Quinze votos e uma reflexão: da hermenêutica constitucional concretista à jurisprudência dos direitos fundamentais
- Intróito
Luiz Edson Fachin*
Christine Peter da Silva**
O transcurso de 15 (quinze) anos desde a edição da Emenda Constitucional n. 45, notória por ter atualizado a Constituição de 1988, em diversas normas relativas ao Poder Judiciário, sugere reflexões em múltiplas direções.
A proposta do presente artigo é apresentar um excerto da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a partir de um olhar hermenêutico voltado para a concretização dos direitos fundamentais, enfatizando a missão institucional do Supremo Tribunal Federal como uma Corte Suprema constitucionalmente comprometida em aproximar realidade e texto constitucionais o máximo quanto possível.
Um registro inicial fazem os autores a partir de seus respectivos e atuais lugares presente de afazeres: do primeiro autor emerge, por meio da exposição que se seguirá de seus pronunciamentos jurisdicionais, ser imperioso contribuir para prestar contas, nem sempre vistas no Tribunal, pois é visto em telas ou imagens; da segunda autora verte, por intermédio do magistério, a arquitetura pedagógica da permanente construção de ideias.
Assim, a coautoria comunga, a quatro mãos, no caráter dialógico da interpretação, mesmo em tempos – como o atual –, nos quais a travessia é demasiado longa, íngreme e fractal. Como se pode haurir de Steiner¹, a esperança mantém acesa a interrogação sobre utopias e epifanias: “Somos los invitados de la vida para seguir luchando”.
Partimos da seguinte premissa teórica: a Constituição, ao espelhar as estruturas fundamentais que representam a identidade coletiva brasileira, plasmada em um momento histórico específico e construída por um acordo mediado pela coesão sinérgica constituinte, apresenta-se não apenas como uma regulação abstrata das normas jurídicas, mas, também constitui a própria comunidade em sua forma jurídica².
* Ministro do Supremo Tribunal Federal; Professor Titular de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR); Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP. ** Doutora e Mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB; Professora Associada do Mestrado e Doutorado em Direito das Relações Internacionais do Centro Universitário de Brasília (UniCeub); Pesquisadora do Centro Brasileiro de Estudos Constitucionais ICPD/UniCeub; Assessora de Ministro do Supremo Tribunal Federal. ¹ STEINER, George. Un largo sabado; entrevistas com Laure Adler. Ediciones Siruela, abril de 2016, p. 157. ² Afirmação inspirada no seguinte trecho: “E a lei, bem como a língua e a religião, na medida em que espelha as estruturas fundamentais que representam a identidade coletiva de um grupo em seu contexto
O afazer hermenêutico impõe-se, diuturnamente, aos juristas que atravessam as pontes que conduzem da margem onde estão os textos normativos para a outra margem onde se encontra a realidade normatizada, e vice-versa. É uma travessia, nem sempre fácil, nem sempre confortável, num processo de ida e volta da abstração normativa ao mundo da experiência jurídica.
Assim sendo, dois objetivos estão postos para a contribuição que pretendemos deixar nesse trabalho: o primeiro é uma reflexão sobre a hermenêutica constitucional, como método concretizador dos direitos fundamentais; e o segundo é a reunião de decisões que pretenderam contribuir, no sentido hermenêutico, à construção da missão institucional do Supremo Tribunal Federal como ponte, cuja finalidade é, no complexo mosaico das instituições republicanas, aproximar o texto da norma constitucional da experiência jurídica de fruição de direitos fundamentais, representação evidente do exercício da cidadania.
A escolha pelos autores dos precedentes que serão apresentados deu-se, precipuamente, por observação, aliado ao critério de notoriedade e atualidade das controvérsias constitucionais neles aventada. Os filtros, portanto, foram, de um lado, a contribuição relevante da discussão constitucional mediada pelas decisões; e, de outro lado, o resultado, no que tange à conformação jurisprudencial dos âmbitos de proteção dos direitos fundamentais em debate.
Dentre os múltiplos olhares que se descortinam pelas sendas da hermenêutica constitucional, interrogar-se criticamente, com genuíno compromisso cívico, sobre os direitos fundamentais e os sujeitos que os titularizam, é encontrar-se com o fundamento da dignidade humana como vetor intransponível para a transformação do texto em realidade constitucional.
Temos como útil a reflexão acerca dos pressupostos da hermenêutica constitucional, bem como dos vetores hermenêuticos que conduziram – e têm potencialidade de conduzir – as decisões constitucionais do Supremo Tribunal Federal, pois dar a conhecer os caminhos percorridos é também uma forma de prestigiar as vicissitudes da viagem.
histórico específico, lhe permite a construção de sua forma mediada de coesão que o define como agrupamento humano: sendo assim, a lei não é apenas uma forma de representação abstrata das normas regulativas da comunidade, que a figuram e norteiam, mas muitas vezes é, ela mesma, a própria sociedade apresentada sob o aspecto legal” (p. 4) TOLEDO, Plínio Fernandes. Uma interpretação filosófica do direito a partir da análise de sua forma objetiva na transição da oralidade para a escritura, in BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, José Rodrigo (org). Hermenêutica Plural: possibilidades jusfilosóficas em contextos imperfeitos. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 4.
Em matéria de hermenêutica constitucional, especialmente aquela que se destina à construção e conformação do âmbito de proteção dos direitos fundamentais, esse desvelar trata-se mesmo de um dever republicano. Essa é nossa forma de homenagear a Emenda Constitucional n. 45/2005, pedra fundamental do Poder Judiciário brasileiro, no devir do vir-a-ser desse Poder, neste século XXI.
Postas estas ideias de abertura, permitimo-nos algumas palavras sobre hermenêutica e interpretação.
- Hermenêutica Constitucional
A interpretação de qualquer norma jurídica é uma atividade intelectual que tem por finalidade tornar o sentido do texto normativo uma realidade e, assim, possibilitar a incidência dos enunciados normativos, necessariamente gerais e abstratos, às situações da vida, naturalmente particulares e concretas. Assim se pode tomar, em termos gerais e elementares, a função da hermenêutica jurídica.
A interpretação constitucional, mais especificamente, apresenta-se como um processo que busca o significado e a concretização da Constituição, tendo em vista não apenas a sua aplicação ou a resolução de um caso concreto, mas também a construção de um vetor hermenêutico legitimador que se constitui, em si mesmo, parâmetro para todas as demais normas do ordenamento jurídico³.
O professor Richard Palmer, ao tratar da hermenêutica, afirma que é o estudo da compreensão, constituindo-se, essencialmente, na tarefa de compreender textos. A hermenêutica chega à dimensão mais autêntica quando deixa de ser um conjunto de artifícios e de técnicas de explicação de texto para compreender o problema hermenêutico dentro do horizonte de uma avaliação geral da própria compreensão interpretativa4
Assim, a hermenêutica tem como tarefa principal estabelecer parâmetros para a interpretação, fixando regras para a atividade interpretativo-concretizadora, a fim de que esta não seja realizada de acordo com a consciência de cada intérprete, permitindo o controle da atividade interpretativo-concretizadora, de forma a cobrar do intérprete o respeito a alguns princípios interpretativos fundamentais (pressupostos da interpretação
³ A ideia de interpretação como concretização pode ser encontrada na obra: HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, trad. Luis Afonso Heck. Porto Alegre : Sérgio Antonio Fabris, 1998, p. 61 e ss. 4 PALMER, Richard E. Hermenêutica, trad. Maria Luísa Ribeiro Ferreira. Lisboa : Edições 70, 1969, p. 23 e ss.
constitucional), bem como possibilitando o cumprimento das normas constitucionais e a sua atualização histórica. Há, pois, possibilidades e notadamente limites.
A primeira premissa hermenêutica é a de que uma interpretação tipicamente constitucional é aquela especialmente voltada para a concretização dos direitos fundamentais. Ou seja, assumindo que as normas consagradoras de direitos fundamentais trazem uma maior carga de valoração, maiores dificuldades de racionalidade do processo hermenêutico e, principalmente, maior grau de liberdade do intérprete na conformação de seu sentido, não há como deixar de evidenciar que a sua interpretação-concretização apresenta-se – plano do ser – ou deve apresentar-se – plano do dever-ser – a partir de uma metodologia mais complexa e sofisticada em relação àquela comumente invocada para as demais normas jurídicas.5
A segunda premissa é a de que, num país latino americano, como é o caso do Brasil, deve-se investigar, refletir, praticar e experimentar práticas metodológicas de concretização dos direitos fundamentais adequadas para a nossa realidade, sem ceder à tentação de importar modelos que pouco dizem para nós mesmos, para o nosso passado, presente e futuro. A contextualização histórico-cultural apresenta-se imprescindível para o desenvolvimento de uma hermenêutica constitucional adequada à concretização dos direitos fundamentais.
E, por fim, uma terceira premissa deve ser assinalada: a de que o século XX, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, densificou, o tanto quanto foi possível, o paradigma da dignidade da pessoa humana. Diante dessa premissa, acreditamos que o sujeito – tomado em sua concretude – seja o responsável pela virada paradigmática experimentada com maior delineamento nesse início de século XXI.
O desenvolvimento da temática dos direitos humanos e dos direitos fundamentais somado à preocupação das instâncias e organismos internacionais com os sujeitos de nossa história mundial ainda não têm sensibilizado suficientemente, a ponto de provocar substancial mudança paradigmática irreversível.
Mas a proposta aqui é exatamente jogar luzes para a hermenêutica constitucional como pressuposto do exercício democrático do poder, a qual, por isso, vincula-se,
5 E aqui cabe esclarecer que a diferenciação, no plano hermenêutico, de regras de interpretação para os direitos fundamentais não constitui uma opção de valorização do objeto da investigação constitucional, pois a distinção proposta será levada a cabo em qualquer ramo do Direito onde seja necessário trabalhar com conteúdos jusfundamentais para a resolução do problema jurídico. Ou seja, não é qualquer norma constitucional, nem qualquer caso de inconstitucionalidade que gerará demanda por uma hermenêutica especificamente destinada, mas, sim, toda e qualquer situação jurídica em que direitos fundamentais estejam sendo concretizados.
Irrestritamente, aos direitos fundamentais e à dignidade dos sujeitos titulares desses direitos. Nesse contexto, apresenta-se a hermenêutica constitucional como comprometida com o dirigismo concretizador dos direitos fundamentais, em todos os âmbitos de atuação dos seus agentes – sejam eles políticos, públicos ou quase-públicos –.
Há, é bem verdade, consenso sobre a fidelidade à Constituição, mas não há uma razoável concordância sobre qual Constituição, objeto em si, a que se destina essa fidelidade. E talvez seja possível afirmar que a Constituição, fruto de consensos políticos datados e localizados geograficamente, seja mesmo, por essência, uma norma dinâmica.6
Por integridade, entenda-se o respeito e consideração à linha histórica de pensamento e linhas teóricas de que se parte para a construção de razões discursivas. A preocupação com as ideias já publicadas, com as teses já defendidas, com as aulas já ministradas, são elementos vivificadores da experiência de integridade. A condução da argumentação pelas sendas da segurança jurídica, ainda que na linha da segurança jurídica dinâmica7, também indica clara predileção pelas práticas que materializam a integridade, nos termos do que aqui se propõe.
Já a transparência é uma exigência mais tangível, no sentido da publicidade irrestrita dos atos jurisdicionais típicos. A regra geral da transparência também invoca a obrigação de expor, com nitidez, as razões de convencimento acerca das questões postas à análise, bem como o honesto compromisso com a lógica e racionalidade compreensível das razões de decidir.
Em tempos de divergências constitucionais, a fidelidade constitucional parece perder sua força e vitalidade. Aparência inconsistente, pois o confronto hermenêutico de ideias e argumentos, na concretização constitucional, é indicativo de que há movimento e dinâmica a conduzir a Constituição pelo seu caminho de perenidade. Conforme anota José Rodrigo Rodriguez:
(…) E não se pode barrar conceitualmente o correr da história. Os conceitos devem ser instrumentos de reflexão e crítica sobre a
6 Sobre a fidelidade constitucional conferir, em trabalho publicado anterior: FACHIN, Luiz Edson; SILVA, Christine Oliveira Peter. O dever hermenêutico de fidelidade constitucional, in Constituição da República: um projeto de nação – homenagem aos 30 anos. Editora CFOAB, Brasília, 2018, p. 157- 167. 7 Sobre o conceito de segurança jurídica dinâmica, vide: SILVA, Christine Oliveira Peter da; SILVA, Felipe L. Abath. No Estado Constitucional pluralista e aberto, segurança jurídica é dinâmica, in Revista Conjur, Observatório Constitucional, 9.12.2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-dez-09/observatorio-constitucional-estado-constitucional-pluralista-seguranca-juridica-dinamica Acessado em 22.03.2019.
efetividade do real e não parte de profissões de fé sobre uma determinada visão de estado de direito e sociedade.8
As normas constitucionais, que expõem compromissos dos legisladores constituintes com a comunidade sócio-cultural que o legitimou, pretendem-se perenes e, por isso, importante a missão daqueles que declaram sua fidelidade constitucional a partir de projetos atualizadores do compromisso original. Não há possibilidade de falar-se em fidelidade constitucional sem levar em consideração as respostas que nascem, todos os dias, do exercício pleno e legítimo da jurisdição constitucional.
