Aos poucos, o Brasil toma consciência da necessidade de reformas que revertam a escalada da crise fiscal que ameaça paralisar o país, apesar da resistência de corporações e da esquerda – no caso dos partidos que a representam, uma negação mais política do que por convicção. Sabem que a situação é grave, mas não querem perder a bandeira eleitoral.
Somos reféns de uma virulenta guerra civil pelas redes sociais, e que vem num crescendo, com rompimento de amizades e até de relações familiares. O país só vai escapar do radicalismo destrutivo quando se livrar da praga do populismo, e isso não será um processo fácil.
É histórico e cultural. Os seguidores das tais “lideranças carismáticas” têm com seus bufões preferidos uma relação quase carnal.
O debate político nacional é pobre, rasteiro, centrado em dois personagens, com manipulação de dados e informações, com falsos heróis e absurdos transformados em verdades. Por incrível que pareça, o Congresso Nacional, até há pouco tempo visto como o vilão da nossa democracia, tornou-se desde janeiro o principal fator de equilíbrio.
O Judiciário é hoje o principal fator de instabilidade. Com a ajuda de Jair Bolsonaro.
Por tradição latino-americana e rasa experiência democrática, nossa política é centrada em figuras carismáticas: o doutor Getúlio, o doutor Adhemar de Barros, Jânio Quadros, Leonel Brizola e, depois da ditadura, Paulo Maluf, Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Collor, o próprio Brizola retornado do exílio, e agora Jair Bolsonaro.
Seguidos, todos eles, ontem e hoje, de forma incondicional e irracional, por eleitores que sabem muito pouco (ou praticamente nada) sobre os projetos nacionais e o que se passa na cabeça de cada um deles.
No Brasil, os partidos políticos são apenas instrumentos para um populista chegar ao poder, como fez Jânio Quadros, que usou o nanico PTN em 1961 (em coligação com a UDN, então um grande partido). Fernando Collor de Mello, que inventou o PRN em 1989.
Jair Bolsonaro valeu-se dos préstimos do PSL em 2018. Não houve sequer um eleitor de qualquer um deles que se importasse com os partidos que lhes serviram de barriga de aluguel.
Dos populistas históricos brasileiros, apenas Getúlio Vargas tinha um projeto nacional, apesar da ditadura do Estado Novo. Eleito em 1950, montou na volta ao poder uma equipe econômica de elite, o que de melhor havia no país, e formou um ministério que mesclava liberais e esquerdistas, o que exigia enorme habilidade.
Criou o BNDE (depois BNDES), a Petrobras, a Eletrobrás, a Fundação Getúlio Vargas, em um projeto modernizante, de formação de quadros dirigentes, e que fortaleceu as bases para a industrialização do país, que ele próprio havia iniciado como ditador.
Leonel Brizola reapareceu anistiado em 1979 com ideias semelhantes: estatista, autoritário e totalmente extemporâneo. Foi atropelado por Lula e o PT, que não tinham exatamente um projeto nacional, mas de poder. Buscavam o controle permanente e hegemônico do Estado.
Jair Bolsonaro elegeu-se graças à rejeição de grande parte do país à corrupção, aos governos petistas, e com apoio de uma forte corrente liberal, que se aliou à ultradireita brasileira. Tudo isso, porém, é invisível para o eleitor comum, que se fixa na idolatria pelos “mitos” e um exacerbado moralismo.
As próximas eleições, em 2020, já terão mudanças importantes, como a proibição de coligações entre partidos na disputa para a Câmara dos Deputados. As coalizões eleitorais pelo sistema proporcional de votos criam distorções absurdas no Congresso Nacional, como os efeitos Enéas Carneiro e Tiririca.
Com votação gigante, carregaram juntos para a Câmara um bando de oportunistas. No Distrito Federal, chegamos a ter em 1990 o candidato a deputado federal pelo PRN Paulo Octávio como mais votado dentre todos, sem conseguir a vaga. Foi derrotado pelas coligações.
A cláusula de barreira também deverá reduzir o número de partidos. Só poderá ter representação no Congresso os que obtiverem um percentual mínimo de votos no território nacional.
Ninguém pode governar um país com mais de 30 partidos e “líderes” de coisa nenhuma, cheios de prerrogativas. O ideal seria que essas mudanças levassem no futuro a alguma forma de parlamentarismo, um sistema de governo que se baseie em projetos e ideias, em vez de figuras carismáticas com ambições meramente pessoais.
* Cezar Motta é escritor e jornalista