Termelétricas a carvão são opção controversa à crise fiscal gaúcha

Há carvão de sobra enterrado nos solos do Rio Grande do Sul. Energia abundante, poderia ser uma alternativa à grave fiscal do Estado que tornou rotina o atraso de salários de servidores. De um lado, a conveniência à mão. Do outro, o forte ambientalismo militante. Eis um dilema gaúcho

Usina Termelétrica no Rio Grande dosul

Entre a cruz e a espada. A expressão serve para o dilema do Rio Grande do Sul. Berço do ambientalismo brasileiro, o estado gaúcho é detentor das maiores (80%) reservas de carvão mineral do País (32 bilhões de toneladas), uma riqueza capaz de tirar o erário público do buraco.

Entretanto, exatamente o carvão é o maior vilão do chamado aquecimento global, segundo muitas teses, embora seja ainda o responsável pela maior parte da energia elétrica gerada no mundo, cerca de 40% do total. No Brasil, corresponde a apenas 4,25% da luz e força.

Este é o grande problema: os administradores públicos riograndenses olham desolados o cofre vazio diante das levas de aposentados e funcionários ativos clamando por vencimentos atrasados, quando, ali perto, do outro lado do rio Guaíba, à vista do terraço do Palácio Piratini, estão, à flor da terra, recursos naturais capazes de captar investimentos para empreendimentos de capitais intensivos com condições de gerar uma arrecadação gigantesca sem muito esforço.

É dramático.

As termelétricas a carvão estão em expansão moderada no Rio Grande do Sul, com capital e tecnologia chinesa. A China depende desse combustível para gerar 80% de sua energia elétrica.

Termelétrica perto de Pequim, na China

No passado, isto foi um pesadelo e que gerou a má-fama do país como poluidor. Entretanto, venceram o desafio e criaram novas tecnologias que praticamente eliminam os piores efeitos do mineral, equiparando os danos do carvão a de outros combustíveis fósseis, como óleo cru ou diesel, derivados do petróleo.

Os sábios e pacientes chineses não desistiram de converter um pesadelo numa vantagem comparativa, pois hoje dispõem de uma fonte de energia barata, responsável por boa parte de seu sucesso como nação emergente.

No entanto, os ambientalistas não aceitam esses argumentos dos técnicos e abrem um alarido ensurdecedor nas audiências públicas e manifestações de protestos. Mais ainda no Rio Grande do Sul, onde nasceu o ativismo.

Nas universidades gaúchas também há divisões. Acadêmicos das áreas de humanas demonizam o carvão, enquanto entre os professores de ciências exatas há uma maioria que admite uma evolução técnica significativa favorável ao uso do carvão combustível.

O carro elétrico

A questão da termeletricidade a carvão no Rio Grande do Sul (o tema também é debatido em Santa Catarina) está ligado ao esperado crescimento exponencial do mercado com a mudança na motorização dos automóveis, que, até 2030, deverão ter já boa parte da frota de veículos novos movidos a energia elétrica. 70 milhões de carros, no Brasil, mais ônibus e caminhões que, também, rapidamente serão eletrificados, é um mercado nunca antes sonhado pelas produtoras de energia elétrica.

Outras fontes naturais – hídrica, solar, eólica e biomassa – não terão condições de suprir toda essa demanda. As previsões são de que o petróleo e, também, a energia nuclear, terão rápido crescimento.

A energia atômica, entretanto, por ser muito cara sua implantação, ainda não estará disponível nos primeiros momentos, ou seja, nos primeiros 50 anos do transporte eletrificado. Aí o carvão terá um mercado fantástico, preveem os técnicos.

Embora combatido pelos ambientalistas, no Rio Grande do Sul têm-se investido nas termeletricidades a carvão, com as novas tecnologias chinesas, levadas ao Estado pela chinesa Sepco 1 Construção. Na fronteira uruguaia, já estão em operação as centrais do veio carbonífero da Hulha Negra, a Candiota III (em 2010) e Pampa Sul (2019) e está em construção a terceira usina, Pedras Altas, que dá 4.000 empregos indiretos nesta fase e terá 500 vagas permanentes quando a unidade entrar em operação em março de 2020.

O outro grande projeto em andamento é do consórcio liderado pela Copelmi (nacional), Air Produtcs (norte-americana) e Zheijang Energy Group (chinesa), nas imediações de Porto Alegre, na boca da Mina Guaíba, em Eldorado do Sul, no Baixo Jacuí, e em Charqueadas, também nas imediações das margens do rio.