Se a compreensão acerca da Constituição, como norma ápice do sistema jurídico nacional, não consegue consenso, impõe-se, ainda com mais vigor, declarar-se a fidelidade constitucional como um vetor hermenêutico do pluralismo, significando, nesse contexto, as múltiplas possibilidades de manifestação íntegra e transparente das compreensões constitucionais subjacentes.
A divergência acerca dos modos de ver, sentir e concretizar a Constituição não pode ser considerada um elemento de debilidade, pois a integridade de um colegiado democrático e plural respeita e considera histórias forjadas por olhos, modos e saberes diferentes, sem jamais abrir mão da transparência como obrigação de dar-se a conhecer por todos os interlocutores interessados do presente e do futuro.
Para que tal paradoxo não se transforme em tensões permanentes que podem debilitar a Constituição, tanto no plano simbólico, quanto no plano de sua real efetividade jurídica, é preciso canalizar os esforços para a construção de um discurso que, pela integridade e transparência institucionais, possa mediar as eventuais divergências hermenêuticas acerca da concretização constitucional realizada pelos órgãos jurisdicionais e legislativos.
Se é certo que a democracia se fundamenta na liberdade, na igualdade e na responsabilidade, qualquer forma de coerção não parece adequada para a ressignificação da democracia entre nós. É certo, nesse contexto, que o constitucionalismo de 1988 inaugurou fase menos apática da democracia brasileira. 9
8RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as Cortes? Para uma crítica do Direito (Brasileiro). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013, p. 17. 9 Ideia já apresentada em trabalho anterior: FACHIN, Luiz Edson; SILVA, Christine Oliveira Peter. O dever hermenêutico de fidelidade constitucional, in Constituição da República: um projeto de nação – homenagem aos 30 anos. Editora CFOAB, Brasília, 2018, p. 157-167.
Assim sendo, apresenta-se relevante e inexorável reconhecer a importância do sujeito na construção da história, bem como condicionar a sua formação à (in) formação que lhe é prévia. Os detentores do poder político deverão estar atentos e preparados para os questionamentos e cobranças de uma sociedade informada, tendo em vista que as análises e prognósticos políticos serão cada vez mais condicionados por uma dinâmica comunicativa sem precedentes na história.
O sujeito desse século XXI não pode mais ser apenas o sujeito do século XIX, que buscava a sua liberdade perante os desmandos do absolutismo recém derrubado, nem pode ser o sujeito do início do século XX, que ainda arrostado pela revolução industrial, lutava pela igualdade mirando a boa condição de vida liberal.
O sujeito do século XXI, necessariamente, deve reconhecer-se como o sujeito da solidariedade, cuja identidade não se constrói apenas na individualidade, mas principalmente nas relações que constitui. Trata-se, pois, de coexistencialidade. E, nesse contexto, a dignidade humana passa a ser o vetor de suas experiências pessoais e culturais, e apesar de ter consciência de sua posição de indivíduo não se sustenta só nisso, pois somente como membro de uma coletividade e inserido no conceito difuso de cidadão é que ganha a força da sua liberdade e igualdade perante os demais.10
A partir dessa compreensão, os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade responsáveis foram – e continuam sendo – a base daquilo que se experimentou como modelo de Estado Constitucional dos séculos XIX e XX, o qual está a exigir, para o século XXI, a construção de uma cultura histórica cujo objetivo comum seja a concretização do ideal de dignidade. 11
Não é mais o tempo para histórias de sujeitos insulares, movidos pelos seus universos pré-compreensivos limitados por suas vontades e paixões personalíssimas, considerando que contra essa postura se ergueu, há mais de dois séculos, o que se convencionou chamar de Estado de Direito.
10 É sintomática a recorrência ao princípio da dignidade humana como baliza para as considerações acerca da metodologia para a solução de casos difíceis, principalmente quando envolvem questões em que se faz necessária a concretização dos direitos fundamentais. Por isso, faz-se imprescindível um estudo mais profundo sobre este princípio, levando-se em consideração a sua aplicação nos diversos contextos culturais. Nesse contexto, sobreleva-se referenciar a obra do professor Ingo Sarlet sobre o tema: SARLET, Ingo W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2ª ed. rev. e ampl. Porto Alegre : Editora Livraria do Advogado, 2002. 11 HÄBERLE, Peter. La garantía del contenido esencial de los derechos fundamentales. Trad. Joaquín Brage Camazano. Madrid: Editorial Dykinson, 2003, p. 169-172).
Dessa forma, genuína faz-se a preocupação com a (in) formação de sujeitos constitucionais capazes de perceber, nas suas relações intersubjetivas, as premissas pré- compreensivas individuais, coletivas e difusas dos direitos fundamentais, para que elas sejam conscientemente colocadas no bojo da discussão dialética de teses e antíteses, em busca de sínteses que possam representar, ainda que momentaneamente, a pré- compreensão coletiva do grupo a que pertence, cultural ou institucionalmente considerado.
Assim, ao voltar os olhos para a realidade brasileira, é preciso investigar, conhecer e ocupar-se das necessidades e das possibilidades, para que a hermenêutica constitucional não se converta em fórmulas artificiais de retórica jurídica, e, sim, constitua-se em método comprometido em dar concretude às possibilidades de participação ativa no processo de concretização das normas constitucionais, nomeadamente aquelas dos direitos fundamentais.
Deixemos nítidos, portanto, os nossos pressupostos do Estado Constitucional e Democrático, inspiração da hermenêutica constitucional concretista aqui apresentada: os diálogos constitucionais, a concretização cooperativa dos direitos fundamentais e a inexorável interdependência entre as funções de poder, diante do objetivo maior de concretização da Constituição.
São esses os pontos de partida que, em nossa mirada, devem conduzir os sujeitos constitucionais do Estado e da sociedade civil, sujeitos esses que devem ser cada vez mais conscientes e protagonistas da complexa tarefa de concretizar normas constitucionais e direitos fundamentais.
- Precedentes no Supremo Tribunal Federal: adjudicações ignotas?
Escolher é eleger critérios para diferenciar, priorizar ou preferir. Os precedentes que serão aqui apresentados formam um conjunto de decisões as quais foram escolhidas como excerto do conjunto de decisões do Supremo Tribunal Federal, julgadas entre 2016 e 2019.
A preferência por estas, e não por outras decisões constitucionais, decorreu da temática nelas aventada, qual seja, a concretização de direitos fundamentais. Direitos fundamentais de todas as dimensões, cuja jurisdicionalização promoveu a formação de um notório acervo de casos conformadores do âmbito de proteção de tais direitos, e, consequentemente, da própria Constituição da República, no ordenamento jurídico brasileiro.
Serão apresentados os principais argumentos eleitos pelo primeiro autor como os mais adequados para a compreensão hermenêutica das questões constitucionais trazidas à Corte Suprema brasileira, nos referidos precedentes. Serão quinze decisões, todas elas debatendo direitos fundamentais, a demonstrar que a Emenda Constitucional n. 45/2004 propiciou muito mais do que reforma pontual e procedimental no Poder Judiciário, em geral, e no Supremo Tribunal Federal, em particular: verdadeiramente promoveu possibilidades hermenêuticas mais amplas, no que diz à missão institucional da Corte Suprema brasileira, como jurisdição comprometida com a efetividade e concretização dos direitos fundamentais.
Tais questões não têm recebido a luz do paradeiro midiático cotidiano. No entanto, nelas está o cerne do destinatário de fundamentalidade dos direitos humanos fundamentais.
Os precedentes constitucionais escolhidos são os seguintes: a) ADI 5.357 que discutiu a obrigatoriedade de as escolas, públicas e privadas, promoverem a inserção de pessoas com deficiência no ensino regular; b) RE 580.252 que cuidou da dignidade dos custodiados no sistema penitenciário brasileiro; c)RE 587.970 sobre o direito à assistência social para estrangeiros; d) ADC 41 sobre igualdade racial e respectiva política de ação afirmativa; e) ADI 4.439 sobre ensino religioso nas escolas públicas; f) ADI 5.543 sobre igualdade de gênero, sob a perspectiva da não discriminação de homens que fazem sexo com outros homens; g) ADI 3.239 acerca dos direitos de cidadania e à propriedade das comunidades quilombolas; h) ADI 4.275 acerca do direito à identidade civil de pessoas transgêneros, independentemente da cirurgia de transgenitalização; i) RE 865.401 acerca da transparência e acesso à informação sobre dados da gestão pública; j) ADI 5.794 sobre a obrigatoriedade ou facultatividade da contribuição sindical; k) RE 888.815 sobre direito à educação familiar; l) ADI 5.617 que cuidou da igualdade de gênero, sob a perspectiva do financiamento de campanha de candidatas mulheres; m) ADPF 548 que cuidou do direito à liberdade de expressão e manifestação em universidades públicas em período eleitoral; n) RE 1.058.333 sobre os efeitos do direito fundamental à maternidade sobre os certames públicos, especificamente sobre o adiamento do teste de esforço físico; o) MI 4.733 sobre a criminalização de práticas homofóbicas.
A partir desta altura do presente texto, os seguimentos citados reproduzem trechos dos votos do Ministro Edson Fachin, em processos de relatoria própria ou de outros Ministros do Supremo Tribunal Federal, todos já proferidos e devidamente publicizados, dispostos em ordem cronológica de apresentação, em plenário, dos respectivos votos.
3.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.357 12
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o referendo da medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.357, deliberou por converter o julgamento em provimento definitivo de mérito, assentando que “(…) a Lei nº 13.146/2015 indica assumir o compromisso ético de acolhimento e pluralidade democrática adotados pela Constituição ao exigir que não apenas as escolas públicas, mas também as particulares deverão pautar sua atuação educacional a partir de todas as facetas e potencialidades que o direito fundamental à educação possui e que são densificadas em seu Capítulo IV. À luz da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e da Constituição da República, somente com o convívio com a diferença e com o seu necessário acolhimento que pode haver a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em que o bem de todos seja promovido sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, I e IV, CRFB).” Naquela ocasião, os fundamentos do voto do Ministro Edson Fachin foram assim registrados:
A busca na tessitura constitucional pela resposta jurídica para a questão posta somente pode ser realizada com um olhar que não se negue a ver a responsabilidade pela alteridade compreendida como elemento estruturante da narrativa constitucional.
A atuação do Estado na inclusão das pessoas com deficiência, quer mediante o seu braço Executivo ou Legislativo, pressupõe a maturação do entendimento de que se trata de ação positiva em uma dupla via.
Explico: essa atuação não apenas diz respeito à inclusão das pessoas com deficiência, mas também, em perspectiva inversa, refere-se ao direito de todos os demais cidadãos ao acesso a uma arena democrática plural. A pluralidade – de pessoas, credos, ideologias, etc. – é elemento essencial da democracia e da vida democrática em comunidade.
Nessa toada, a Constituição da República prevê em diversos dispositivos a proteção da pessoa com deficiência, conforme se verifica nos artigos 7º, XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII, 40, § 4º, I, 201, § 1º, 203, IV e V, 208, III, 227, § 1º, II, e § 2º, e 244.
Pluralidade e igualdade são duas faces da mesma moeda. O respeito à pluralidade não prescinde do respeito ao princípio da igualdade. E na atual quadra histórica, uma leitura focada tão somente em seu aspecto formal não satisfaz a completude que exige o princípio.
12 STF-ADI 5.357, Relator Ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, J. 09.06.2016; DJe 11.11.2016.
Assim, a igualdade não se esgota com a previsão normativa de acesso igualitário a bens jurídicos, mas engloba também a previsão normativa de medidas que efetivamente possibilitem tal acesso e sua efetivação concreta.
Posta a questão nestes termos, foi promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009 a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, dotada do propósito de promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, promovendo o respeito pela sua inerente dignidade (art. 1º).
A edição do decreto seguiu o procedimento previsto no art. 5º, 3º, da Constituição da República, o que lhe confere status equivalente ao de emenda constitucional, reforçando o compromisso internacional da República com a defesa dos direitos humanos e compondo o bloco de constitucionalidade que funda o ordenamento jurídico pátrio. (…)
Ou seja, à luz da Convenção Internacional sobre os Direitos da
Pessoa com Deficiência, e, por consequência, da própria Constituição da República, o ensino inclusivo em todos os níveis de educação não é realidade estranha ao ordenamento jurídico pátrio. Ao contrário, é imperativo que se põe mediante regra explícita.
Mais do que isso, dispositivos de status constitucional estabelecem a meta de inclusão plena, ao mesmo tempo em que se veda a exclusão das pessoas com deficiência do sistema educacional geral sob o pretexto de sua deficiência.
