Pertenci à Câmara dos Deputados nos anos 1990 e, portanto, conheci Jair Bolsonaro. Aquele personagem mal encarado que andava costeando o alambrado, quase um fantasma atravessando corredores e sumindo no Plenário, a não ser em súbitos ataques de “bolsonarismo”. O mais ofensivo de que me recordo foi quando defendeu o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Eu lutava pelo atendimento das mulheres no SUS em casos de aborto legal, junto com o deputado Eduardo Jorge, e muitas vezes me vi cercada por ativistas amedrontadores me chamando de “aborteira”. Nem sei se o capitão reformado estava entre aqueles, tamanho o desprezo que eu lhe dedicava.
Por que nenhum de nós percebeu o perigo que ele representava? Havia alguém que pudesse imaginar que seus rebentos, no futuro, avacalhariam a política brasileira?
Essas perguntas têm me atormentado ultimamente, desde que a sucessão de ameaças e pedidos de desculpa se tornaram verdadeiro mantra na família Bolsonaro, além dos rolos em que se metem com amigos e assessores.
Tais fatos me levam a rever as palavras de Günter Grass, o festejado Prêmio Nobel de Literatura, ao confessar haver pertencido à Juventude Hitlerista em Danzig e, depois, à SS, e ao se cobrar por que não perguntara sobre o que se passava à sua volta. Ou, então, leio e releio Bertold Brecht: “Primeiro levaram os negros. / Mas não me importei com isso. / Eu não era negro./ Em seguida levaram alguns operários. / Mas não me importei com isso. / Eu também não era operário…”
Ou seja, não vou fazer de conta que eles não estão ameaçando todos nós, enquanto Rodrigo Maia, David Alcolumbre e Paulo Guedes governam. Um presidente da República não pode, por sua vontade, subtrair uma gravação que, eventualmente, sirva de prova em um inquérito, ainda que a fita gravada esteja na portaria do condomínio onde mora.
Um senador não pode merecer do presidente do STF a suspensão de uma investigação que poderia indiciá-lo por algum delito. Muito menos pode um deputado federal, ainda mais líder de um partido político, sugerir o uso da força, seja por qual forma for, para impedir que adversários exerçam seu direito de fazer-lhes oposição…
Recuso-me a lidar com isso como se fossem bravatas ou mero comportamento de quem tem um gênio impetuoso.
Eles têm que se calar.
Eu não!
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* Com a colaboração de Amanda Starling