No último dia 10 de outubro, o presidente do Chile, Sebastian Piñera, em entrevista à televisão, aclamava seu país como um “oásis” de crescimento econômico, geração de empregos e estabilidade democrática na América Latina, cercado de crises, no Brasil, no México, na Argentina, no Paraguai, na Bolívia e no Peru.
No dia 20, Piñera voltava à televisão, desta vez acompanhado de seu ministro da Defesa, para atacar “um inimigo poderoso, implacável, que não respeita nada nem ninguém, e que está disposto a usar a violência e a delinquência sem nenhum limite”. Esse inimigo era o próprio povo chileno, que desencadeava uma inédita onda de mobilizações contra o aumento das tarifas de transporte e de denúncia das desigualdades sociais.
As autoridades chilenas convocaram as forças de segurança para reprimir as manifestações e a violência se espalhou pelas ruas de Santiago, resultando em mais de uma dezena de mortos.
Três dias depois, no dia 23, Piñera retornava mais uma vez às redes de televisão para pedir perdão à população por ter compreendido tardiamente suas reivindicações. Prometeu reformar a Previdência, a educação e a saúde, elevar o salário mínimo e reduzir as tarifas de energia.
Depois, pelo Twitter, Piñera elogiou as manifestações como “caminhos para o futuro e esperança”. No esforço para conter a crise, pediu a todos os seus ministros que colocassem seus cargos à disposição, ou seja, que renunciassem. Sebastian Piñera, finalmente, dobrava-se à força dos acontecimentos.
O que se passa com o Chile? Visto por seu presidente como o “oásis” latino-americano, elogiado pelo ministro da Fazenda do Brasil, Paulo Guedes, como a “Suíça” da América do Sul, a ebulição social caiu sobre o país como um raio em céu azul.
A verdade é que o laboratório chileno de crescimento econômico apoiado na concentração de renda e privatizações dos serviços públicos explodiu. Sem renda, sem Previdência e sem serviços públicos o modelo chileno exibia as deformidades que esgotaram a paciência popular. Os rancores acumulados pelas frustrações da vida difícil da classe média e do povo desencadearam as mais vigorosas manifestações da história recente do país.
Os chilenos travam nas ruas de Santiago a sua segunda Batalha de Maipú. Na primeira, em 1818, conquistaram a independência ao Império colonial espanhol. Agora tratam de emancipar o Chile, sua classe média e seu povo do modelo excludente imposto pela elite rentista.
Aldo Rebelo é jornalista, foi ministro da Coordenação Política e Relações Institucionais; do Esporte; da Ciência e Tecnologia e Inovação e da Defesa nos governos Lula e Dilma