Se é certo que se prevê como dever do Estado facilitar às pessoas com deficiência sua plena e igual participação no sistema de ensino e na vida em comunidade, bem como, de outro lado, a necessária disponibilização do ensino primário gratuito e compulsório, é igualmente certo inexistir qualquer limitação da educação das pessoas com deficiência somente a estabelecimentos públicos ou privados que prestem o serviço público educacional.
A Lei nº 13.146/2015 estabelece a obrigatoriedade de as escolas privadas promoverem a inserção das pessoas com deficiência no ensino regular e prover as medidas de adaptação necessárias sem que o ônus financeiro seja repassado às mensalidades, anuidades e matrículas.
Analisada a moldura normativa, ao menos neste momento processual, infere-se que, por meio da lei impugnada, o Brasil atendeu ao compromisso constitucional e internacional de proteção e ampliação progressiva dos direitos fundamentais e humanos das pessoas com deficiência.
Ressalte-se que, não obstante o serviço público de educação ser livre à iniciativa privada, ou seja, independentemente de concessão ou permissão, isso não significa que os agentes econômicos que o prestam o possam fazê-lo ilimitadamente ou sem responsabilidade. (…)
Nessa linha, não se acolhe o invocar da função social da propriedade para se negar a cumprir obrigações de funcionalização previstas constitucionalmente, limitando-a à geração de empregos e ao atendimento à legislação trabalhista e tributária, ou, ainda, o invocar da dignidade da pessoa humana na perspectiva de eventual sofrimento psíquico dos educadores e “usuários que não possuem qualquer necessidade especial”. Em suma: à escola não é dado escolher, segregar, separar, mas é seu dever ensinar, incluir, conviver.
Ademais, o enclausuramento em face do diferente furta o colorido da vivência cotidiana, privando-nos da estupefação diante do que se coloca como novo, como diferente. Esse estranhamento “não pode nos imobilizar em face dos problemas que enfrentamos relativamente aos direitos humanos, isto é, ao direito a ter direitos, ao contrário, o estranhamento deve ser o fio condutor de uma atitude que a partir da vulnerabilidade assume a única posição ética possível, a do acolhimento.” (CHUEIRI, Vera Karam de; CÂMARA, H. Direitos Humanos em movimento: migração, refúgio, saudade e hospitalidade, Revista Direito, Estado e Sociedade (PUC-RJ), Vol. 45, 2014. p. 174).
A Lei nº 13.146/2015 parece justamente assumir esse compromisso ético de acolhimento quando exige que não apenas as escolas públicas, mas também as particulares deverão pautar sua atuação educacional a partir de todas as facetas e potencialidades que o direito fundamental à educação possui e que são densificadas em seu Capítulo IV.
Como não é difícil intuir, a capacidade de surpreender-se com, na e pela alteridade, muito mais do que mera manifestação de empatia, constitui elemento essencial para um desarmado – e verdadeiro – convívio e também debate democrático. Nesse sentido e ainda na toada da Professora Vera Karam de Chueiri ao tratar da hospitalidade, parece evidenciar-se que somente “no desestabilizar das certezas – de exclusão – surge a necessidade do encontro, do abraço, de ver os olhos de quem só se vê através da mediação de números” (CHUEIRI, Vera Karam de; CÂMARA, H. Direitos Humanos em movimento: migração, refúgio, saudade e hospitalidade, Revista Direito, Estado e Sociedade (PUC-RJ), Vol. 45, 2014. p. 174).
Para além de vivificar importante compromisso da narrativa constitucional pátria – recorde-se uma vez mais a incorporação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência pelo procedimento previsto no art. 5º, §3º, CRFB – o ensino inclusivo milita em favor da dialógica implementação dos objetivos esquadrinhados pela Constituição da República.
É somente com o convívio com a diferença e com o seu necessário acolhimento que pode haver a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em que o bem de todos seja promovido sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3º, I e IV, CRFB).
(…)
Frise-se o ponto: o ensino privado não deve privar os estudantes – com e sem deficiência – da construção diária de uma sociedade inclusiva e acolhedora, transmudando-se em verdadeiro local de exclusão, ao arrepio da ordem constitucional vigente.
De outro canto, impossível não recordar que o elemento constitutivo do compromisso com o outro faz-se presente nas reflexões de Emmanuel Lévinas, nas quais se aponta para uma noção de responsabilidade balizada pela ética. Vale dizer, o comportamento dá-se (e é avaliado) não a partir do “eu” ou do “nós”, mas sim pelas “necessidades do outro” como elemento constituinte. Explicam Álvaro Ricardo de Souza Cruz e Leonardo Wykrota:
“O ‘Mesmo’ é inacabado, incompleto, imperfeito. O ‘Mesmo precisa do Outro para subsistir. Ele evade em busca de uma eterna impossibilidade: ser! Porque se fôssemos, o tempo deixaria de ser! Não somos, pois não temos uma essência fixa. Estamos sempre a caminho de ser, sem nunca sermos um ser para além de si.
A face do Outro, enquanto legítimo estrangeiro diante de nós, sempre nos remete a um compromisso que nos constitui. É bem simples: se evadirmos para o Outro, porquanto somos incompletos, não podemos eliminar essa possibilidade exterminando o Outro! Então: ‘Não Matarás!’ Logo, um compromisso que em Lévinas não é uma obrigação no sentido tradicional do termo, mas o modo pelo qual nos constituímos como seres humanos. Assim, somente somos livres quando somos responsáveis, e não o contrário.’” (CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza; WYKROTA, Leonardo Martins. Nos Corredores do Direito. In: CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. (Coord.) (O) Outro (e)(o) Direito. V. 1. Belo Horizonte: Arraes, 2015. p. 27).
3.2 Recurso Extraordinário 580.252 13
Por ocasião do julgamento do RE 580.252, a Corte discutiu a possibilidade de indenizar o apenado pelos maus tratos eventualmente sofridos durante o período em que esteve sob custódia estatal, em estabelecimento penitenciário. Assim está exposta a compreensão do Ministro Edson Fachin, nos limites auto-impostos pelo ângulo da competência da jurisdição constitucional:
“Uma das reiterações que talvez cumpra aqui fazer é que esta Corte, ao reconhecer o estado de coisas inconstitucional, de algum modo reconheceu uma circunstância tal que, nessa temática, há quase que um atentado tacitamente reconhecido, nessas formas de aprisionamento, em relação ao sistema carcerário no Brasil. Portanto, as circunstâncias que estão a violar a dignidade humana e todas as infrações aos direitos fundamentas, parece-me, congregam-nos numa mesma direção.
Outra direção que também parece que nos congrega diz respeito à resposta afirmativa à questão submetida à repercussão geral; porque a questão submetida à repercussão geral dizia se o Estado deve ou não indenizar. E a resposta tanto do Ministro Relator – saudoso Ministro Teori -, quanto da divergência inaugurada parcialmente pelo Ministro Roberto Barroso, e acompanhado o Ministro-Relator, na sua essência, pelo voto que agora a Ministra Rosa Weber traduz, todos indicam na direção da resposta afirmativa, ou seja, o Estado deve indenizar, eis que o caso concreto debatia
13 STF-RE 580.252, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, J. 16.02.2017; DJe 11.09.2017.
precisamente este ponto, uma vez que houve uma decisão no sentido e outra no outro, a primeira foi afirmativa e a segunda negativa, em relação a esse dever de indenizar. Aqui, é que quiçá, há uma problematização que se apresente, porque indenizar, que vem de tornar indene, compreende a possibilidade de um modo não pecuniário de reparação. Disso, não há dúvida que a direção que o Ministro Luís Roberto Barroso tomou parece-me encartada no quadro, na moldura que a repercussão geral estabeleceu. Agora, a diferença que há entre o voto do eminente Relator e o voto da divergência se dá precisamente no modo de fazer essa indenização, de tornar indene. Segundo a deliberação que colhemos da proposta do voto do eminente Relator, no que foi seguido pela eminente Ministra Rosa Weber, essa indenização há de ser feita em pecúnia. E, no caso, o saudoso Ministro Teori propôs um valor quantitativo, único, um pouco distinto, quiçá, do pedido inicial.
Mas, de qualquer sorte, a divergência que se inaugura com o Ministro Luís Roberto Barroso é de saber se é possível, na ambiência de uma forma não pecuniária de indenização, estabelecer uma maneira de remição que, do ponto de vista de sua literalidade, não está prevista em lei.
A lei de Execução Penal, no seu artigo 126, diz com todas as letras que trabalho e estudo implica remição da pena. Uma ratio que sustenta uma hermenêutica, que não desborda dessa compreensão, já permitiu, inclusive em alguns Estados da federação – a experiência, inclusive, do Estado do Paraná -, compreender que a referência ao estudo não é reducionista para apenas compreender ensino, mas também leitura, o que pode parecer uma obviedade, mas, de qualquer sorte, representa uma dimensão interpretativa que se conforma nos parâmetros que a própria legislação está a estabelecer.
Portanto, se há uma forma de remição não prevista em lei, a questão está em saber se as condições que o Ministro Luís Roberto Barroso levou para propor essa forma de remição da pena, se circunscreve nessa ratio, como já podemos ver do trabalho e do estudo que advém do artigo 126 da Lei Execução Penal. Uma resposta possivelmente afirmativa diria que nós temos nesta hipótese algo como que um equivalente funcional. Se a Lei admite remição por trabalho, por estudo e por leitura, a Lei também poderia admitir remição por uma outra circunstância que tivesse uma dignidade jurídica, um estatuto jurídico de consideração situado neste patamar.
O problema é este, portanto, em meu modo de ver: não está em reconhecer se a resposta proposta pela divergência é adequada ou não; porque, meu modo de ver, é adequada. Aliás, mais do que adequada, ela é coerente com o reconhecimento que esse Tribunal já fez do estado de coisas inconstitucional.
Mas a questão situa-se numa antessala dessa, qual seja, podemos nós, ou seja, pode o Poder Judiciário localizar um equivalente funcional não previsto em lei para estabelecer um modo de remição de pena que o legislador ainda não fez? Este é o drama que, nesta hipótese concreta, pedindo todas as vênias às divergências, faz-me acompanhar o voto do saudoso eminente Ministro-Relator, ou seja, sem embargo de reiterar aqui todos os genuínos elogios que são feitos a partir do item 100 até o 142, que é onde o voto do Ministro Barroso toma essa direção, distanciando-se do voto do Ministro Teori Zavascki.”
3.3 Recurso Extraordinário 587.970 14
No julgamento do Recurso Extraordinário 587.970, a Suprema Corte deliberou sobre o direito fundamental à assistência social para os estrangeiros. O registro de uma compreensão hermenêutica inclusiva e cooperativa, no particular, assim pode ser sintetizada:
Na minha compreensão, e sendo a assistência social um direito fundamental que não exige contraprestação, todos aqueles que preencham os requisitos previstos na legislação devem estar amparados pelo benefício, inclusive os estrangeiros residentes no Brasil. Qualquer distinção em relação à nacionalidade pode tornar sem efeito o princípio da universalidade desse direito.
A respeito do tema, ponderou Fábio Zambitte Ibrahim, em artigo publicado na Revista Juris Plenum Previdenciária, v. 1, n. 3, p. 107-110, ago. 2013:
“Nunca é demais lembrar que a prestação aludida é aquela voltada ao mínimo vital, ou seja, suporte pecuniário necessário à própria sobrevivência do requerente, ou, ao menos, apoio financeiro assecuratório da liberdade real. Pois não há um direito ao desenvolvimento e plenitude da existência para aqueles que carecem dos meios mais elementares da vida.”
Logo, ofende o texto constitucional, especialmente os postulados da dignidade da pessoa humana e da isonomia, a adoção de requisito discriminatório da nacionalidade para a concessão do benefício de prestação continuada.
A Lei, nesse ponto, ao regulamentar o benefício previsto na Constituição, restringindo a assistência social ao cidadão e excluindo os estrangeiros residentes no país, acaba, portanto, por violá-la. Uma coisa é o estabelecimento de critérios que norteiam a implementação de benefício a serem observadas pelos requerentes, tais como a deficiência, a idade e a condição de miserabilidade. Algo diverso é a restrição de direito fundamental concedido pelo Texto Maior, a configurar tratamento discriminatório a determinada parcela que indubitavelmente compõe a sociedade.
3.4 Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 4115
A controvérsia constitucional trazida à Corte, na Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 41, diz com o direito à não-discriminação por um critério racial, problematizando a questão da adoção, mediante lei, da reserva de vagas para afrodescendentes, em concursos públicos federais. A discussão assim estava posta:
O art. 1º da Lei 12.990 estabelece a reserva de vagas no âmbito da “administração pública federal”. Seria possível imaginar uma interpretação que restringisse esse sintagma apenas ao Poder
14 STF-RE 587.970, Relator Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, J. 20.04.2017; DJe 22.09,2017 15 STF-ADC 41, Relator Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, J. 08.06.2017; Dje 19.06.2017.
Executivo, porquanto, tendo sido a lei proposta pela Presidência da República, não seria possível aplicá-la aos demais poderes. No entanto, essa interpretação afigurar-se-ia inconstitucional. Como já se aduziu nesse voto, o qual, em síntese, acolhe os fundamentos do precedente firmado na ADPF 186, o sistema de cotas dá pleno cumprimento ao princípio da igualdade material, um dos pilares do art. 3º da Constituição Federal. Trata-se de direito que, em verdade, sequer depende de lei para ser efetivamente cumprido.
