Quando crianças, brincávamos dos personagens conhecidos pelos filmes e gibis: Thor, Zorro, Super-Homem e tantos outros que nosso imaginário trouxesse à ocasião. O meu preferido era o Homem-Aranha: uma espécie de anti-herói, pois tudo na vida pessoal dele dava errado. Mas quando o mal se apresentava, ele deixava tudo e assumia sua identidade secreta, para proteger os fracos e oprimidos.
Ao longo do tempo, muitos foram os personagens apresentados como heróis. Durante o regime militar, todos estudávamos os feitos de Duque de Caxias, patrono do exército. No zoológico de Brasília, na década de 70, o Sargento Hollenbach salvou uma criança que caiu no fosso das ariranhas, mas perdeu sua vida ao ser mordido por um dos animais. Várias ruas em todo o país ganharam seu nome e uma estátua foi erguida no zoológico, e ele passou a ser o Sargento Herói.
Até a música brasileira registrou a figura do Pai como herói, como também daqueles cujos heróis morreram de overdose.
Ariano Suassuna afirmou que o herói dele deu a vida pela humanidade.
Mais recentemente, tivemos a professora que enfrentou as chamas para salvar crianças e perdeu sua vida devido às queimaduras.
E a TV mostrou para o país e para o mundo bombeiros que demonstraram tenacidade e determinação, até o esgotamento, procurando sobreviventes e corpos, enfrentando todo tipo de intempéries ao se arrastarem nas lamas geradas pelo rompimento criminoso da barragem de Brumadinho.
O dicionário define a palavra herói como qualidade atribuída ao ser humano que executa ações excepcionais, com coragem e bravura, com o intuito de solucionar situações críticas, tendo como base princípios morais e éticos.
No Brasil, os heróis oficiais têm seu nome escrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, guardado no Panteão da Pátria e da Liberdade, na Praça dos 3 Poderes, em Brasília. Infelizmente, muitos dos nomes ali contidos sequer são conhecidos, que dirá festejados pela população como exemplos, modelos ou heróis a serem seguidos.
Hoje, testemunhamos um período terrível. Não compreendemos e não aceitamos que, neste contexto, haja espaço para ganância, corrupção, superfaturamento, briga por poder, porque vemos que há um grupo de pessoas que tem saído da sua zona de conforto, da zona de segurança, e ultrapassado o senso de autoproteção.
São pessoas que entenderam que cuidar do próximo é cuidar de si mesmo, é cuidar dos seus. Pessoas que resolveram fazer marmitas, não raro com recursos próprios, para distribuir entre os necessitados.
E, sobretudo, pessoas que assumiram que suas atividades são essenciais à população, levando a sério o juramento de Hipócrates feito nas cerimônias de formatura.
Não há elogio ou palmas que retribuam suficientemente os atos de heroísmo que esses homens e mulheres têm realizado com coragem e desprendimento, isolando-se dos pais, filhos e parentes, entrando em salas com alto risco de contaminação que, não poucas vezes, tem sido fatal.
Que essas pessoas tão comuns – médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, faxineiros, motoristas, lixeiros e tantos outros que nem conseguimos enumerar – mesmo não sabendo seus rostos ou nomes, anônimos, sejam considerados, tratados e reverenciados como heróis.
Que as nossas crianças, quando crescerem, sintam-se estimuladas a serem heróis anônimos, como os que se apresentam no momento. Ou, quem sabe, os gestos de amor passem a ser comuns ao invés de atos de heroísmo.
Gláucio Ribeiro de Pinho, Servidor Público