Para os que serão enterrados sob flores amarelas e medrosas

O medo de que aqueles que são diferentes virão para invadir nossos lares, roubar nossos empregos, raptar nossas mulheres, corromper nossos costumes. Verdade ou fake news? Recentes eleições alemãs mostram que este medo pode mudar, de novo, o destino das nações

A derrubara da cancela de entrada para a Polônia por soldados alemães

No último 1º de setembro comemoraram-se oitenta anos do início da Segunda Guerra Mundial. Precisamente naquela data, no ano de 1939, a Alemanha invadiu a Polônia, dando início a um período de horror que só se encerraria quase seis anos depois, deixando para trás um rastro de mais de trinta milhões de mortos.

Coincidentemente, nesse mesmo dia, agora, realizaram-se eleições em dois Estados do leste alemão: Brandemburgo e Saxônia. Confirmando os prognósticos, o partido “Alternativa para a Alemanha” (AfD) tornou-se a segunda força política em ambos os entes federados, perdendo apenas para a União Democrática Cristã, da Chanceler Angela Merkel, de centro-direita. Em Brandemburgo o AfD obteve cerca de 23,5% dos votos e na Saxônia alcançou a marca de 27,5% dos sufrágios. Para que se possa aquilatar o posicionamento do AfD no atual espectro político-ideológico alemão, basta lembrar que seu líder, Alexander Gauland, considera que o Terceiro Reich foi apenas “um cocô de pássaro na história alemã”.

Angela Merkel

Curiosamente, a cidade onde o AfD foi mais votado nesse pleito regional é Neisseaue, na Saxônia, considerada o “ponto mais oriental da Alemanha”. Localiza-se às margens do rio Neisse. Do outro lado do rio fica a Polônia.

Em Neisseaue, onde vivem pouco mais de 1800 pessoas, o AfD atingiu a impressionante marca de 48,4% dos votos. Para a prefeita, Evelin Bergmann, que não é filiada ao AfD, a razão principal desses eleitores extremistas seria o temor de abertura da Alemanha para refugiados e emigrantes do Oriente Médio, da África e do Leste Europeu.

Evelin Bergmann

A impressão que se tem é que chegariam como enxames. Evadindo-se de Estados, cujas origens, é bom esclarecer, remetem-nos a aventuras e desventuras do próprio imperialismo alemão: Conferência de Berlim (1885), Tratado de Versalhes (1919) e Conferência de Postdam (1945).

“Temem que os estrangeiros, considerados terroristas e bandidos, tomem-lhes os empregos e as vagas nas escolas” – explica a chefe do governo municipal. Detalhe: em Neisseaue não há um único refugiado e a economia vai bem, obrigado.

Enquanto isso, a Alemanha, sob a batuta do ministro do Interior, Horst Seehofer, anda expulsando estrangeiros aos borbotões. E nada se comenta sobre milhões de alemães que abandonaram o país nos séculos XIX e XX.

Reinhard Heydrich e Adolf Hitler – Foto: Wikimedia Commons

“Fake news” e medo vêm orientando as decisões políticas dos eleitores por lá. No dia 10 de agosto de 1939, Reinhard Heydrich, o mesmo comandante da SS que, em 1942, organizaria, na famosa Conferência de Wannsee, a “solução final para a questão judaica”, planejou e mandou um grupo de elite da Schutzstaffel executar, no 31 de agosto seguinte, a “tomada da emissora de rádio de Gleiwitz”, cidade da então Alta Silésia alemã, “por tropas polonesas que pretendiam invadir a Alemanha”.

Gleiwitz − hoje a polonesa Gliwice − encontra-se a pouco mais de trezentos quilômetros de Neisseaue. Distância curta para mentiras que, ainda hoje, oitenta anos depois, têm pernas curtas.

Gravura de Käthe Kollwitz

Informações digitais forjadas, propositadamente dirigidas a públicos específicos, previamente definidos por algoritmos, induzem eleitores a decisões lastreadas no medo. Medo de favelados, de negros, de pobres e desempregados, de gays, de muçulmanos, de chicanos, de nordestinos, de esquerdistas, de mendigos, de índios ou de, simplesmente, quem é diferente ou pensa de forma diferente. O medo assalta e a desinformação conduz eleitores na Europa, nos Estados Unidos, nas Filipinas, em Israel, no Brasil e por aí afora. Medo e desinformação metabolizam o fascismo.

A eleitores desinformados e medrosos só nos resta, pois, repetir poema que Drummond escreveu quando a Segunda Guerra Mundial já se encontrava em curso: “Provisoriamente não cantaremos o amor,/que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos./Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,/não cantaremos o ódio, porque este não existe,/existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,/o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,/o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,/cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,/cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte./Depois morreremos de medo/e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas”.

Thales Chagas Machado Coelho é mestre em Direito Constitucional UFMG, professor de Pós-Graduação em Direito Eleitoral no Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN)

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