com sua cara de anão sempre esperando minhas ordens, ninguém me explicou quem pagou o advogado dele. E todos vêm com a mesma estória, a mesmíssima lenga-lenga de que o f.d.p. é tantã da cabeça. Tantã?… Estava, sim, a serviço do PT e dos comunas que andam por aí, tudo abrigado na imprensa, essa miserável de mídia. Mídia. Mídia.”
A mídia que “não perde mais um minuto de minhas saídas, os merdas que agora, AGORA, me cercam e me fotografam como hienas devorando carne podre…”. Jair para e diz para si mesmo: “Antes eu era apenas mais um, baixo-clero… Agora sou o PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Tenho a caneta. Montanhas de canetas Bic. Humilho aqueles que me humilhavam com suas canetas de grife. Agora quem manda sou eu…”
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– “Britô-o! Britô-ooo”!, grita vendo as lentes do mais famoso fotógrafo dos Presidentes do Brasil, Orlando Brito.
“Ô Brito, quero conversar com você”.
Orlando Brito para. E não sabe o que fazer. Nunca pensara em um momento assim. Perplexo, conversa com seus botões: Que fazer?
Falta de educação, lembra-lhe sua mãe. E decide atender o convite do Presidente da República, que acabara de subir a rampa.
Apenas uma conversa rápida e profissional diante de um aparador.
* Sandra Starling é advogada e Mestre em Ciência Política pelo DCP da FAFICH (UFMG), com a dissertação “Governo Geisel: as Salvaguardas Visíveis e Invisíveis do Projeto de Distensão (1974-1979)”.