(…)
Noutras palavras, a regra relativa a iniciativa legislativa aplica-se apenas aos casos em que a obrigação imposta por lei não deriva automaticamente da própria Constituição. Tal interpretação deve ainda ser corroborada pelo disposto no art. 5º, § 1º, da CRFB, segundo o qual os direitos e garantias previstos na Constituição têm aplicação imediata.
Por essa razão a expressão legal “administração pública federal”, constante do art. 1º da Lei 12.990 abrange, necessariamente, não apenas os órgãos do Poder Executivo, como também os demais Poderes e órgãos a eles equiparados. Nessa dimensão, ante multiplicidade de sentidos, deve-se dar interpretação conforme ao referido dispositivo, a fim de garantir a interpretação que lhe assegure a constitucionalidade, razão pela qual entendo procedente o pedido formulado pelo amicus curiae acerca da interpretação conforme do art. 1º da Lei 12.990.
(…)
Na esteira desse entendimento, a interpretação a ser dada ao dispositivo constante do art. 2º deveria necessariamente conduzir a rejeição do critério de heterorreconhecimento, não por sua inconstitucionalidade, mas porque a opção legislativa envolveria apenas um controle de fraude relativamente à autoidentificação.
(…)
Neste ponto, é preciso ter-se em conta que não deve ser o objetivo da política afirmativa definir uma forma “correta” de identidade racial: o próprio Comitê criado pela Convenção para Eliminação da Discriminação Racial rechaça, em seu Comentário n. 32 (CERD/C/GC/32/ par. 34), essa possibilidade.
A justificação para adoção de um critério de escolha deve, então, decorrer da própria finalidade a que se destina a política afirmativa. Noutras palavras, a justificação deve derivar da proteção à discriminação, compreendida como a equiparação da raça a um status, como lembrou Neil Gotanda na crítica que fez à “Color-Blind Constitution”. De fato, a discriminação, nos termos do Artigo I da Convenção para Eliminação da Discriminação Racial, deriva do uso da “raça” como um instrumento de regulação social.
3.5 Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.439 16
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.439, a discussão era sobre o princípio da laicidade e a controvérsia sobre a constitucionalidade do ensino religioso nas escolas públicas; ali restou consignado:
16 STF-ADI 4.439, Relator Ministro Roberto Barroso, J. 27.09.2017; DJe 29.09.2017.
“ Os dispositivos tidos por violados na presente ADI traduzem o que, na doutrina, convencionou-se chamar de princípio da laicidade, constante do art. 19, I, da CRFB, in verbis: “Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;”
(…)
Se o apelo à razão comum pode ser utilizado precisamente como fundamento da separação entre Estado e Igreja, e, por consequência, de um “dever de civilidade” que retira a motivação religiosa, por definição privada, do espaço público, como parece advogar o filósofo americano, é preciso advertir que a definição desses limites deve levar em conta o exato conteúdo do direito à liberdade religiosa, como expresso na própria Carta Política.
Nesse sentido, há de se ter em conta que o direito garantido no art. 5º, VI, da CRFB (“é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”) é integrado pelo disposto no art. 12 do Pacto de São José da Costa Rica, segundo o qual o direito à liberdade de consciência e de religião “implica a liberdade de conservar sua religião ou crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado” (grifos nossos).
Na mesma linha de compreensão, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, em seu art. 18, garante que o direito à liberdade de religião “implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino” (grifos nossos).
Ao contrário do que a interpretação literal do dispositivo da Constituição brasileira parece sugerir, há, no direito à liberdade de religião, uma dimensão pública, como assentou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no caso a Última Tentação de
Cristo: a proteção à liberdade de consciência “é a base do pluralismo necessário para a coexistência harmônica de uma sociedade democrática, a qual, como qualquer sociedade, é formada por pessoas com diferentes convicções e credos”. O pluralismo democrático não prescinde, pois, de convicções religiosas particulares.
Essa conclusão é ainda mais evidente caso se tenha em conta que a religião é, para quem segue seus preceitos, mais do que uma simples visão de mundo, mas a condição de verdadeira existência, como reconheceu a Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Kokkinakis (Kokkinakis v. Grécia, Caso 14.307/88, 260 ECHR, §§ 31.)
(…)
É incorreto, assim, afirmar que a dimensão religiosa coincide apenas com a espacialidade privada. Isso não significa, porém, que o espaço público possa ser fundado por razões religiosas. A própria Constituição Federal, em seu art. 5º, VIII, da CRFB, estabelece o limite preciso: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar- se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.
A melhor interpretação desse dispositivo não pode olvidar do disposto no Pacto de São José da Costa Rica e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Não está a Constituição exigindo que a religião fique restrita à consciência. Não são, pois, os motivos, religiosos ou não, que são limitados por ela, mas a sua invocação, isto é, fundamentar-se a recusa da obrigação em argumentos exclusivamente religiosos. A barreira não é a do espaço público, mas é institucional. Noutras palavras, as instituições democráticas formam um filtro que obstam que razões religiosas sejam utilizadas como fonte de justificação de práticas públicas.
Como adverte o filósofo alemão Jürgen Habermas: “todas as decisões públicas que podem ser executadas devem ser formuladas em uma linguagem que seja igualmente acessível a todos os cidadãos e também deve ser possível justificá-las nessa linguagem” (HABERMAS, Jürgen. Religion in the Public Sphere. European Journal of Philosophy, v. 14, i. 1, Abril de 2006, p. 12, tradução livre).
A separação entre Igreja e Estado não pode, portanto, implicar o isolamento daqueles que guardam uma religião à sua esfera privada. O princípio da laicidade não se confunde com laicismo. O princípio da laicidade, em verdade, veda que o “Estado assuma como válida apenas uma (des) crença religiosa (ou uma determinada concepção de vida em relação ao horizonte da fé)” (CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza; DUARTE, Bernardo Augusto Ferreia; TEIXEIRA, Alessandra Sampaio. A laicidade para além de liberais e comunitaristas. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2017).
(…)
O pluralismo de uma sociedade democrática exige, pois, de todos os cidadãos processos complementares de aprendizado a partir da diferença. Isso implica reconhecer que a própria noção de “neutralidade do Estado”, como expectativa normativa de um princípio da laicidade, é, ela própria, sujeita ao diálogo, ao debate e ao aprendizado.
Esse processo de aprendizagem é parte integrante do direito à educação. Com efeito, é por meio dele que a educação “deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos”, como expressou a Assembleia Geral das Nações Unidas no art. 26 (2) da Declaração Universal de Direitos Humanos, posteriormente repetido no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
O “preparo para o exercício da cidadania”, objetivo imposto pelo texto constitucional ao direito à educação, parece ter sentido somente se desenvolvida a educação como uma antessala para uma sociedade democrática e plural, da qual as razões religiosas não sejam eliminadas, mas traduzidas, o que, evidentemente, pressupõe sua abertura a todos.
A escola deve espelhar o pluralismo da sociedade brasileira. Ela deve ser um microcosmo da participação de todas as religiões e também daqueles que livremente optaram por não ter nenhuma. A escola deve promover a responsabilidade para com o Outro, que, como lembra Álvaro Ricardo de Souza Cruz, “não se limita ao ateísta ou ao religioso”.
3.6 Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.543 17
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.543, a discussão sobre o direito à não-discriminação pela opção sexual ganhou a dimensão de controvérsia constitucional sobre a igualdade em sua concepção material. A deliberação teve diversos postulados, formando um conjunto de referências relevantes; destacamos as seguintes:
Não se me afigura adequado, salutar ou recomendável, à luz de nossa normatividade Constitucional, arrostar a intricada questão posta nestes autos com olhos cerrados e ouvidos moucos para o aflito apelo que vem do Outro.
A aversão exagerada à alteridade, quer decorra de orientação sexual ou de manifestação de identidade de gênero, não raro deságua em sua negação e, no extremo, em tentativas, por vezes tristemente bem sucedidas de sua aniquilação existencial, impedindo-se de se ser quem se é (vide nesse sentido o pleito trazido no Mandado de Injunção 4.733 sobre a criminalização da homofobia).
É impossível, assim, ignorar a violência física e simbólica a que diariamente se encontra submetida a população LGBT em nosso país. Como assentei ao adotar o rito do art. 12 da Lei nº 9.868/1999, muito sangue tem sido derramado em nome de preconceitos que não se sustentam.
Sangue e pertencimento têm, ao longo da história, penduleado entre os extremos do acolhimento e da exclusão, dos quais se colhem, respectivamente, os exemplos da transubstanciação cristã ou a doutrina do Blut und Boden (“sangue e solo”). Esta última, como se sabe, com raízes no Século XIX, buscou fornecer suposta justificativa moral para o que viriam a ser as atrocidades praticadas pelo nacional-socialismo alemão.
Hoje, porém, é de comum conhecimento da ciência que o sangue humano é responsável pelo suprimento de oxigênio e nutrientes para as células que compõe o organismo, pela retirada de componentes químicos nocivos, pelas funções imunológicas, pela regulação da temperatura corporal, entre tantas outras funções estudadas pela literatura médica.
O sangue que circula nas veias representa a possibilidade de construção e reconstrução diária da existência, o palpitar de uma história a ser vivida. Para além dessa dimensão individual, no campo simbólico o sangue corresponde à negativa de qualquer possibilidade de arrebatamento da humanidade de quem quer que seja por motivos
17 STF 5.543, Relator Ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, Voto proferido em 19.10.2017. Julgamento suspenso em virtude de pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes, em 26.10.2017.
como “raça”, cor, gênero, orientação sexual, língua, religião, origem, etc. O sangue como metáfora perfeita do que nos faz inerentemente humanos.
(…)
Dessa forma, o desate da questão posta perante esta Corte deve passar necessariamente pelo conteúdo da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB), pelos direitos da personalidade à luz da Constituição, pela fundação que subjaz aos direitos fundamentais de liberdade e igualdade (art. 5º, caput, CRFB), bem como pela cláusula material de abertura prevista no § 2º do art. 5º de nossa Constituição.
(…)
Desde logo adianto entender que não. O estabelecimento de grupos – e não de condutas – de risco incorre em discriminação, pois lança mão de uma interpretação consequencialista desmedida que concebe especialmente que homens homossexuais ou bissexuais são, apenas em razão da orientação sexual que vivenciam, possíveis vetores de transmissão de variadas enfermidades, como a AIDS. O resultado de tal raciocínio seria, então, o seguinte: se tais pessoas vierem a ser doadores de sangue devem sofrer uma restrição quase proibitiva do exercício de sua sexualidade para garantir a segurança dos bancos de sangue e de eventuais receptores.
(…)
Os dispositivos impugnados (art. 64, inciso IV, da Portaria n. 158/2016 do Ministério da Saúde e o art. 25, inciso XXX, alínea d, da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC n. 34/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária), no entanto, partem da concepção de que a exposição a um suposto maior contágio de enfermidades é algo inerente a homens que se relacionam sexualmente com outros homens e, por consequência, igualmente inerente às eventuais parceiras destes. Não é. Não pode o Direito incorrer em uma interpretação utilitarista, recaindo em um cálculo de custo e benefício que desdiferencia o Direito para as esferas da Política e da Economia.
Não cabe, pois, valer-se da violação de direitos fundamentais de grupos minoritários para maximizar os interesses de uma maioria, valendo-se, para tanto, de preconceito e discriminação. Ademais, perceba-se que para além de arrematar do Outro a sua humanidade ao atribuir-lhe, a partir de sua sexualidade, a pecha de desviante, gera-se a externalidade negativa de se considerar que aquilo que erroneamente se reputa como a sexualidade normal seria inalcançável pelas enfermidades transmissíveis pelo sangue, propagando não apenas preconceito, mas as próprias doenças cuja transmissão que se almeja evitar.
(…)
Como bem posto pelo Requerente, apesar de não mais se vislumbrar norma expressa de proibição perpétua, ao se exigir o lapso temporal de 12 (doze) meses sem relações sexuais anteriores ao ato de doação de sangue, acaba tal condição por manifestar-se como negação definitiva de qualquer possibilidade do exercício desse ato maior de alteridade por qualquer homem homossexual ou bissexual e/ou suas parceiras que possuam uma vida sexual minimamente ativa.
Tal restrição, consistente praticamente em quase vedação, viola a forma de ser e existir desse grupo de pessoas; viola subjetivamente a todas e cada uma dessas pessoas; viola também o fundamento próprio de nossa comunidade – a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB).
A dignidade da pessoa humana não pode ser invocada de forma retórica, como grande guarda-chuva, acolhedor de qualquer argumento em razão de sua amplitude ou comprimento. É preciso ser exato: a dignidade da pessoa humana não é vagueza abarcadora de argumentos e posições de todo lado. Ao contrário, e por refutação a isso, é preciso dar sentido e concretude a esse princípio inerente aos sujeitos e fundante de nosso Estado.
