Economistas, de um modo geral, convergem sobre a irracionalidade do sistema tributário brasileiro. Dificilmente encontrar-se-á na Terra um outro mais complexo do que o brasiliano.
Também há consenso entre os tributaristas em relação à natureza dos impostos, admitindo todos que não existe imposto bom. Existem os menos ruins.
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Certa vez, numa entrevista, Fernando Henrique Cardoso foi irônico a respeito do tema. “Se imposto fosse bom não se chamaria imposto”, disse o espirituoso ex-presidente da República.
É isto. Não existe imposto bom.
Alimentando o monstro
A cobrança de tributos é uma imposição do Estado. O Leviathan não pede, impõe.
Em troca, após alimentar o parasita que vive em suas entranhas, de alcunha ‘burocracia’, o Leviathan regurgita as sobras aos súditos na forma de serviços. Na prática, a maior parte das contribuições serve para alimentar o monstro, não para servir à choldra.
Do ponto de vista da lógica estrita, qualquer sistema tributário parece insano. Mantemos vivos um monstro que nos obriga a alimentá-lo, o qual, por sua vez, decide o que é melhor para nossas vidas.
Irracional, pois não escolhemos os serviços que queremos. Após a cobrança compulsória, é Leviathan que decide o que oferecer.
Na hipótese anárquica da inexistência do Estado, cada um ofereceria o bem ou serviço que quisesse. Do outro lado, cada um compraria o que lhe aprouvesse.
A derrocada do Leviathan implicaria o fim dos impostos, esta espécie de taxa de intermediação de serviços cobrada à força pelo monstro estatal.
Símbolos do mal
Enfim, enquanto não encontrarmos um meio de nos livrarmos do Estado, temos que conviver com os tributos impostos de cada dia. E aí surge um traço da difusa personalidade cidadã – o da escolha de símbolos do mal, alvos diletos de nossa ira.
Caso do Congresso Nacional. Para boa parte dos brasileiros, todo o bem emana do povo e todo o mal nasce no Legislativo.
Os eleitores são estúpidos, incapazes de escolher quem os represente bem. E quando escolhem mal, a culpa é do escolhido.
Ao elegermos um símbolo de nossas mazelas, abdicamos da autoavaliação e adotamos a autocomiseração. Nós, brasileiros, somos bons e honestos; eles, os políticos, são maus e velhacos.
No caso dos tributos, o vilão adotado foi a CPMF. Afora nossa necessidade de eleger símbolos do mal, a ojeriza ao imposto do cheque nasceu da conjugação de outros dois fatores: uma campanha propagandística bem orquestrada e a necessidade da aprovação pelo Congresso da prorrogação do tributo, em 2007.
Somos sufocados por uma miríada de tributos. Cada um, no entanto, tem peso distinto na nossa renda. Uns muito menos; outros muito mais.
“Não há imposto bom, mas, para a maioria
– assalariados, informais, aposentados, pequenos empresários -,
a CPMF não é o pior dos impostos”.
A CPMF, basta fazer os cálculos, quando cobrada com alíquotas baixas, está entre os menos agressivos. A não ser que o cidadão seja milionário. Ou bilionário.
Para estes, a mordida do insonegável tributo é dolorosa. Eis que a turma da bufunfa, incomodada com um tributo que lhes abocanhava parcelas relevantes de seus ganhos, declaráveis ou não, resolveu bancar uma campanha nacional.
Patrocinada pela fatia ínfima, mas abonada, de abastados, a campanha convenceu a maioria dos brasileiros que este era o imposto a ser derrotado. Como se tratava de uma contribuição provisória, bastava fazer com que os parlamentares não aprovassem a prorrogação.
A tarefa foi facilitada pela barbeiragem política do Governo Lula, que percebeu tarde demais a poderosa mobilização contra o tributo. A campanha encontrava ressonância nos brasileiros que, todos os dias, percebiam nos seus extratos bancários o valor abocanhado pela Receita Federal.
Curiosamente, os bancos só informam a fórceps o valor das taxas de administração que os banqueiros nos cobram. Os valores da CPMF, porém, vinham estampados como a fustigar o contribuinte.
Aritmética tributária
Bastaria uma única pergunta para desmanchar a percepção equivocada de que era a CPMF o pior dos tributos. Caso você tivesse a opção de abrir mão de um único imposto, qual você escolheria?
Perguntei a alguns amigos que sabem aritmética. Feitas as contas, ninguém escolheu a CPMF.
Afinal, há outros impostos que pesam muito mais na nossa insana carga tributária. A CPMF, porém, estava à mão como o Leviathan a ser derrotado, visível nos extratos bancários & amaldiçoada pela campanha patrocinada pelos bilionários.
Ao contrário do senso comum, o Legislativo geralmente vota o que o povo quer. O imposto do cheque foi derrotado.
Antes de rechaçar de pronto a nova CPMF desenhada pelo ministro Paulo Guedes, o Legislativo Federal deveria analisar a proposta. Caso ela realmente venha para substituir parte da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento & tenha uma alíquota de pequena monta (cuja alteração dependesse de lei), trata-se de uma iniciativa a ser considerada.
Não há imposto bom, mas, para a maioria – assalariados, informais, aposentados, pequenos empresários -, a CPMF não é o pior dos impostos. Afinal, se entre tantos tributos, os bilionários se mobilizaram para derrubá-la é porque doeu no bolso. Deles.