Ainda não está claro para a maioria da opinião pública, mas os movimentos que Jair Bolsonaro está fazendo para, supostamente, “blindar” dois importantes órgãos da administração federal – a Receita e o Coaf – têm, na verdade, o objetivo de neutralizá-los. Ou seja, enquanto seus mecanismos funcionaram para investigar o PT e outros, estava tudo bem. Agora a brincadeira acabou.
Além de passar o Coaf para o Banco Central, operação com o claro objetivo de destituir seu atual presidente, o governo quer esquartejar a Receita, transformando parte dela numa autarquia. A narrativa oficial alega que a intenção seria despolitizar o órgão, como se a tal politização apontada pelo Planalto viesse de funcionários e auditores de carreira.
Ao que parece, trata-se exatamente do contrário. Transformada em autarquia é que a Receita ficará sujeita a indicações de chefes e diretores de fora de seus quadros. Parece o contrário do que se está fazendo com o Coaf com sua transferência para o Banco Central. Mas não é. Nesse caso específico, a mudança tem o objetivo de afastar seu atual presidente sem maiores exposições para Bolsonaro e os ministros Sergio Moro e Paulo Guedes. Para quê?
Receita e Coaf têm sido, sim, instrumento de abusos na fúria investigativa que tomou conta do país nos últimos anos. Afinal, quebrar sigilos bancários e fiscais não é a banalidade que algumas autoridades do Ministério Público gostaria que fossem. Fiscais da Receita podem ter extrapolado, por exemplo, ao fuxicar e vazar sigilos de mulheres de ministros do STF a fim de buscar elementos que os incriminassem – qualquer elemento. Em alguns casos, pode-se até usar a palavra perseguição.
Da mesma forma, pode-se considerar abusiva a utilização de dados do Coaf em investigações sem autorização judicial – procedimento, aliás, já proibido em liminar do presidente do STF, Dias Toffoli, no caso do senador Flávio Bolsonaro, que deverá ser confirmada em plenário. E aí chegamos ao eixo da aliança que move os chefes do Executivo e do Judiciário: o Coaf investigou o filho do presidente da República e a Receita correu atrás da mulher do presidente do STF.
Mas há formas e formas de se combater excessos pela via judicial e até administrativa. Desmantelar os órgãos de fiscalização, como Bolsonaro parece estar fazendo, é um procedimento semelhante a tirar o sofá da sala. Abusos são cometidos por pessoas, e não por instituições.