O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana é aqui conclamado porque, mais do que fonte e fundamento de outros direitos fundamentais (como, por exemplo, o direito fundamental à igualdade), tem seu conteúdo nitidamente violado e, portanto, torna- se passível de aplicação direta ao caso em análise.
3.7 Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.239 18
A Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.239 trouxe ao debate, na Suprema Corte brasileira, a questão de reconhecer os direitos de cidadania, especialmente o direito fundamental à propriedade, aos remanescentes das comunidades quilombolas. Assim está exposto no voto proferido em tal julgamento:
“Ainda que as hipóteses de desapropriação por interesse social não tratem especificamente da titulação da propriedade quilombola, não antevejo óbice a uma interpretação que compreenda que essa espécie de domínio também se encontra abarcada por essa modalidade de desapropriação, pois, como assevera Edilson Vitorelli, quando da edição da norma acima citada, não se pensava na tutela das comunidades quilombolas. (VITORELLI, Edilson. Estatuto da Igualdade Racial e Comunidades Quilombolas: Lei 12.288/2010, Decreto 4.887/2003. 4.ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 327).
Trata-se de dar cumprimento ao ditame constitucional da função social da propriedade, com a devida outorga dos títulos de domínio da terra aos quilombolas, para nela desenvolverem seu modo de vida, seus costumes e tradições, consideradas patrimônio cultural do Brasil, nos termos do artigo 216 do texto constitucional, o qual, inclusive, autoriza a realização de desapropriações para a tutela desse patrimônio, ainda que imaterial, conforme depreendo da interpretação desse artigo, in verbis:
(…)
Nem trata a hipótese de usucapião de terras rurais, pois se essa fosse a hipótese, as regras de Direito Civil bastariam a configurar a aquisição da propriedade pelo simples decurso do tempo, entretanto, a propriedade quilombola, por se tratar de direito fundamental especialmente destinado à proteção de um modo de vida, merece uma compreensão maximizadora de suas possibilidades, que por vezes refoge ao direito privado comum para regular-se de maneira qualificada pela tutela constitucional.
(…)
18 STF-ADI 3.239, Relator Ministro Cezar Peluso, Tribunal Pleno, J. 08.02.2018; DJe 01.02.2019.
Assim, dentro de uma hermenêutica constitucionalmente adequada à interpretação e aplicação de um direito fundamental que surge, pela vez primeira, na Constituição de 1988, não depreendo da redação do artigo 68 do ADCT a restrição do direito à titulação de propriedade apenas àqueles remanescentes de comunidades quilombolas que estivessem na posse mansa e pacífica da área na data da promulgação do texto constitucional.
Respeitosamente às opiniões contrárias, compreendo que referido dispositivo constitucional não afasta apenas pela redação textual no tempo presente a concessão do direito ao reconhecimento enquanto comunidade quilombola a essas realidades ainda desconhecidas, ainda invisíveis ao conhecimento do Estado.
Nem a topologia da norma tem o condão, no meu sentir, de restringir o direito dessas comunidades, por meio do estabelecimento de um marco temporal objetivo que limita a aquisição e o exercício do direito ali proclamado.
(…)
De fato, se nos termos do artigo 5º, §2º do texto constitucional, “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, não parece coerente com uma hermenêutica que vá ao encontro dos objetivos da Constituição interpretar-se o conteúdo do artigo 68 do ADCT de modo a compreender que apenas aquelas comunidades que consigam comprovar a efetiva ocupação das terras utilizadas para sua sobrevivência, na exata data de 05 de outubro de 1988, estão contidas na proteção da norma, levando-se em consideração o tempo verbal utilizado e a topologia da norma dentro do texto constitucional.
Não se trata de assegurar fraudes ou de possibilitar a titulação de comunidades que não estejam vinculadas a esse passado de resistência e a um modo de vida característico e tradicional. Nada obstante, entender-se que a Constituição solidificou a questão ao eleger um marco temporal objetivo para a atribuição do direito fundamental a esse grupo étnico significa, com todo o respeito aos posicionamentos em sentido contrário, fechar-lhes uma vez mais a porta para o exercício completo e digno de todos os direitos inerentes à cidadania.
Retomo o ponto: essas comunidades eram invisíveis ao ordenamento jurídico até a Assembleia Constituinte que originou o texto constitucional vigente, quando o movimento negro obteve, na redação do artigo 68 do ADCT, uma vitória contra um evidente racismo incrustado em nossa sociedade e a recomposição histórica da dignidade dessas comunidades. É inegável a relação entre a aquisição da propriedade das terras e a inclusão desses grupos nas políticas públicas de saúde, educação, incentivo à produção agrícola, pois antes, aos olhos do Direito então vigente, os remanescentes das comunidades quilombolas nada mais eram que invasores de terras, sem nenhuma garantia jurídica.
Se, dentro de uma visão antropológica, essas comunidades já se constituíam em grupos identificáveis e com características a demonstrar um modo de vida tradicional e distinto da sociedade envolvente, por outro lado, só se mostra possível falar-se juridicamente em uma identidade quilombola quando da promulgação da Constituição de 1988, momento no qual essas comunidades começaram a se organizar por meio de associações, fóruns e coordenações para lutar por melhoria de vida e por seus direitos.
Não desconsidero a possibilidade da ocorrência de conflitos fundiários em razão do Decreto ora impugnado; nada obstante, a própria regulamentação do art. 68 do ADCT, em se considerando a tutela do direito fundamental exposta nesse dispositivo, prevê a possibilidade de desapropriação aos proprietários atingidos, o que não desconfigura o direito à propriedade privada mediante justa indenização.
Por outro lado, antever a existência desses conflitos não pode inviabilizar o reconhecimento do direito assegurado pelo texto constitucional, colocando essas comunidades, uma vez mais, à margem da tutela pelo ordenamento jurídico.”
3.8 Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.275 19
No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.275, o pedido era de reconhecimento do direito à identidade de gênero, com os devidos assentamentos no registro civil, independentemente da cirurgia de transgenitalização. Eis os fundamentos que alicerçaram a convicção que expressamos naquela ocasião:
O pedido é para que seja dada interpretação conforme a Constituição de modo a reconhecer aos transsexuais, que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, o direito à substituição de prenome e sexo no registro civil. A fim de indicar as balizas necessárias para o deferimento do pedido de alteração, o requerente sugere: “idade igual ou superior a 18 anos, que se encontram há pelo menos três anos sob a convicção de pertencer ao gênero oposto ao biológico, seja presumível, com alta probabilidade, que não mais modificarão a sua identidade de gênero, requisitos que devem ser atestados por um grupo de especialistas que avaliem aspectos psicológicos, médicos e sociais”
(…)
A solução para a presente questão jurídica deve passar, invariavelmente, pela filtragem da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB) e da cláusula material de abertura prevista no § 2º do art. 5º. Nesse sentido, o presente caso transcende a análise da normatização infraconstitucional de regência dos registros públicos, sendo melhor compreendido e solucionado à luz dos direitos fundamentais, de sua eficácia horizontal e dos direitos da personalidade.
A Constituição em seu art. 5º, caput, estabelece a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, ao passo que em seus incisos se podem ver assegurados a: i) igualdade entre homens e mulheres (inciso I), bem como ii) a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (inciso X).
19 STF-ADI 4.275, Relator Ministro Marco Aurélio, Redator para o acórdão Ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, J. 01.03.2018; DJe 09.03.2019.
Como já consignei, tais dispositivos não podem ser lidos de forma distanciada da cláusula de tutela geral da personalidade fundada no princípio da dignidade da pessoa humana, mote da repersonalização do Direito Privado. Isso porque “os direitos de personalidade não têm por fundamento o dado abstrato da personalidade jurídica, mas, sim, a personalidade como dado inerente ao sujeito concreto” (FACHIN, Luiz Edson; PIANOVSKI RUZYK, Carlos Eduardo. Princípio da Dignidade Humana (no Direito Civil). In: TORRES, Ricardo Lobo; KATAOKA, Eduardo Takemi; GALDINO, Flávio (Orgs.). Dicionário de Princípios Jurídicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.p. 314).
Em razão da cláusula material de abertura prevista no § 2º do art. 5º, da CRFB, igualmente não podem ser vistos isolados da perspectiva da prevalência dos direitos humanos, princípio que inclusive rege as relações internacionais da República, como estabelecido no Art. 4º, II, da CRFB.
Quando se lê a cláusula de igualdade entre homens e mulheres prevista na Constituição da República, não se pode descurar das mais variadas obrigações a que o Brasil se vinculou na esfera internacional no que se refere à proteção dos direitos humanos.
Assim, a igualdade entre homem e mulher, à luz do postulado maior da não discriminação, necessariamente dialoga, entre outros, com o disposto no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que prescrevem, em seus artigos 2º, 1, e 26, a proibição de qualquer forma de discriminação e garantia a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de raça, cor e sexo, dentre outros. No mesmo sentido, o artigo 1 do Pacto de São José da Costa Rica, afasta qualquer tipo de discriminação seja por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
(…)
Sendo, pois, constitutivos da dignidade humana, “o reconhecimento da identidade de gênero pelo Estado é de vital importância para garantir o gozo pleno dos direitos humanos das pessoas trans, incluindo a proteção contra a violência, a tortura e maus tratos, o direito à saúde, à educação, ao emprego, à vivência, ao acesso a seguridade social, assim como o direito à liberdade de expressão e de associação”, como também registrou a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Por isso, “o Estado deve assegurar que os indivíduos de todas as orientações sexuais e identidades de gênero possam viver com a mesma dignidade e o mesmo respeito que têm todas as pessoas”.
Tal reconhecimento traz implicações diretas para o caso dos autos. Se o Estado deve assegurar que os indivíduos possam viver com a mesma dignidade, deve também assegurar-lhes o direito ao nome, ao reconhecimento de sua personalidade jurídica, à liberdade e à vida privada.
3.9 Recurso Extraordinário n. 865.40120
20 STF-RE 865.401, Relator Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, J. 25.04.2018; DJe 19.10.2018.
Na oportunidade em que foi julgado o Recurso Extraordinário n. 865.401, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese: “O parlamentar, na condição de cidadão, pode exercer plenamente seu direito fundamental de acesso a informações de interesse pessoal ou coletivo, nos termos do art. 5º, inciso XXXIII, da CF e das normas de regência desse direito.” O princípio da transparência e do acesso às informações sobre dados da gestão pública de recursos prevaleceram na compreensão esposada pelos Ministros da Suprema Corte neste julgamento. Os nossos principais argumentos são os
seguintes:
No caso dos autos, em que a questão constitucional foi reconhecida como de repercussão geral, discute-se o direito de vereador a obter de prefeito informações acerca de sua gestão, com a finalidade de exercer sua cidadania, tanto na perspectiva de sua função pública, como membro do poder legislativo municipal, quanto na perspectiva privada, como cidadão residente naquela localidade.
O princípio republicano exige que prevaleça a transparência e o acesso às informações sobre a gestão e a aplicação dos recursos públicos, considerando que esta constitui verdadeira condição de possibilidade para a consolidação de uma democracia constitucional. Nessa linha, já refleti em artigo doutrinário:
“Na atual quadra histórica, o recebimento de informações públicas é concebido como direito individual e de incidência coletiva, correlacionado a um dever do Estado de produzir certas informações e transparecê-las em suas decisões políticas. Nas palavras de Ezequiel Nino, o direito ao acesso à informação transcende a individualidade de sua exigibilidade judicial para espraiar-se por toda a esfera jurídico-social, notadamente nos seguintes pontos: a disponibilidade de informação passa a ter um valor econômico nas demandas por abertura e transparência em nível global; a informação e, per se, uma ferramenta de participação dos atos públicos, tendo em conta sua essencialidade para controlar os atos administrativos e a corrupção; e a informação pública mostra-se elemento fundamental para o respeito aos direitos humanos.” (Fachin, Luiz Edson. A promoção da transparência pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, in Direito Financeiro na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: homenagem ao Ministro Marco Aurélio. Curitiba : Juruá, 2016, p. 53)
(…)
As lições doutrinárias de Frederick Schauer também reconhecem o dever de transparência, bem como o seu correlato direito de acesso à informação, como um atributo de dupla dimensão: uma positiva e outra negativa. “Em perspectiva negativa, a transparência requer que o governo torne disponíveis registros e documentos para eventual requisição do público, conquanto, em nível positivo, a informação deve ser ativamente tornada facilmente usada do modo mais amplo possível.” (Schauer, Frederick. Transparency in three dimensions. University of Illinois Law Review, n. 4, 2011, p. 1339-1358, p.1343-1344).
Assim sendo, a questão constitucional posta para o exame desta Suprema Corte impõe observância das diretrizes dogmáticas já assentadas tanto na abalizada doutrina constitucional quanto nos precedentes firmados sobre o tema na jurisdição constitucional.
Isso para que não prevaleça o entendimento de que somente os tribunais de contas, no exercício constitucional de suas específicas atribuições, são detentores do direito de acesso às informações sobre as contas e os documentos relacionados à gestão pública.
