Uns quatros meses atrás, quando pesquisas de avaliação do governo mostraram que sua popularidade estava mais alta que a do presidente Jair Bolsonaro, Sérgio Moro ouviu um conselho direto de quem conhece as futricas e as vaidades nos bastidores do poder em Brasília: “Ministro, faça uma declaração pública de que não será candidato e manifeste apoio à reeleição de Bolsonaro”. Moro respondeu que não seria candidato, mas anunciar apoio a Bolsonaro com tanta antecedência não parecia adequado.
Seu interlocutor diz que, naquela época, Bolsonaro enfrentava fortes turbulências, e seu clã familiar foi à luta contra uma suposta conspiração para reduzir os poderes presidenciais, com a aprovação de um sistema semi parlamentarista, ou até trocá-lo pelo vice Hamilton Mourão. Foi nesse clima que Jair Bolsonaro fez uma aliança informal com o presidente do STF, Dias Toffoli, e fez acertos nos bastidores com Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. O preço dessas parcerias, que tranquilizaram Bolsonaro, ficou implícito em todas essas negociações: cortar as asas de Sérgio Moro e barrar uma suposta ofensiva da Lava Jato para conquistar ainda mais poderes.
A versão palaciana para o aval de Bolsonaro a revezes de Moro, como no destino do Coaf e em seu pacote para a segurança pública, é de que ele teve de fazer concessões para evitar derrotas em batalhas maiores, caso da reforma da Previdência. Os caciques políticos que acompanharam todo esse processo dizem que não foi bem assim.
A turma que dá as cartas no Congresso, em sintonia com a cúpula do STF, sempre foi pragmática com o jogo duplo de Bolsonaro, que ajudava a puxar o tapete de Moro por um lado e soprava pelo outro. A medida em que Moro e a força-tarefa da Lava Jato entravam na berlinda com a divulgação pelo site The Intercept e seus parceiros na imprensa de trechos de diálogos supostamente comprometedores, Bolsonaro foi saindo detrás da cortina. Temia que boa parte do seu eleitorado, composta por fãs de carteirinha da Lava Jato, reagisse mal. Parece que perdeu o receio. Hoje é o presidente quem mais prega publicamente providências para enquadrar o Coaf, a Receita Federal e quem mais se meta a investigar corrupção no país.
Em uma aberta provocação a Moro, Bolsonaro anunciou a substituição do superintendente da PF no Rio de Janeiro, delegado Ricardo Saadi, por problemas de “gestão e produtividade”. Saadi é bem conceituado entre os colegas. Nota da PF, divulgada pelo Ministério da Justiça, desmentiu a versão de Bolsonaro e informou que foi o próprio Ricardo Saadi quem pediu para ser transferido do Rio de Janeiro para Brasília.
O anúncio de Bolsonaro sobre mudança na Polícia Federal soou como uma senha para a troca da promessa de carta branca aos ministros, especialmente a Moro e Paulo Guedes, pelo discurso de que é o único dono de todo o governo. “Sempre disse, aprendi no meio militar, pior que uma decisão mal tomada é uma indecisão. Então, se tiver que mudar a gente muda. O único que levou facada e ralou quatro anos para chegar aqui fui eu. Ponto final. O povo confiou em mim o destino da nação. Eu tenho que decidir”.
O governo também lavou as mãos na votação na Câmara da Lei de Abuso de Autoridade, com restrições a atuação de juízes, promotores, policiais e auditores fiscais. Desde que o senador Renan Calheiros a ressuscitou no Senado, sua tramitação no Congresso foi carimbada como uma reação a Lava Jato. Em meio a forte reação das entidades que representam todas essas categorias, Bolsonaro deu mais uma resposta dúbia. “Logicamente, você não pode cercear os trabalhos das instituições, não pode cercear. Mas a pessoa tem que ter responsabilidade quando faz algo, que é dever teu, mas tem que fazer baseado na lei. Tem que fazer o que tem que ser feito de acordo com a lei”.
A questão é que os caciques políticos, com o apoio da cúpula do STF, consideram que as investigações sobre corrupção são abusivas, ilegais. Por essa ótica, é hora de dar um freio de arrumação nas apurações que desvendaram o maior esquema de corrupção da história republicana. Os maiores alvos são o próprio Moro e a Lava Jato. Em sua entrevista, Bolsonaro citou como abuso de poder todas as investigações, inquéritos e denúncias que teve que responder. Parecem claros os motivos dessa nova conduta presidencial.
Bolsonaro sempre disse que primeiro os seus. Assim, ele justificou a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro, o 03, como embaixador do Brasil em Washington. Foi também por trombadas com o vereador Carlos Bolsonaro, o 02, que ministros antes tidos com fortes despencaram no Palácio do Planalto. Para o presidente, a adesão a esse complô contra a Lava Jato tem como motivação principal salvar o pescoço e o mandato do senador Flávio Bolsonaro, o 01.
Esse também é o pano de fundo na escolha do novo procurador-geral da República. Além do presidente da República, os principais candidatos também têm conversado com Flávio Bolsonaro. Um dos critérios não explícito nesse processo de escolha é não insistir na investigação de membros do clã Bolsonaro.
A conferir.