Da capo é uma expressão técnica da música dizendo à orquestra que tudo deve recomeçar do começo. A PEC da previdência volta à primeira nota da partitura ao iniciar sua trajetória política no Senado.
O Senado começa a discutir a PEC a partir da proposta votada pela Câmara, mas o desdobramento político é um outro samba. No Senado, será possível ver as grandes diferenças entre as duas assembleias, algo raro, pois, ao observador a olho nu, as duas Casas do Congresso não têm diferença, parecem mais do mesmo. Não são.
Cada casa uma pressão
Quando adverte os estados, o presidente da República estaria falando sério. Agora, a conversa é com os senadores.
O Senado é composto por representantes da Federação, ou seja, de seus estados, como está na Constituição. Parece algo vago, mas não é: as forças políticas e as pressões que se produzem sobre o corpo legislativo, quando em deliberação, são completamente diferentes nas duas Casas.
Por isso, o Senado vai tentar incluir estados e municípios na nova legislação previdenciária, o que a Câmara não teve condições políticas para levar a efeito, embora concordasse que deveria ter sido feito. Ou seja, como numa corrida de revezamento, os deputados, habilmente, contornaram este obstáculo e deixaram para o próximo atleta, especialista no trecho, completar a prova. Da capo, voltar ao início.
Vereadores federais
Os deputados, teoricamente representantes da população em geral são, como é o significado da expressão deputado, parlamentares sujeitos a todos os tipos de interesses e, por conseguinte, de pressões das bases. Neste caso, leia-se, da força gigantesca das corporações de servidores dos estados e dos municípios.
Se a população entende que o poder das corporações do serviço público federal (tais como Judiciário, altos funcionários de setores especializados de ministérios – Receita Federal, por exemplo) é invencível, que dirá ao ver o que são estes segmentos nos estados. Nos municípios, então, nem se fala.
Portanto, é natural que os deputados federais não consigam ultrapassar essa barreira sem graves prejuízos eleitorais. Já o senador não está sujeito aos mesmos inconvenientes. Seu relacionamento com as bases é difuso, mais diluído. Então, os deputados passaram o bastão.
Embora, atualmente, a maior parte dos senadores exerçam seus mandatos como se fossem vereadores, chega um momento em que eles terão de assumir suas funções – comme il faut. É o caso da reforma da previdência.
Governadores inquietos
Quando o presidente Jair Bolsonaro vai à mídia ameaçando os governadores do Nordeste, estaria, de fato, sinalizando que, se os parlamentares de oposição daqueles estados inviabilizarem a reforma, por manobras parlamentares ou outras ações política, estarão condenando seus povos a duras dificuldades.
Ele fala de divisão do País, mas o que estaria a dizer é que, sem mexer nesse sistema previdenciário, os estados do Nordeste, os mais pobres e dependentes dos empregos e verbas públicas, sofrerão mais que os colegas das regiões ricas. Talvez o presidente não fosse tão longe em sua ameaça, mas o que disse foi: sem dar um choque na previdência, os estados e municípios daquela região estarão na bancarrota.
Os governadores estão inquietos. Melhor seria que tratassem de chamar seus correligionários parlamentares às falas. Se não, deixando correr, logo ali na frente o Governo Federal vai cortar sem dó nem piedade os repasses e investimentos.
Bolsonaro já disse: ele não vai pedalar e arriscar seu mandato. Se o dinheiro acabar, acabou. Pelo que se viu dele até hoje, eis aí uma declaração que deve ser levada a sério.
Sem querer, querendo
Em resumo: a oposição não precisa votar a favor do projeto, desnudando-se ou se desdizendo. A direita e o centro têm maioria sólida para ganhar no plenário do Senado.
Entretanto, a oposição pode obstruir e, assim derrubar a tramitação. É isto que não pode acontecer: os senadores dos partidos de esquerda podem esbravejar, chicanear, fazer todas as maldades, mas devem mesmo comparecer às votações para assegurar o quórum.
Este seria o compromisso dos governadores do Nordeste para não ficarem ao relento até o governo de direita perder o poder, sabe-se lá quando. A pergunta é: terão os governadores poder e influência sobre suas bancadas senatoriais?
Voltando à escrita musical. Da capo, músicos toquem de novo. Vai recomeçar do começo.