Fique assentado que, ressalvadas as exceções constitucionalmente impostas para a proteção de outros direitos fundamentais, impõe-se firmar a tese de que, em face do dever de transparência e direito de acesso a documentos e informações públicas protegido no art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal, “o vereador, na condição de parlamentar e cidadão, tem direito de obter diretamente do chefe do poder executivo informações e documentos referentes à gestão municipal.”
3.10 Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.794 21
No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.794, a Suprema Corte enfrentou o tema da natureza jurídica da contribuição sindical. Não estava em disputa a existência, ou não, da contribuição sindical no ordenamento constitucional pátrio. O debate cingia-se à conformidade, ou desconformidade constitucional, da alteração legislativa promovida pela reforma trabalhista, no que diz respeito à denominada facultatividade do pagamento da contribuição sindical. Em voto divergente daqueles que compuseram a maioria vencedora, assim ficaram postos os nossos
argumentos:
O texto de 1988 trouxe inovações ao sistema sindical brasileiro, mitigando, em alguma medida, o modelo corporativo altamente controlado pelo Estado, desde o Estado Novo, podendo-se destacar, dentre as principais mudanças: o direito à livre fundação de sindicatos, dispensada a aprovação do Ministério do Trabalho; o reconhecimento constitucional da investidura sindical na representatividade da categoria; a liberdade de filiação (e desfiliação) dos sindicatos; a obrigatoriedade da participação sindical nas negociações coletivas; a possibilidade de instituição, via assembleia, de contribuição confederativa (PEREIRA NETO, João Batista. O sistema brasileiro de unicidade sindical e compulsoriedade de representação. São Paulo : LTR, 2017, p. 36).
A par disso, o constituinte de 1988 também fez opção inequívoca pela manutenção de um modelo de sindicalismo sustentado no seguinte tripé unicidade sindical, representatividade obrigatória e custeio das entidades sindicais por meio de um tributo,
21 STF-ADI 5.794, Relator Ministro Edson Fachin, Redator para o acórdão Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, J. 29.06.2018.
a contribuição sindical, expressamente autorizada pelo artigo 149 da Constituição da República.
Assim sendo, é preciso reconhecer que a mudança de um desses pilares pode ser desestabilizadora de todo o regime sindical, não podendo ocorrer de forma isolada sob pena de “Ao tocar apenas em um dos pilares da estrutura sindical, a reforma preserva uma das fontes de fragmentação e impede os sindicatos de buscar formas de organização mais eficazes para defender os direitos dos trabalhadores e resistir à ofensiva patronal.” (GALVÃO, Andrea (Coord). Movimento sindical e negociação coletiva. Texto para discussão nº 5. CESIT, UNICAMP, 2017. Disponível em: http://www.cesit.net.br/apresentacao-dos-textos-de-discussao-do- projeto, Acessado em 25.05.2018)
Releva salientar que a Constituição de 1988 é apontada como precursora de novos tempos no que tange ao direito sindical, principalmente em virtude do princípio da não intervenção e não interferência do Estado na organização sindical (art. 8º, I, da CRFB), que permitiu a ampliação do número de entidades sindicais, estimulou a extinção da Comissão de Enquadramento Sindical e propiciou a criação do Cadastro Nacional das Entidades Sindicais do Brasil.
Não obstante, importante insistir em que o modelo jurídico- constitucional sindical brasileiro seja considerado em sua integralidade, especialmente em face da necessidade de harmonização das regras essenciais que sustentam o referido sistema e as alvissareiras diretrizes nacionais e internacionais acerca do tema.
Nesse contexto, mesmo que a unicidade sindical e, consequentemente, a representação sindical compulsória por categoria não sejam consideradas as melhores características de um modelo sindical, é preciso reconhecer que tiveram uma função histórica relevante, especialmente na década de 1940 do século XX, quando a classe operária, ainda dispersa em um território continental, e sem densidade e coesão para negociar com o patronato, tinha a voz de uma entidade, cujas prerrogativas foram úteis para marcar a posição e defesa dos interesses de seus substituídos. (SAAD, Eduardo Gabriel. Federação, confederação e central sindical, apud PEREIRA NETO, João Batista. O sistema brasileiro de unicidade sindical e compulsoriedade de representação. São Paulo : LTR, 2017, 53)
E não se pode perder de vista que uma das principais consequências da compulsoriedade da representação repousa no efeito erga omnes das normas que resultam de negociações coletivas, conforme previsto no artigo 611 da Consolidação das Leis Trabalhistas. A autoaplicabilidade das normas coletivas para toda a categoria profissional, bem como o reconhecimento constitucional dos acordos e convenções coletivas (artigo 7º, XXIX, da CRFB) também reforçam a importância da função das entidades sindicais na negociação coletiva. (PEREIRA NETO, João Batista. O sistema brasileiro de unicidade sindical e compulsoriedade de representação. São Paulo : LTR, 2017, p. 60-61)
Assim sendo, ressalte-se que a discussão sobre a constitucionalidade, ou não, da desconstituição da compulsoriedade da contribuição sindical há que ser ambientada nessa sistemática sindical integral, sob pena de desfiguração do regime sindical constituído em 1988 e frustração de toda a gama de direitos fundamentais sociais, os quais de forma direta ou indireta, nele estão sustentados.
(…)
A denominada ‘reforma trabalhista’ vem a lume em novel legislação, e se projeta, ainda que de forma mediata: na força coletiva dos direitos fundamentais sociais trabalhistas; no poder negocial dos sindicatos, ao conferir quitação geral do contrato de trabalho no plano de demissão voluntária celebrado por meio de negociação coletiva (art. 477-A); na quitação anual das obrigações trabalhistas (art. 507-B); e no assegurar a prevalência da negociação coletiva sobre a lei, em relação à extensa gama de direitos indicados no artigo 611-A.
Por outro lado, desinstitucionaliza, de forma substancial, a principal fonte de custeio das instituições sindicais, tornando-a, como se alega, facultativa, nos termos dos artigos 578 e 579 da Consolidação das Leis Trabalhistas.
(…)
O legislador infraconstitucional reformador pode, assim, não ter observado, ao menos “prima facie”, o regime sindical estabelecido pela Constituição de 1988 em sua maior amplitude, desequilibrando as forças de sua história e da sua atual conformação constitucional, e sem oferecer um período de transição para a implantação de novas regras relativas ao custeio das entidades sindicais.
Não se pode deixar de anunciar, em primeiro lugar, que a alteração da natureza jurídica da contribuição sindical de típico tributo para contribuição negocial facultativa importa em inequívoca renúncia fiscal pela União, por não ter sido acompanhada de seu impacto orçamentário e financeiro, nos termos do artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias acrescido pela Emenda Constitucional 95/2016.
Considerando que a contribuição sindical obrigatória tem destinação específica estabelecida por lei, nos termos do artigo 589 da CLT, estando 10% (dez por cento) do valor arrecadado dos empregados destinado à Conta Especial Emprego e Salário (FAT), constituindo, portanto, nesse particular, receita pública, era obrigação constitucional expressamente imposta indicar, para sua alteração, estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro (artigo 113 do ADCT, acrescido pela Emenda Constitucional 95/2016), o que não foi demonstrado nos autos. Assim, está configurada a inconstitucionalidade formal das alterações legais indigitadas nas ações diretas de inconstitucionalidade ora analisadas.
Outrossim, sob a perspectiva da inconstitucionalidade material, o argumento também ganha relevo em face da real possibilidade de frustrar e fazer sucumbir o regime sindical reconhecido como direito fundamental social pelo constituinte de 1988.
Isso porque, ao manter-se, na sistemática constitucional vigente, a unicidade sindical e a obrigação de representação de toda a categoria, incluindo associados e não-associados, a inexistência de uma fonte de custeio obrigatória inviabiliza a atuação do próprio regime sindical.
3.11 Recurso Extraordinário n. 888.815 22
No Recurso Extraordinário 888.815 foi trazida à discussão do Supremo Tribunal Federal a questão da educação domiciliar, problematizando o direito à educação para além de seus aspectos pedagógicos-cognitivos, pois foi trazida ao debate a espacialidade física da escola como um elemento garantidor da pluralidade dos valores que formam a sociedade brasileira, bem como, e em decorrência, o direito fundamental das crianças e adolescentes ao convívio social e com a diversidade cultural. Assim está no voto:
O tema, sem dúvidas, envolve uma complexa harmonização de direitos, uma vez que incidem, in casu, não apenas o dever do Estado e dos pais de prover a educação das crianças e adolescentes, mas também o direito delas à educação. No que tange aos argumentos sobre o primeiro fundamento trazidos pela inicial, é preciso reconhecer que não é cabe dar-lhes o alcance almejado pela recorrente.
O pedido do recurso é substancialmente baseado no direito dos pais escolherem a edução de seus filhos. O fundamento invocado é a própria liberdade de consciência e crença.
O respeito a esse direito jamais poderia implicar a negativa do direito à educação. Noutras palavras, os pais não podem invocar a liberdade de crença para deixar de prover a educação dos filhos, a qual, conforme preceitua a Constituição, é obrigatória. Ademais, o direito à educação, como já se indicou, depende da atuação legislativa do Estado. A Constituição expressamente outorga ao legislador a difícil tarefa de harmonizar os princípios do ensino,
conforme consta do disposto no art. 206, da CRFB. Compete ao legislador, ainda, definir os padrões mínimos de ensino, os quais, nos termos do art. 29 da Convenção de Direitos da Criança, necessariamente devem estar orientados no sentido de:
“a) desenvolver a personalidade, as aptidões e a capacidade mental e física da criança em todo o seu potencial;
b) imbuir na criança o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, bem como aos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas;
c) imbuir na criança o respeito aos seus pais, à sua própria identidade cultural, ao seu idioma e seus valores, aos valores nacionais do país em que reside, aos do eventual país de origem, e aos das civilizações diferentes da sua;
d) preparar a criança para assumir uma vida responsável numa sociedade livre, com espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade de sexos e amizade entre todos os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e pessoas de origem indígena;
e) imbuir na criança o respeito ao meio ambiente.”
Como se observa da leitura desses princípios, os objetivos do ensino estendem-se para além das avaliações formais. A escola não
22 STF-RE 888.815, Relator Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, J. 12.09.2018; DJe 21.03.2019.
se destina apenas à reprodução mecânica de conteúdos, mas também à própria integração social. A escola é, com efeito, uma das primeiras experiências de vida em sociedade e a ela não é dado escolher, segregar, separar, mas é seu dever ensinar, incluir, conviver.
(…)
Há, portanto, um direito passível de ser tutelado pelo legislador, cuja avaliação não poderia ser feita por meio de provas, mas, ao menos, estimada pela frequência. A presença em sala de aula é, nessa perspectiva, o encontro com a alteridade e com a diferença. Daí porque exigi-la é possível ao legislador e tal imposição encontra respaldo na Constituição.
É preciso reconhecer, ainda, que essa exigência não inviabiliza a liberdade de consciência e de crença invocada pelos pais que deve ser respeitada em todos os seus termos. Toda educação pressupõe o acompanhamento dos pais. Como indica a Convenção de Direitos da Criança em seu art. 18, “caberá aos pais ou, quando for o caso, aos representantes legais, a responsabilidade primordial pela educação e pelo desenvolvimento da criança”. Em verdade, o direito à educação prestada pelo Estado não retira dos pais o dever de complementá-la em casa, nos horários apropriados. Como reconheceu a Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Kjeldsen, Busk Madsen and Pedersen v. Dinamarca, 7 de dezembro de 1976, § 54, a obrigação de frequência escolar primária não retira dos pais o direito de educar seus filhos de acordo com suas convicções religiosas ou filosóficas. No mesmo sentido, mais recentemente, a Corte Europeia confirmou essa orientação no caso Konrad v. Alemanha, de 11 de setembro de 2006, ao assentar que o direito dos pais à educação em conformidade com suas convicções não é desproporcionalmente restringido.
(…)
Não se pode negar que, na experiência comparada, o ensino domiciliar foi estudado e, do que se tem dos autos, é possível afirmar que não haveria disparidades entre os alunos que estudaram pelo método domiciliar e os que tiveram educação formal na escola. Muitos alegam que não há qualquer dificuldade com a socialização e que as crianças que passaram pelo ensino domiciliar são plenamente integradas na sociedade.
(…)
Conquanto pareça ser este o caso – e, aqui, há concordância com o que assentou o e. Relator –, não é possível ao Judiciário, considerando que não há mora legislativa, fixar os parâmetros pelos quais toda uma concepção pedagógica possa se ajustar às regras mínimas de garantia de padrão de qualidade e à fiscalização no que tange à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, tal como exige o texto constitucional.
(…)
Se efetivamente comprovada a viabilidade pedagógica de tal técnica, há, na linha do que dispõe a Convenção de Direito das Crianças, um descumprimento do dever de “prestar assistência adequada” (art. 18, § 2º). Nada obstante, não é dado ao Judiciário, menos por razões processuais, como a vedação de reexame de provas, do que por falta de capacidade institucional, estimar a viabilidade de se admitir tal concepção para todo o país, ou mesmo sua efetividade, razão pela qual a omissão aqui reconhecida limita- se à ausência de avaliação da concepção de ensino domiciliar pelos órgãos competentes.
