Os meses de cadeia continuam a cobrar um preço de Lula. Durante seus 580 dias de prisão, independente de seus efeitos aqui fora, ele manteve o mesmo discurso que sustentou o movimento Lula, livre. Se parecia fora de sintonia com a maioria da população, inclusive com parte das esquerdas, foi o suficiente para manter unido um expressivo grupo de devotos, que tinha a expectativa de que ele saísse, se não maior, pelo menos do mesmo tamanho.
Menos de três meses depois, torcidas à parte, o que se constata é que Lula encolheu. A cada manifestação, perde um pouco mais de densidade. Sua entrevista ao UOL no último domingo conseguiu a proeza de não agradar a ninguém. Foi um festival de despautérios que até essa madrugada nem o site do PT registrou. Talvez pela dificuldade de traduzi-los para a militância.
A manchete nessa segunda-feira na Folha de S Paulo, o único grande jornal com alguma aceitação da militância petista, traduz o caótico pensamento de Lula: “Lula cita nazismo ao atacar Globo e defende críticas de Bolsonaro à imprensa”. E explica a pouca repercussão no próprio arraial petista. Mesmo se tratando de Lula é provável que haja um limite para seus ardorosos defensores.
Para quem olha de fora, e conhece um mínimo de jornalismo, a declaração de Lula de que “o que a Globo está fazendo com o The Intercept era capaz que o nazismo não fizesse” é de uma absurda leviandade. Por todos aspectos. Banalizar o nazismo é uma agressão à democracia. Quando não tem nada a ver com nada ver — Lula simplesmente mentiu em relação à cobertura da Globo sobre as reportagens do The Intercept com base em grampos telefones de procuradores da força tarefa da Lava Jato e do juiz Sérgio Moro. A cobertura da Globo foi jornalística.
O problema do The Intercept, Gleen Greenwald, e de todos adeptos da narrativa de que as investigações e processos contra Lula são um atentado contra a democracia é que os diálogos grampeados mostram conversas, por mais escandalosas sua divulgação, comezinhas entre advogados, policiais, procuradores e juízes em todos os níveis da Justiça. Hipocrisias à parte.
Mas não foi por esse tipo de baboseira que os lulistas optaram pela postura de avestruz diante da entrevista de Lula ao UOL. Faz tempo que eles relegam essas pisadas de Lula na bola da democracia. O que mais doeu foi o aceno de Lula para Jair Bolsonaro, o demônio cantado em verso e prosa desde a campanha eleitoral. Na guerra entre bolsonaristas e lulistas rejeita-se, a priori, qualquer coisa que venha do outro lado. Daí a surpresa, entre seu próprio time, dos elogios de Lula a pregações autoritárias de Jair Bolsonaro contra a imprensa. “Acho que tem crítica de Bolsonaro que é correta”, disse Lula, ao se comparar a Bolsonaro, por igualmente se considerar durante seus dois mandatos presidenciais vítima da imprensa.
Na entrevista ao UOL, Lula não escondeu sequer uma ponta de inveja de Bolsonaro. “O Bolsonaro está agora provando que é possível fazer notícia sem precisar dos jornais, da televisão. Ele faz por ele mesmo. Aliás, O Trump já fez escola”. Lula fez uma leve censura a Bolsonaro por privilegiar a comunicação pelo Twitter a entrevistas coletivas à imprensa. “Eu ainda respeito a imprensa, marco toda semana uma entrevista”, disse Lula numa amnésia sobre sua relação com a imprensa em seus oito anos no Palácio do Planalto.
É isso aí.