Foi assustadora – não há outro termo possível – a total desconexão das declarações do presidente Jair Bolsonaro nos últimos dias do que a realidade mostrava não apenas no Brasil mas no planeta.
Enquanto as bolsas do mundo todo derretiam na segunda-feira, Bolsonaro pintava – com esmero e um óculos de sol verde-limão no rosto – os retângulos de um quadro de Romero Britto.
Aliás, Romero Britto, que também retratou em seus tempos Lula e Dilma Rousseff, é uma ótimo opção, com seus cachorrinhos, gatinhos e passarinhos coloridos, para pintar cenários descolados da realidade.
Na sequência da tarde de pintura, Bolsonaro disse que a disseminação do coronavírus era um “exagero da imprensa”, que a queda histórica das Bolsas de Valores no mundo era uma coisa episódica. Repetia uma dessas tolices da internet, ao dizer que a dengue mata muito mais do que o coronavírus.
Um dia depois, a Organização Mundial de Saúde decretava ser a disseminação do coronavírus uma pandemia. As bolsas voltaram a cair ontem no mundo inteiro. Houve novos casos de circuit breaker, mais de uma interrupção das atividades num único dia. O dólar ultrapassou no Brasil a perigosa casa dos R$ 5. O ídolo de Bolsonaro, Donald Trump, anunciou drásticas medidas para tentar conter o avanço do vírus nos Estados Unidos. País do qual Bolsonaro voltou com integrantes da sua comitiva, como o secretário de Comunicação, Fabio Wajngarten, infectado. Ao final da semana, estava o presidente fazendo um pronunciamento usando máscara cirúrgica, em isolamento, seguindo a orientação do seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Não era uma besteira, presidente.
Fora da Bolsolândia, esse mundo virtual que o presidente parece ter escolhido para si e para seus seguidores mais fieis, o mundo passa por um momento de grande perigo. O Brasil, por maior que seja o esforço contrário de Bolsonaro, não está desconectado do mundo. E seu governante deveria estar bem mais preocupado com isso.
Ao contrário da tolice repetida na internet, o problema do coronavírus não é se ele mata mais ou menos que a dengue ou outras doenças. O problema do coronavírus é que ele é conhecido há somente alguns meses e já infectou centenas de milhares de pessoas no planeta. O problema é, portanto, essa impressionante velocidade de disseminação.
Ele não é grave entre os mais jovens. Para eles, é letal em apenas 0,2% dos casos. Mas é muito grave entre os idosos, em torno de 18%. Um estudo publicado na edição de ontem do Jornal de Brasília mostra que, tomando-se por base o que aconteceu na China, em 15 dias poderá haver cerca de quatro mil pessoas infectadas no Brasil. Algumas centenas dessas pessoas serão idosos. Se esses idosos precisarem de leitos de UTI, que não existem nessa quantidade, temos aí um gravíssimo problema de saúde pública.
O que impressiona hoje é que a Bolsolândia não agrega sequer alguns dos próprios integrantes do governo. Ciente do tamanho do problema, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, montou um gabinete de crise há algumas semanas e vem fazendo um irrepreensível trabalho de monitoramento da situação.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, demora a reagir, mas também parece ter sentido o tamanho da encrenca. O problema de saúde pública traz consigo um gravíssimo problema econômico. Os Estados Unidos proibiram na quarta-feira (11) voos para a Europa. Medidas restritivas como essas tomadas pelas economias do mundo certamente farão circular menos dinheiro. É o espectro ameaçador da crise em proporções mundiais.
A solução até então posta, de acelerar as reformas, deixa de ser solução nesse cenário. Não adianta somente criar um quadro que seja mais atraente para novos investimentos se o mundo, e com ele seus investidores, entrarem num momento de retração. Não haverá investimentos.
É aí que entra a face mais perigosa da desconexão de Bolsonaro. A negligência de uma autoridade no seu posto traz o risco de novas negligências e desconexões. Então, se Bolsonaro cria sua Bolsolândia, o Congresso, na esteira, cria a sua Congressolândia. E, num momento como esse, resolve aumentar em R$ 20 bilhões as despesas do governo com gastos sociais, derrubando um veto presidencial e ampliando os gastos com o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
O problema disso tudo é que não há para nós a opção de nos abrigarmos na Bolsolândia. Nem na Congressolândia. Tudo o que não precisamos agora é de um presidente ou de parlamentares desconectados da realidade, repetindo frases lacradoras para seus seguidores nas redes sociais. Nem Romero Brito nem máscaras cirúrgicas sem necessidade. O que precisamos é de seriedade neste momento.