Deu a louca no mundo. No Brasil, a crise da covid-19 abriu um festival de trapalhadas das autoridades. Parece que se voltou aos tempos dos positivistas gaúchos de Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, na República Velha, que rejeitavam as vacinas e não acreditavam no poder de disseminação dos vírus. Tomavam chimarrão com tuberculosos sem medo. Nestes tempos de terraplanistas…
Não é demais lembrar o ano de 1918, quando se juntou num mesmo pacote um feixe de crises como nunca mais se viu. Em vez desse coronavirus vindo da China, a espécie humana foi atacada pela gripe espanhola, causada pelo vírus Influenza A, uma variação extremamente agressiva, que atingiu 27% da população da Terra, infectando 500 milhões de pessoas, matando entre 17 milhões, nas contas mais conservadoras, a 50 milhões segundo várias versões, ou 100 milhões, nas estatísticas mais alarmistas.
Tal qual a covid-19 destes dias, a gripe espanhola chegou em meio a uma crise mundial que pegava por todos os lados. A humanidade estava encerrando as hostilidades da maior e mais sangrenta guerra de todos os tempos, até então, a chamada Grande Guerra (1914/18), hoje denominada também por Primeira Guerra Mundial, que matou 20 milhões de pessoas, entre militares e civis, principalmente na Europa. A gripe abateu mais gente que as balas e canhões da Entente Cordiale (Grã Bretanha, França e Rússia) e dos Impérios Centrais (Alemanha, Áustria-Hungria, Império Otomano, hoje Turquia) juntos.
O drama dessa pandemia hispânica é que, assim como a covid-19 de hoje, não havia remédio. Adoeceu, só sobrevive quem tiver força natural para se curar por si só. Algo totalmente incompreensível para uma pessoa de hoje, acostumada com antibióticos e outros medicamentos que derrubam qualquer doença. Muita gente pensa que é imortal.
Assim como esta nova gripe que bate às nossas portas, ela veio acompanhada de uma recessão econômica nunca antes vista, que gerou o fenômeno monetário das hiperinflações dos anos 20, que destruíram o que sobrou das economias, levando aqueles países ao fascismo, nazismo, comunismo e outros tipos de tiranias, além da Grande Depressão, nos Estados Unidos, bem depois, mas ainda influenciada pelo desarranjo das economias mundiais.
Aqui no Brasil não foi menos. O presidente da República recém-eleito, o paulista Rodrigues Alves, não escapou do vírus e foi alcançado dois dias antes da posse (15 de novembro de 1917). Seu vice-presidente, o mineiro Delfim Moreira, assumiu o governo, mas logo foi declarado demente, atacado pela deterioração mental provocada pela arteriosclerose precoce.
Sem presidente e com o interino louco, os políticos encontraram uma saída à brasileira, informalmente denominada a Regência Republicana (lembrando os tempos do imperador menino, Pedro II). O governo de fato foi exercido pelo ministro de Viação e Obras Púbicas, o legendário estadista mineiro Afrânio de Melo Franco.
Não bastassem a gripe espanhola e a recessão, o presidente insano teve de nomear uma delegação para defender os interesses brasileiros na conferência de paz de Versalhes, onde o Brasil pleiteava indenizações da Alemanha pelos navios afundados durante o conflito pela nova e temível arma, o submarino. No País, acompanhando a onda mundial, a classe operária inaugurou a luta de classes no figurino europeu, como os trabalhadores da nascente indústria nacional decretando uma greve geral em São Paulo.
O pau comeu. Naquele tempo, greve era considerada motim. Ficou na História.
E assim o País ficou por quase um ano. O presidente eleito, Epitácio Pessoa, foi o ex-secretário-geral (governador) da Paraíba, deputado, senador, ministro de governos e do STF, derrotou Ruy Barbosa. Assumiu em 1919.
Não muito diferente dos dias atuais, quando há parlamentares e juristas arguindo exames de sanidade mental do presidente da República. O chefe do governo nega a virulência do vírus, embora esteja cercado de auxiliares pesteados (ipsis litteris), enquanto seus ministros, como Afrânio de Melo Franco antanho, tocam a administração, numa espécie de regência informal.
No quadro internacional, a debacle que se projeta sobre os mercados com a paralisação da vida, a paralisação da economia, a recessão, pouco diferem em capacidade destrutiva dos canhões e metralhadoras da Grande Guerra. Não se pode descartar que, passados os primeiros dias dessa disciplina social imposta pelo medo de morrer sem remédio, as pessoas se desesperem e saiam de peito aberto a enfrentar o que der e vier.
Desabastecimento, desemprego, falência, algo que jamais se esperaria nestes tempos de social-democracia europeia. Todas as resistências a reformas leoninas cairão por terra. A distante África subsaariana, com uma população habituada a domar na raça micróbios tão letais quanto o corona, vai ser o lugar mais seguro do planeta. Literalmente: quem viver, verá.