Jair Bolsonaro esperava com a sua chegada ao poder ter conseguido imunidade para si — e a sua enrolada família — para toda e qualquer investigação por órgãos públicos, em todas as esferas, pelo menos durante seus quatros de mandato presidencial. Apostava inclusive na possibilidade de sua extensão por mais quatro anos.
Ao conseguir o feito de emplacar no Ministério da Justiça e da Segurança Pública o então juiz Sérgio Moro – responsável pela condução da Lava Jato, a exemplar operação que expôs e puniu como nunca antes a corrupção generalizada no país –, Bolsonaro avaliou ter agradado a seus eleitores, assustado seus adversários e conseguido um passaporte de impunidade para seus filhos.
Essa ilusão durou pouco. Ao assumir como o novo dono do poder em Brasília, com o discurso de ruptura com a “velha política”, mal se estabeleceu e já recebeu do establishment a conta do envolvimento de toda a sua família — inclusive do até hoje mal explicado cheque para sua mulher Michelle Bolsonaro — com o escândalo da rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Seu primeiro recuo nos bastidores, logo em março do ano passado, foi em reação ao Coaf, o radar do governo para captar lavagem de dinheiro. Aceitou a pressão da dobradinha Rodrigo Maia e Dias Toffoli, de que a mudança de endereço do Coaf era dar poder excessivo a Moro, com o pretexto de que o órgão, no governo Michel Temer, havia vazado ilegalmente para o ministério público do Rio de Janeiro os dados que comprometeram no rolo das rachadinhas o filho Flávio Bolsonaro, o parceiro Fabrício Queiroz, e boa parte da sua família.
Foi aí que começou a desandar a famosa carta branca para convencer Moro a dar aval ético a seu governo. Na arquitetura para ampliar o combate à corrupção e ao crime organizado, pelos mesmos motivos dos que combatiam a sua transferência para o guarda-chuva de Moro, o Coaf era uma peça essencial. A sequência desse jogo foi registrada aqui e ali até o desfecho na semana passada em que Moro, após 15 meses de resistência, perdeu a queda de braço com Bolsonaro e resolveu chutar o pau da barraca.
Após a demissão de Moro, com graves acusações contra Bolsonaro, o presidente resolveu pagar para ver e desmentiu dois pontos relevantes da denúncia do então ministro da Justiça — jamais quis interferir na Polícia Federal e Moro quis barganhar uma vaga como ministro no STF. A primeira defesa foi desmentida pelo próprio Bolsonaro ao confessar em seu pronunciamento que cobrava de Moro relatórios diários da direção da Polícia Federal. A pá de cal para ambas as defesas foram as mensagens entregues por Moro e divulgadas pelo Jornal Nacional.
Mesmo depois dessa exposição, Bolsonaro não ouviu os conselhos de que era melhor reagir com prudência, insistiu na indicação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal e, a contragosto, recuou na nomeação de Jorge Oliveira para o Ministério da Justiça. Mais uma vez, quebrou a cara. Recebeu uma enquadrada do STF, na caneta do ministro Alexandre de Moraes, que, com todas as letras, explicou didaticamente que a PF é um órgão do Estado, e não um apêndice do Palácio do Planalto.
Bolsonaro fingiu que não entendeu o recado e prosseguiu no mesmo jogo infantil de cospe e pede desculpa. Na prática,desferiu uma saraivada de tiros no próprio pé. Suas tolas ameaças fizeram o Supremo Tribunal Federal antecipar o calendário. Desta vez, pela caneta do decano Celso de Mello. O resultado é que nesse sábado (2), Sérgio Moro vai prestar seu depoimento sobre suas acusações e já anunciou que tem como prová-las com as mensagens trocadas nos últimos 15 meses com Bolsonaro. Tanto pelo número antigo do presidente quanto com o novíssimo exibido ao país pelo Jornal Nacional.
A conferir.