As autoridades gaúchas encarregadas de captar investimentos para o Estado informam que há interesse concreto nas minas de carvão de Candiota, Capané, Iruí, Leão e Chico Lomã, no Rio Grande do Sul, e em Morro dos Conventos, no sul catarinense. Também há prospecções bem-sucedidas no Paraná e São Paulo.

Aumento da demanda

O Brasil deverá ter um impulso no setor de energia elétrica a curto prazo. Atualmente, com a economia estagnada, ainda não se manifestou uma crise de produção de eletricidade, pois a demanda está no limite da capacidade instalada.

Entretanto, segundo declarações da secretária-executiva do Ministério de Minas e Energia, Marizete Dadad Pereira, e do presidente da Empresa de Pesquisas Energética (EPE), Thiago Vasconcellos, publicadas pel’Os Divergentes, será necessária no curto prazo uma expansão de 3,6% ao ano em 10 anos, para sustentar um crescimento de 2,5% a 2,7% ao ano do PIB.

Marizete Dadalt Pereira, do Ministério das Minas e Energia – Foto Saulo Cruz

Seria necessário aumentar dos 70 mi megawatts atuais para 95 mil MW até 2029. É uma situação dramática, pois não há tempo útil fora da opção termelétrica.

A opção termelétrica é uma solução de rápida implementação, ao contrário dos modelos hidrelétrico e nuclear, que demandam grandes obras de construção civil, demoradas e caras. Neste caso, o investimento físico constitui-se de motores, geradores e grandes galpões.

A transmissão é de curta distância, pois as plantas ficam nas imediações dos centros consumidores. Ou seja: é quase como comprar uma usina na prateleira do supermercado.

A Petrobrás está de olho nesse mercado, pois suas reservas gigantescas de óleo e gás do pré-sal estão aí para suprir essa demanda. O petróleo, nas suas versões de óleo cru, diesel ou gás natural, é mais versátil que o carvão.

Entretanto, no caso dos estados do extremo sul, que podem construir as usinas geradoras na boca da mina, essa vantagem se equipara. Além disso, os tributos e dividendos que iriam para a Rua Chile, no centro do Rio de Janeiro, ficariam em Porto Alegre e Florianópolis.

Carboquímica

Os governantes dos estados sulinos também estão interessados em outras aplicações para o carvão mineral, que se viabilizariam com a mineração para uso energético. Um dos usos mais prováveis, seria a carboquímica, ou seja, a produção de plásticos e insumos agrícolas e farmacêuticos retirados do carvão.

A China dispõe de tecnologia para isto. E também o uso das cinzas, que eram um rejeito desprezível e ambientalmente complicado, na construção civil e industrialização cerâmica encontrou uma tecnologia de seu aproveitamento integral. O que era lixo virou matéria-prima reciclável.

Embora menos versátil que petróleo ou gás, o carvão poderá ter essa importância nos estados produtores. O Rio Grande do Sul é fortemente dependente de empresas de capital intensivo da área do petróleo.

Cerca de 20% da arrecadação do estado vêm de atividades ligadas ao hidrocarboneto, quais sejam: a refinaria Alberto Pasqualini (e eventualmente a Refinaria de Petróleo Ipiranga, de Rio Grande) e das plantas de primeira e segunda geração do Polo Petroquímico de Triunfo.

Fonte de arrecadação

Com usinas termelétrica e carboquímica, o estado gaúcho teria uma nova fonte de arrecadação capaz de romper como impasse fiscal que sufoca o Estado. Nos últimos anos, movimentos políticos contrários inviabilizaram dois grandes projetos de crescimento industrial: a fábrica de automóveis da Ford, em Guaíba, transferida para Camaçari, na Bahia; e a desmobilização dos projetos de grandes papeleiras mundiais para a instalação de várias fábricas para produção de celulose, desencorajadas pela hostilidade dos movimentos ambientalistas que condenavam as florestas plantadas.

Fábrica da Ford, em Camaçari, na Bahia

O dilema do Rio Grande do Sul é como compor a necessidade de aumentar substancialmente sua arrecadação, para assegurar os compromissos previdenciários, com as demandas políticas de movimentos contrários a seus projetos expansionistas. Será uma dura batalha de opinião pública.

Deixe seu comentário