Na época da ditadura, os militares não tiravam os olhos de três cardeais: Dom Hélder Câmara, Dom Antônio Fragoso e Dom José Maria Pires, também chamado de “Dom Pelé”. Formavam a “Tríade Vermelha”, por serem considerados da ala progressista da Igreja Católica.
Dom Hélder, por exemplo, teve um secretário preso, torturado e morto. Dom Fragoso, bispo de Crateús, no Ceará, era seguido, constantemente espionado e tinha os sermões gravados. Dom Pelé, arcebispo de João Pessoa, era considerado subversivo. Ao assumir o prelado da Paraíba, renunciou ao Palácio Episcopal, trocando o luxo pela simplicidade.
O fotografei em várias oportunidades. Mas a última vez que o vira fazia uns dez anos. Foi durante uma reportagem sobre a Missa do Vaqueiro, celebrada por ele, no Sertão da Paraíba. Na ocasião, praticamente não tinha cabelos brancos, vestia batina surrada, estava descalço e um usava chapéu de couro. Dessa vez, 1991, no Rio Grande do Norte, durante a visita do Papa João Paulo II, Dom José Maria Pires era já um senhor já grisalho, impecável em sua roupa preta de arcebispo.
Dom José Maria Pires ficou à frente da Diocese da Paraíba por 21 anos, exatamente o tempo em que durou o regime militar que governou o Brasil, de 1964 a 1985. Foi o primeiro arcebispo negro do País. Defensor das causas sociais, contra a pobreza, os preconceitos e o racismo. Dom Pelé encerrava sua pregação de maneira muito particular:
– Irmãos, ide em paz e abençoados por Olodum e Oxalá, que são o Deus Todo Poderoso e o Senhor do Bonfim.
Na encontro dos bispos brasileiros com o Papa João Paulo II lá em Natal, foi a derradeira. Depois de retratá-lo, mencionei sua elegância. Com um breve sorriso, disse-me:
– Foi uma exceção que fiz para rever um velho amigo que agora é o Sumo Pontífice, o cardeal Karol Wojtyla, meu colega de orações e discussões no Concílio Vaticano II, em Roma, há 30 anos.
Dom Pelé faleceu em agosto de 2017, aos 99 anos, em Araçuaí, pequena cidade no interior de Minas Gerais, onde nasceu.
OrlandoBrito