3.12 Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.617 23
A Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.617 discutiu, com fundamento na igualdade de gênero, a exigência não apenas de que as mulheres tenham iguais oportunidades nas eleições, mas também que sejam elas empoderadas em um ambiente institucional favorável a ponto que as permita alcançar a igualdade de resultados. Um dos pontos centrais do voto aqui reproduzido é o do que “a participação das mulheres nos espaços políticos é um imperativo do Estado, uma vez que a ampliação da participação pública feminina permite equacionar as medidas destinadas ao atendimento das demandas sociais das mulheres”, senão vejamos:
“É procedente a presente ação direta. Se o princípio da igualdade material admite, como reconhece a jurisprudência desta Corte, as ações afirmativas, utilizar para qualquer outro fim a diferença, estabelecida com o objetivo de superar a discriminação, ofende o mesmo princípio da igualdade, que veda tratamento discriminatório fundado em circunstâncias que estão fora do controle dos indivíduos, como a raça, o sexo, a cor da pele ou qualquer outra diferenciação arbitrariamente considerada.
Com efeito, quando da edição da Lei 9.504/97, os partidos passaram a ser obrigados a preencher, do número de vagas de candidaturas, o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.
Não se pode afirmar que tal desequiparação seja incompatível com a Constituição. Nesse ponto, é preciso observar que, seja por força do art. 5º, § 2º, da CRFB, seja, ainda, pela adoção do princípio pro homine, o conteúdo do direito à igualdade é muito semelhante ao direito previsto no art. 2º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos:
“Os Estados Partes do presente pacto comprometem- se a respeitar e garantir a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo. língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer condição”.
Ao interpretar esse dispositivo, o Comitê de Direitos Humanos, por meio do Comentário Geral n. 18, assentou que:
“O Comitê acredita que o termo ‘discriminação’ tal como usado pelo Pacto deve ser compreendido como assentando que qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência por qualquer razão como raça, cor, sexo, língua, religião, opinião, seja ou não política, origem, nacional ou
23 STF-ADI 5.617, Relator Ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, J. 03.10.2018; DJe 08.03.2019.
social, propriedade, nascimento ou qualquer outro status, que tem por propósito ou o efeito nulificar ou impedir o reconhecimento, o gozo e o exercício por todas as pessoas, de modo igual, de todos os direitos e liberdades.
(…)
O Comitê gostaria de sublinhar que o princípio da igualdade as vezes exige do Estados parte que tomem medidas afirmativas para diminuir ou eliminar as condições que causam ou ajudam a perpetuar a discriminação proibida pelo Pacto.
Por exemplo, em um Estado em que as condições gerais de uma determinada parte da população previnem ou impedem o gozo do direitos humanos, o Estado devem tomar medidas específicas para corrigir tais condições. Tais ações podem envolver garantir por um tempo a parte da população tratamento preferencial em assuntos específicos. No entanto, desde que tais ações sejam necessárias para corrigir a discriminação, é um caso de diferenciação legítima para o Pacto.”
(…)
Na mesma linha de entendimento, este Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADPF 186, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, Pleno, DJe 17.10.2014, assentou que “não contraria – ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminado de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares”.
Assim, é próprio do direito à igualdade a possibilidade de uma desquiparação, desde que seja ela pontual e tenha por objetivo superar uma desigualdade histórica. Nesse contexto, o e. Ministro Joaquim Barbosa sustenta, em sede doutrinária, que “as ações afirmativas têm como objetivo não apenas coibir a discriminação do presente, mas, sobretudo, eliminar os ‘efeitos persistentes’ da discriminação do passado, que tendem a ser perpetuar”. Esses efeitos, ainda de acordo com o Ministro, “se revelem na chamada ‘discriminação estrutural’, espelhada nas abismais desigualdades sociais entre grupos dominantes e grupos dominados” (GOMES, Joaquim Barbosa. A recepção do instituto da ação afirmativa pelo direito constitucional brasileiro. In: SANTOS, Sales Augusto. Ações Afirmativas e o combate ao racismo nas Américas. Brasília: ONU, BID e MEC, 2007, p. 56).
In casu, o disposto no art. 10, § 3º, da Lei Geral de Eleições, é apenas para que os partidos preencham um mínimo de vagas para candidaturas. Assim, as mulheres não apenas devem disputar as prévias partidárias como também concorrer, sem que para isso a lei preveja qualquer vantagem, às cadeiras disponíveis no Parlamento.
Dados do Tribunal Superior Eleitoral e informações trazidas pelos amici curiae demonstram que, embora as mulheres correspondam a mais da metade da população e do eleitorado brasileiro, elas ocupam menos de 15% das cadeiras do Poder Legislativo federal, sendo que, na Câmara dos Deputados, apenas 9,9% dos parlamentares são mulheres. Além disso, apenas 11% das prefeituras do país são comandadas por mulheres.
(…)
De fato, o quadro não é apenas o de uma desigualdade estrutural, mas é mesmo o de um descumprimento da própria legislação de regência.
3.13 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 548 24
O julgamento do referendo da medida cautelar deferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 548 desafiou o Supremo Tribunal Federal a decidir sobre a liberdade de cátedra como manifestação da liberdade de expressão e do pensamento. Nesse precedente histórico, notadamente pelo contexto em que foi proferido, assim ficaram registradas as premissas do voto:
A liberdade de pensamento é o pilar da democracia. Este Supremo Tribunal Federal tem reiteradas vezes sublinhado que a liberdade de pensamento goza de posição preferencial no Estado Democrático de Direito, o que impõe um difícil ônus de argumentação para que ela seja afastada. Noutras palavras, apenas a decisão judicial que demonstrar a imprescindibilidade de evitar ou de reparar lesão a outro direito fundamental é apta para restringir proporcionalidade a liberdade de pensamento.
Nos precedentes que julgaram a compatibilidade da antiga Lei de Imprensa com a atual Constituição Federal, esta Corte fixou balizas para as decisões judiciais que visassem afastar a liberdade de pensamento para proteger o direito de intimidade. Assim, assentou- se que publicações jornalísticas jamais podem sofrer qualquer tipo de controle prévio (art. 13, do Pacto de São José da Costa Rica). A intervenção estatal e o controle de eventuais abusos, sempre submetidos a regime de responsabilização ulterior, são excepcionais (art. 13, do Pacto de São José da Costa Rica).
(…)
In casu, o confronto se estabelece entre o direito à liberdade de expressão e a lisura do processo eleitoral, o qual deve pautar-se pela igualdade entre os candidatos e pelos limites do uso da propaganda eleitoral. A definição do alcance da liberdade de expressão, indicada pelos precedentes acima referidos, deve, pois, ser examinada à luz das normas relativas ao pleito eleitoral.
A fim de garantir o respeito às regras da propaganda eleitoral, a Lei Geral de Eleições estabelece, em seu art. 41, §1º, que “o poder de polícia sobre a propaganda eleitoral será exercido pelos juízes eleitorais e pelos juízes designados pelos Tribunais Regionais Eleitorais”. Noutras palavras, sem ordem judicial não há restrição legítima à liberdade de expressão.
Além disso, art. 41, § 2º, da Lei Geral não apenas exige a observância do princípio da proporcionalidade, quando indica que “o poder de polícia se restringe às providências necessárias para inibir
24 STF-ADPF 548/MC, Relatora Ministra Carmen Lúcia, Tribunal Pleno, J. 31.10.2018.
práticas ilegais”, mas também revela diretriz hermenêutica consentânea com a jurisprudência desta Corte ao equiparar a propaganda a expressão do pensamento, na medida em que dispõe ser “vedada a censura prévia sobre o teor dos programas a serem exibidos na televisão, no rádio ou na internet”.
Esses parâmetros já demonstram que não têm amparo legal os atos indicados pela inicial que não tenham sido objeto de decisão judicial. Mais do que um vício de ilegalidade, constituem verdadeira ofensa direta à Constituição. A interferência na liberdade de expressão, sempre excepcionalíssima, depende de ordem fundamentada da autoridade judicial. Além disso, também é manifestamente ilegal o exercício de poder de polícia, no âmbito da Justiça Eleitoral, quando inexistente propaganda eleitoral.
(…)
A universidade e as instituições de ensino são expressão máxima dessa garantia. O ingresso no espaço público está condicionado à educação participativa, inclusiva, plural e democrática que as instituições de ensino promovem. É na educação que o livre debate de ideias, o intercâmbio de visões de mundo e o contraste de opinião têm livre curso. Somente esse ambiente prepara as pessoas para reconhecerem o melhor governo, a melhor decisão, a melhor lei e o melhor argumento. Sem educação não há cidadania. Sem liberdade de ensino e de pensamento não há democracia.
Não há ofensa à igualdade eleitoral quando as manifestações críticas às ideias dos candidatos são expressas na universidade ou em qualquer outro espaço. O debate eleitoral, indispensável para escolha informada sobre o destino do país, pressupõe o confronto, o convencimento e o proselitismo, às vezes ríspido, que os assuntos políticos despertam.
A propaganda eleitoral, por sua vez, pressupõe que a mensagem divulgada por candidato ou seu apoiador seja recebida passivamente pelo seu destinatário. Conquanto inserta no mesmo direito à liberdade de expressão, a propaganda distingue-se substancialmente do debate, do diálogo e da troca de impressões. Por isso, a pretexto de regular a propaganda não se pode jamais impedir o diálogo e o debate de ideias.
Essa orientação é de todo aplicável ao ambiente universitário. A autonomia da universidade é garantia constitucional máxima. Pétrea. Ela destina-se a impedir que o Estado substitua a própria universidade para indicar o que pode ou o que não pode ser debatido nesse ambiente. O que debater, como debater, quando debater são decisões que não estão sujeitas ao controle estatal prévio. Mais do que isso: a Constituição abomina qualquer intervenção que afaste o funcionamento do livre mercado de ideias, para lembrar a acepção utilizada por Oliver Holmes Jr. em Abrams v. United States.
Nas universidades e nas instituições de ensino, mais do que em qualquer outro lugar, as ideias disputam o coração das pessoas. Elas devem, portanto, livremente circular, para que a melhor possa prevalecer.
A universidade não tem parte para que todos tenhamos parte nela. A universidade é de todos. É pública na mais verdadeira essência do termo: é a realização da liberdade de pensamento a partir da interação com os outros, como a descrevia Hannah Arendt. Sob a proteção constitucional de liberdade de expressão agiganta-se a percepção que os docentes e discentes são livres para o exercício da cidadania e dos seus direitos políticos – que não se circunscrevem ao voto e passam necessariamente pelo debate de ideias, propostas e visões de mundo.
Por tudo isso, ações em universidades públicas que, a pretexto de garantir a aplicação da lei eleitoral, cerceiam, sem garantir o devido peso à liberdade de expressão, não podem ter o beneplácito no Estado democrático de Direito e reverberam negativamente para as instituições públicas e para a nossa democracia. Atingem o núcleo essencial dos preceitos fundamentais da Constituição e merecem ser afastadas por esta Corte.
3.14 Recurso Extraordinário n. 1.058.333 25
Em precedente inédito, o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 1.058.333 respondeu, afirmativamente, ao questionamento constitucional acerca da possibilidade de remarcação de teste de aptidão física, em concurso público, em face de gravidez de candidata, no momento de sua realização. A tese fixada, na oportunidade, foi a de que: “É constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público”. Acompanhando a larga maioria dos membros da Corte, assim estão postos os argumentos do voto:
A questão a ser debatida no presente feito resume-se a saber se é possível a remarcação de teste de aptidão física em concurso em virtude de gravidez de candidata à época de sua aplicação, ainda que inexista previsão editalícia neste sentido.
(…)
Analisando detidamente o caso, entendo que a conclusão a que chegou a Corte a quo não merece reparo, sendo mister o desprovimento do recurso extraordinário interposto.
Inicialmente, destaco que, conforme indicado pelo Relator quando do reconhecimento da repercussão geral deste recurso extraordinário, o caso ora analisado não guarda pertinência com o debate travado quando do julgamento do RE 630.733, porquanto, naquela oportunidade, a Corte estabeleceu a impossibilidade de remarcação do teste de aptidão física em razão de problema temporário de saúde, o que, por óbvio, não possui relação com o presente caso.
A necessidade de realização de concurso público para investidura em cargos ou empregos públicos, positivada no inciso II, do art. 37, da Constituição Federal, representa essencial mecanismo de garantia dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, previstos no caput do mesmo dispositivo.
(…)
25 STF-RE 1.058.333, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, J. 21.11.2018.
Emerge, neste contexto, a centralidade que o princípio da isonomia ocupa nas seleções públicas, uma vez que corolário da impessoalidade e moralidade administrativas.
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Enfatizo que a temática não é nova na jurisprudência desta Corte constitucional. A necessidade de realização de ações e medidas que busquem dar concretude à igualdade em sua vertente material, levando-se em conta as discrepâncias fáticas que permeiam o tecido social, foi reconhecida pelo STF em diversos precedentes.
