Na semana passada, comentávamos sobre os riscos dos efeitos políticos para o agravamento da crise no Brasil, a partir da máquina de desaforos e polêmicas que o presidente Jair Bolsonaro resolveu cultivar na boca. É impressionante a velocidade como tudo se confirmou, a partir das tristes cenas das queimadas na Amazônia.
Há informações de que o presidente anda triste e amuado com a repercussão negativa do desastre ambiental na Amazônia. Insiste na versão de que estão tratando com exagero algo que, ainda que em maiores proporções, decorre de uma sazonalidade. O que impressiona é que Bolsonaro não enxergue seu enorme grau de responsabilidade nisso tudo. Não que ele tenha ido à floresta com um galão de gasolina e uma caixa de fósforos. Mas o fato é que Bolsonaro tratou de declarar guerra a diversos setores do Brasil e do planeta nos últimos tempos. Se estava brincando, fazendo bravata, o problema para ele é que boa parte não entendeu assim. Ele declarou guerra. Aceitaram.
O Bolsonaro que apareceu na TV na sexta-feira (23) era um presidente acuado. Bem diferente daquele que agora para todos os dias não para dar entrevista mas para proferir provocações por intermédio da imprensa. Um Bolsonaro que se assustou quando o presidente da França, Emmanuel Macron, convocou uma reunião do G7 para discutir o dano ambiental na Amazônia.
O fato, porém, é que as providências que Bolsonaro tomou na sequência, de uso da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na região amazônica e outras, ele poderia ter tomado há algumas semanas, quando recebeu do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) as informações de que crescia o desmatamento na Amazônia. Ao contrário disso, Bolsonaro preferiu primeiro bater boca com o diretor do Inpe, Ricardo Osório Magnus Galvão, antes de demiti-lo. Com o argumento de que ele divulgara dados negativos e constrangedores para o país. Ou seja: a mensagem que Bolsonaro passou para o mundo é que tais dados devem ser ignorados e escondidos. Desmate-se a floresta e não se conte para ninguém.
Era, portanto, o desprezo à ciência numa atitude no mínimo perigosa e arrogante. Que se associa à estratégia de comunicação que Bolsonaro passou a adotar desde que vazou aquela frase sobre os governadores “de paraíba”. O presidente resolveu eliminar completamente da sua equipe de comunicação os setores mais moderados, que trabalhavam uma melhor interlocução com a imprensa tradicional. Transformou o general Otávio Rego Barros no porta-voz mais mudo do planeta. Demitiu em uma semana o jornalista Paulo Fona, que, na prática, nem tinha de fato começado a trabalhar. E resolveu reeditar o Jair Bolsonaro das frases polêmicas e das agressões gratuitas.
É certo que foi esse Bolsonaro aquele que aos poucos se transformou no “mito”, arregimentando seguidores à medida que a direita brasileira saía do armário e se identificava com ele. Mas o Bolsonaro das frases polêmicas e das agressões gratuitas era um deputado federal do baixo clero. Que algumas vezes esteve a ponto de ser cassado por quebra de decoro e que não o foi justamente porque – talvez erradamente – sempre o consideraram um deputado federal de baixo clero.
O atual Jair Bolsonaro
é presidente da República. E, nessa condição, as frases polêmicas e as agressões gratuitas ganham uma repercussão multiplicada em algumas dezenas de vezes. Ao dar guarida a um discurso antiambientalista, Bolsonaro não percebeu os diversos interesses políticos e econômicos envolvidos. Não percebeu que a Amazônia é o maior bioma do planeta, e que isso gera imenso interesse sobre ela. Sem dúvida, sobre suas riquezas, mas não apenas nesse sentido. Ainda que não leve a sério o discurso de que o planeta se encontra ameaçado e precisa ser preservado, Bolsonaro deve considerar que muita gente – inclusive muitos daqueles que governam o mundo – leva. E que boa parte das decisões políticas e econômicas dos governantes do planeta mais e mais levam e levarão tais dados em conta.
Também não percebeu como tal discurso ambientalista muitas vezes se encaixa à perfeição para amparar outros interesses particulares e menores. Como no caso do acordo entre a União Europeia e o Mercosul. Acordo que desagrada parte dos setores econômicos de países como a França. Assim, se Macron tinha resistências ao acordo, encontrou o ambiente exato para contestá-lo a partir das palavras de Bolsonaro.
Um Bolsonaro que devia a essa altura saber calcular a dimensão das suas gracinhas politicamente incorretas a partir da sua condição agora de presidente da República. Deixar de receber o ministro das Relações Exteriores da França para cortar o cabelo foi uma enorme ofensa diplomática. Que não se justifica pelo fato de o ministro ter antes se encontrado com ONGs ambientalistas das quais Bolsonaro não gosta. Reconhecer a importância de organizações da sociedade – mesmo aquelas com as quais não se concorda – faz parte também do papel de um líder numa democracia.
Depois do pronunciamento de sexta-feira, o presidente voltou a usar as redes sociais para atacar Macron e fazer novas declarações polêmicas. Segue na sua postura belicista.
Bolsonaro atira em países, atira em governantes, atira em jornais e jornalistas. Sem parecer levar em conta que aqueles que são por eles atacados bem podem atirar de volta. Em um mundo onde tudo repercute com imensa velocidade, é um comportamento extremamente perigoso.
Um sinal disso é a forma como o partido Novo abandona à própria sorte o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e já fala até na possibilidade de expulsá-lo. Logo depois das eleições, alguns analistas já falavam sobre como a política via redes sociais poderia alterar os comportamentos das bancadas de sustentação do governo, tornando-as mais voláteis, na medida da própria volatilidade da opinião pública nos novos tempos. O Novo não quer se ver colado a um discurso antiambientalista que boa parte do mundo rejeita. Porque se mede pelas redes sociais e é ali que sente o peso desse risco.
A agressividade e a incorreção política levaram Bolsonaro à Presidência. Mas podem não ser a melhor estratégia para mantê-lo lá.