– Olá, este é mais um podcast IdealPolitik, especialmente para Os Divergentes. Aqui, vamos analisar toda semana o reality show da política, que mantém você entretido com muito circo e pouco pão.
– Para muitos, os protestos no Chile marcam uma reviravolta da esquerda na América Latina, arquitetada pelo Foro de SP, conforme disse o presidente Jair Bolsonaro. E como não pensar assim com a vitória de Alberto Fernandez contra Maurício Macri, na Argentina; com o encurralamento de Lenin Moreno, no Equador; ou pelo avançar do Impeachment de Donald Trump nos EUA, não é mesmo?
– Mas será que é disso que se trata? Primeiro, é preciso observar que, na Bolívia, o esquerdista Evo Morales enfrenta também manifestações contra seu quarto mandato e por grandes projetos de infraestrutura na Amazônia; Nicolás Maduro, na Venezuela, há tempos está em conflito com ruas que pedem a saída dele do poder; e, mesmo no Uruguai, a Frente Ampla, de Pepe Mujica, corre risco de perder no segundo turno.
– Conforme pesquisa publicada pelo jornal chileno La Tercera, o presidente do país, Sebastián Piñera, é reprovado por 78% da opinião pública pelos seguintes motivos: mau tratamento de protestos; baixa pensão para os aposentados; desigualdade e abuso de autoridade; não ouvir as pessoas comuns; má gestão da educação e da saúde; baixos salários; não cumprimento de promessas; proteção dos interesses das elites econômicas; alto custo dos serviços básicos; e falta de segurança pública. São estes os denominadores mais ou menos comuns a todas as insurreições analisadas. Já reparou?
– Estas podem até parecer pautas de esquerda, mas como se ela também está em xeque? Claro que as cúpulas políticas – situacionistas ou oposicionistas em cada Estado – tentam capturar tais sentimentos e responder honestamente a esse verdadeiro encontro de mal-estares sociais, mas a crise, percebe-se, está relacionada estruturalmente àquele inconsciente coletivo que falamos no podcast anterior. Cansado de esperar.
– Este inconsciente coletivo desperta gradualmente, confuso pelo emaranhado do que Herbert Marcuse alertou como a produção e distribuição de falsas necessidades superimpostas aos átomos sociais, que ensejam uma repressão latente, desnecessária, persistente e agradável: a “dessublimação repressiva”. Contudo, uma coisa parece nítida: vai transbordando o desejo da sociedade de se libertar de todas as instituições políticas e sociais coercivas que impedem o desenvolvimento de uma humanidade livre, como escreveu, há muitos anos, outro pensador, Rudolf Rocker. Mas livre do que?
– Livre da violência em sentido amplo, que ressente com a negação daquilo que a pesquisa chilena identificou como a insatisfação das pessoas com Piñera. Em última instância, a referência desta violência é o Estado e o governo, criados pelos seres humanos, sim, mas comandados pelos que se perderam e se inverteram nos jogos de poder que acontecem ao arrepio da vida cotidiana. Mas esta reproduz tais comportamentos inclusive porque são manifestados por aqueles em quem os cidadãos e cidadãs se espelham ao delegar sua representação na política.
– Diante de tal cenário, o estímulo imediato é querer mudar o Estado e o governo. Ocorre que é exatamente este ciclo de mudanças de ambos que tem enfurecido o inconsciente coletivo. Entretanto, veja, o político corrupto, oportunista e demagogo, antes de tudo, tem que ser morto dentro de cada um. É difícil, é um processo de autoconhecimento, de autorrealização e auto-libertação, numa caminhada de iluminação da política e da vida social, sem o que a prisão na falsa dualidade do representante e do representado não será superada. Tampouco a crise política, que se alastra pelo globo terrestre.
– O que lateja por trás das discussões cotidianas é que a Nova Ordem Mundial, fundada na democracia liberal e na economia de mercado, é vista como um complô de bilionários culturalmente narcisistas e políticos ególatras corruptos, que manteriam o mundo em crise econômica. Já as experiências socialdemocráticas e as comunistas sucumbiram por corrupção e/ou autoritarismo, que teriam destruído a economia – e, junto, as condições de vida das pessoas comuns. Estes ideários civilizatórios tem evidentes dificuldades de representar a existência real e a realidade final desejadas pelas pessoas atualmente.
– Qual solução? A autonomia das pessoas sobre todas as demais considerações, o que liberta também da submissão das minorias às maiorias ideológicas circunstanciais. As grandes organizações que criamos só tem razão de existir, ao fim e ao cabo, para o bem de cada pessoa. Para isso foram criadas. E que bem é esse? É o de ser a própria representação política que é buscada.
– Há quem pense em resolver este dilema empunhando palavras salvadoras, inclusive religiosas, da restauração dos valores do Ocidente, supostamente judaico-cristão. No entanto, esse paradigma chegou importado ao Brasil pelas grandes navegações. A verdadeira fundação do Ocidente foi pelas mãos da Macedônia grega de Alexandre, o Grande; da cultura helenística baseada na mistura e no respeito entre etnias e credos, que foi insumo do Iluminismo, mas este acabou adaptado no processo histórico de, digamos, reencarnação da degeneração dos sistemas políticos. Como é que fica?
– Um bom referencial civilizatório que vem do Oriente, e que é outra fantasia, pois a Terra é una, como enxergam e relatam os astronautas da Estação Espacial Internacional em seus retornos, são as palavras de Sri Vivekananda, sábio hindu:
“Pecadores! Pecado é denominar assim a um homem; é um permanente libelo contra a natureza humana. Levantem-se, oh Leões! E abandonem a ilusão de que são ovelhas. Rompe teus grilhões! Amor, ódio; bem, mal; e todas as demais dualidades. Sabe: escravo é escravo acariciado ou açoitado, nunca liberto. Vós sois os compartilhadores da bem-aventurança, seres perfeitos, espíritos livres”.
– Não se perca: a tendência da grande luta política do porvir será entre o despertar da consciência para a progressão da vida na Terra, como cerne da práxis, e o obscurecer da consciência para a regressão da vida. Pense se não é o caso de:
– Manifestar a sua própria visão de mundo pessoal na vida particular e coletiva e não a de terceiros como se fosse a sua;
– Consolidar sua opinião pela observação do seu contexto e da formação do seu pensamento, sabendo que nada é fixo ou permanente, como gosta de dizer a monja Coen, inclusive sua opinião e o contexto em que ela é gestada;
– Pensar, falar e agir politicamente com razão, não no impulso de suas emoções e sofrimentos.
– É assim que se perturba o som do silêncio, emanado do mercado de espantalhos que desviam a atenção das pessoas para escolhas ideológicas enraivecidas.
– Time is politics,