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Assentadas estas premissas, entendo que o acórdão recorrido não violou, em nenhuma medida, o princípio inscrito no caput do art. 5º do Texto Constitucional, tendo em conta que vedar a possibilidade de remarcação de teste de aptidão física em concursos às gestantes significaria, em verdade, alijar, de forma permanente, essas candidatas de processos seletivos para cargos públicos que exigem determinada qualificação física.
Desta forma, como bem salientado pelo Tribunal de origem, a interpretação defendida pelo recorrente quanto ao rigor na manutenção da data escolhida pela Administração Pública para aplicação do TAF ofende o princípio da isonomia, tendo em vista a especial condição das gestantes. Além disso, a conduta impugnada transgride, também, outros valores constitucionais básicos, como a dignidade da pessoa humana, a promoção da igualdade entre homens e mulheres e a proteção à maternidade:
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O direito à liberdade reprodutiva já foi reconhecido por esta Corte em diversos momentos, e reafirmado no julgamento da ADPF 54, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe 30.04.2013, quando o Tribunal declarou ser inconstitucional a interpretação de que a interrupção de gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos arts. 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal.
Logo, não constato qualquer maltrato à impessoalidade na remarcação do teste de aptidão física de candidata gestante, uma vez que, conforme exposto no conceito acima referido, o que a proibição constitucional visa rechaçar é o estabelecimento de prerrogativas ou empecilhos aos administrados, ao arrepio da legislação, em virtude de características pessoais, situação que em nada se assemelha à da mulher grávida, que goza, como amplamente demonstrado, de expressas proteções constitucionais.
Assinalo, neste contexto, que inexiste, sequer, qualquer privilégio, visto que as candidatas que remarcarem o TAF serão posteriormente submetidas às mesmas avaliações que todos os candidatos, sob iguais padrões de verificação. Não verifico, também por isso, a procedência da argumentação do recorrente quanto à suposta violação do princípio da eficiência.
O aludido princípio, aplicado à dinâmica dos concursos públicos, refere-se ao imperativo de que a Administração escolha os melhores candidatos, a partir da aplicação de provas com rígidos critérios objetivos, que selecionarão os mais aptos, em tese, a exercerem as funções públicas.
Portanto, a fundamentação do recorrente no sentido de que a remarcação do TAF afetaria a eficiência no desempenho das atribuições das candidatas gestantes não encontra esteio na realidade, uma vez que aquelas candidatas também serão submetidas às mesmas provas em momento oportuno, o que evidencia que inexiste qualquer mácula à higidez dos critérios adotados nos processos seletivos.
3.15 Mandado de Injunção n. 4.733 26
O Supremo Tribunal Federal, em precedente antológico, escreveu, em meio a uma das polêmicas mais acirradas, no contexto do constitucionalismo compromissório da Constituição de 1988, importante capítulo para a história da omissão inconstitucional. A discussão sobre a possibilidade, ou não, de considerar ilícitos penais as condutas homofóbicas recebeu resposta afirmativa da Suprema Corte brasileira, em decisão por maioria. Assim estão registrados os fundamentos do voto:
A resposta é afirmativa. Conquanto sejam raros os precedentes que examinaram o conteúdo do dispositivo constitucional, há, na jurisprudência desta Corte e na das organizações internacionais de direitos humanos, um nítido mandado de criminalização das manifestações homofóbicas.
Da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal emerge a orientação segundo a qual alguns bens jurídicos estão a merecer proteção penal do Estado. Da jurisprudência dos organismos internacionais, a de que entre esses bens está a proteção contra a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero.
Poucos foram os precedentes que diretamente examinaram o conteúdo do direito previsto no art. 5º, XLI, da CRFB. É digno de nota o julgamento da ADI 4.424, sob Rel. Ministro Marco Aurélio, DJe 31.07.2017, no qual o Plenário deste Tribunal deu interpretação conforme à Constituição para que não fossem aplicados à lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher os dispositivos da lei dos juizados especiais.
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Como já se indicou no entanto, não apenas a Constituição prevê e contém mecanismo de proteção proporcional, mas também os próprios tratados internacionais de que a República brasileira é parte. A interpretação dos comandos desses tratados complementam, portanto, o sentido do próprio texto constitucional.
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Os Princípios de Yogyakarta recomendam, por sua vez, que os Estados emendem sua legislação, inclusive a criminal, “para garantir sua coerência com o gozo universal de todos os direitos humanos” (Princípio 1).
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À luz dos tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil é parte, dessume-se, portanto, da leitura do texto da Carta de 1988 um mandado constitucional de criminalização no que pertine a toda e qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, incluindo, por evidente, a de orientação sexual e de identidade de gênero.
26 STF-MI 4.733, Relator Ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, J. 13.06.2019.
No que tange ao cumprimento desse dever constitucional contido no art. 5º, XLI, é preciso registrar algumas iniciativas do legislador nacional. Em relação à discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, foi editada, em 5 de janeiro de 1989, a Lei 7.716, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.
Por meio da Lei 10.741, de 2003, deu-se nova redação ao § 3º no art. 140 do Código Penal para tipificar a injúria consistente na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
Em que pesem as inovações legislativas, não foram tipificadas discriminações atentatórias dos direitos e liberdades fundamentais ligados ao sexo e à orientação sexual. Tal omissão é ainda mais normativamente relevante, especialmente em vista do direito à igualdade, caso se tenha em conta que são distintos os parâmetros de proteção da população idosa ou negra, por exemplo, relativamente à LGBT.
Em casos tais, a Constituição Federal assegura aos cidadãos o controle da omissão legislativa, legitimando os que tenham por inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais à impetração de mandado de injunção. Noutras palavras, há um mandado constitucional de criminalização e há mora legislativa em regulamentar o tema. O mandado de injunção é, pois, a garantia para a efetividade do direito protegido pelo mandado de criminalização.
Nos termos do art. 8º da Lei 13.300, o reconhecimento da mora legislativa impõe o deferimento do mandado de injunção para “determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora”.
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No presente caso, no entanto, há uma especificidade que está a indicar que a lacuna não decorre exclusivamente da falta de norma que tipifique o ato atentatório, mas também da própria ofensa à igualdade, uma vez que condutas igualmente reprováveis recebem tratamento jurídico distinto.
Há, nessa dimensão, uma gritante ofensa a um sentido mínimo de justiça. A omissão legislativa estaria a indicar que o sofrimento e a violência dirigida a pessoa homossexual ou transgênera é tolerada, como se uma pessoa não fosse digna de viver em igualdade.
Por preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, impedir ou obstar acesso à órgão da Administração Pública, ou negar emprego em empresa privada, por exemplo, são condutas típicas, nos termos da Lei 7.716/1989. Se essas mesmas condutas fossem praticadas em virtude de preconceito a homossexual ou transgênero, não haveria crime. Afirmar que uma República que tem por objetivo “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” tolera alguns atos atentatórios à dignidade da pessoa humana, ao tempo em que protege outros, é uma leitura incompatível com o Texto Constitucional.
Nada na Constituição autoriza a tolerar o sofrimento que a discriminação impõe. Toda pessoa tem o direito de viver em uma sociedade sem preconceitos. Toda pessoa deve ser protegida contra qualquer ato que atinja sua dignidade.
A dignidade da pessoa humana não pode ser invocada de forma retórica, como grande guarda-chuva acolhedor de qualquer argumento em razão de sua amplitude ou comprimento. É preciso ser exato: a dignidade da pessoa humana não é vagueza abarcadora de argumentos e posições de todo lado. Ao contrário, e por refutação a isso, é preciso dar sentido e concretude a esse princípio inerente aos sujeitos e fundante de nosso Estado.
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Nesse quadrante comum compreendo e adoto como conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana o valor intrínseco da pessoa, ou seja a pessoa como fim em si mesmo, e nunca como instrumento ou objeto; a autonomia pública (coletiva) e privada (individual) dos sujeitos; o mínimo existencial para a garantia das condições materiais existenciais para a vida digna; e o reconhecimento individual e coletivo das pessoas nas instituições, práticas sociais e relações intersubjetivas (SARMENTO, Daniel. Dignidade da Pessoa Humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 92).
A sexualidade constitui dimensão inerente à dignidade da pessoa humana. Como já se registrou nesta manifestação, esta Corte, quando do julgamento da ADI 4.275, reconheceu que o direito à igualdade sem discriminação abrange a identidade ou expressão de gênero. Afirmou-se, ainda, que a identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí- la. Faltou acrescer: cabe ao Estado também protegê-la.
A proteção é indispensável porque é o espaço público o lugar próprio da sexualidade. Ela é o impulso ao chamamento do outro. É a força que não nos deixa viver sós e que nos complementa. Não se pode privar ninguém do convívio com a pluralidade.
A discriminação sexual ou de gênero, tal como qualquer forma de discriminação, é nefasta, porque retira das pessoas a justa expectativa de que tenham igual valor. Como assentou a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Opinião Consultiva sobre Igualdade de Gênero: “o Estado deve assegurar que os indivíduos de todas as orientações sexuais e identidades de gêneros possam vier com a mesma dignidade e o mesmo respeito que têm todas as pessoas”.
A colmatação da omissão legislativa constitui, assim, exigência de coerência normativa. William Eskridge Jr., no célebre artigo sobre inação legislativa, alertava que a principal ameaça para a integridade do direito está na sua obsolescência e não na sua imprevisibilidade. Se é certo que cabe, como regra, ao legislativo a principal tarefa de zelar pela coerência das normas, a Corte Constitucional, sempre que invocado o direito à igualdade, tem o dever de proteger a integridade do direito. Nada é mais atentatório à Justiça do que tratar a dignidade das pessoas de forma diferente.
Dessa forma, ainda que envolva matéria penal, não é possível alegar que a injunção deveria limitar-se ao mero reconhecimento da mora.
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Noutras palavras, a igualdade está a nos exigir, enquanto intérpretes da Constituição, que se reconheça a igual ofensividade do tratamento discriminatório, seja para afastar a alegação de que judeus não seriam vítimas de racismo, seja para tolerar a apologia ao ódio e à discriminação derivada da livre expressão da sexualidade.
- Pouso de conclusão
Aterrisa essa reflexão sobre elenco exposto de precedentes, mostra de apreensão concreta das premissas hermenêuticas que navegam nos limites e nas possibilidades da Constituição da República. Não se desconhecem os freios que o tempo presente impõe aos vôos da esperança na realização compromissória da Constituição; nada obstante, impende ver além do olhar seletivo do discurso epidérmico.
Aqui se explicitam, nos votos, uma atividade; seu núcleo não falta ao entendimento constitucional entre práxis e filosofia. Signos e sinais da hermenêutica constitucional se abrem, nessas palavras, como pontes que se propõem unir margens entre a vida social e a resposta normativa.
Presta contas por meio de ações e, por isso, dialoga com buscas críticas do pensamento reflexivo. Essa empiria se volta em desfavor da consciência deformada da prestação jurisdicional.
A Constituição continua sendo evento histórico fundante e constitutivo. Não, é, porém, apenas objeto de consumo ou palco de espetáculo. Quem reduz as ideias e as coisas ao mero conceito de imagem se satisfaz com o espetáculo, com a representação, com aquilo que já denunciava, décadas faz, Debord: “(…) o espetáculo é o sonho mau da sociedade moderna aprisionada, que só expressa afinal o seu desejo de dormir. O espetáculo é o guarda desse sono.”27
Por isso mesmo, os quinze votos e essa singela reflexão a quatro mãos tornam o ‘ser’ e não o ‘parecer’ como alfa e ômega deste texto especialmente composto para saudar quinze anos da Emenda Constitucional n. 45/2004. Na abundância da informação, esparsa ou seletiva, o tempo do espetáculo provoca discursos e imagens com riqueza ilusória de análise constitucional, ‘condottiere’ do valor que tem, no consumo midiático, da aparência sobre a essência.
Aqui fica um singelo contributo para açular olhares e, não, para mitigar contradições na prestação jurisdicional de índole constitucional. Direitos fundamentais e interpretação concretizadora dessa essência à luz da Constituição merecem o devido espaço no quebra-cabeça que se tornou o Brasil constitucional destes últimos anos.
27 DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo, 2ª ed. Rio de Janeiro : Contraponto, 2017, p. 43.
- Referências bibliográficas
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FACHIN, Luiz Edson; SILVA, Christine Oliveira Peter. O dever hermenêutico de fidelidade constitucional, in Constituição da República: um projeto de nação – homenagem aos 30 anos. Editora CFOAB, Brasília, 2018, p. 157-167.
HÄBERLE, Peter. La garantía del contenido esencial de los derechos fundamentales. Trad. Joaquín Brage Camazano. Madrid: Editorial Dykinson, 2003.
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09/observatorio-constitucional-estado-constitucional-pluralista-seguranca-juridica- dinamica Acessado em 22.07.2019.
STEINER, George. Um largo sábado; entrevistas com Laure Adler. Ediciones Siruela, abril de 2016.