Desde a era analógica, os grampos sobre conversas desprevenidas são fatais. Nem os mais cautelosos escapam. Na virada para a captação digital me espantou ouvir gravações comprometedoras antes mesmo das chamadas serem atendidas, mágica do Guardião, uma tecnologia hoje obsoleta. Foi uma época em que os repórteres, com caneta, gravador e bloquinho de anotações, disputavam pau a pau com a polícia e procuradores a apuração dos fatos.
Todos que acompanharam o combate à corrupção nas últimas décadas em algum momento bateram de frente com a tecnologia. O maior choque foi no Caso Banestado. Ali, o volume de informações atropelou procuradores, auditores, polícia, repórteres, CPI, juízes. Foi um mega escândalo com resultados pífios. Serviu como berço da mudança tecnológica que resultou na Lava Jato, uma operação de ponta no mundo.
A enxurrada de grampos que o site The Intercept vem divulgando, pelo volume, intensidade e tropeços dos interlocutores, com certeza arranham Sérgio Moro e a Lava Jato. Eles não podem mais continuar posando de vestais. Mas o que fizeram de diferente? Foram flagrados em grampos que mostram uma troca de figurinhas, de legalidade duvidosa, mas banais entre polícia, promotores, advogados e juízes em todas as instâncias, da delegacia da esquina ao STF. Políticos e jornalistas também são interlocutores frequentes desse tipo tortuoso de conversa.
Hipocrisias à parte, esse é o jogo o tempo inteiro jogado entre os poderes. Às vezes de forma escancarada, como na parceria dos então presidentes do STF, Ricardo Lewandowski, e do Senado, Renan Calheiros, para dar uma pedalada na Constituição para aliviar as punições no julgamento do impeachment de Dilma Rousseff. Foi tão escandaloso que até hoje não foi apreciado pelo plenário do Supremo.
O que também chama muita atenção nessa denúncia que começou com a publicação no site The Intercept são seus desdobramentos. Antes mesmos de divulgarem novas conversas interceptadas, os jornalistas do site dizem ter muito mais gravações e saem atirando em entrevistas a outros órgãos de imprensa, envolvendo outros personagens como o ministro do STF Luiz Fux. Ele aparece citado em mensagens grampeadas atribuídas ao procurador Deltan Dallagnol.
O mais grave em meio a todo esse oba oba é constatação de que essa operação contra a Lava Jato grampeou procuradores, juízes, políticos, jornalistas pelo menos em Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Vai muito além de uma suposta vingança contra Sérgio Moro. Apresenta-se como uma conspiração de grande monta, que mira nas principais investigações sobre corrupção no país. E isso põe em xeque o estado democrático. O Ministério Público e a Polícia Federal têm que ir fundo na apuração dessa história.
O que também deve ser desvendado é se o autointitulado hacker, que assumiu o controle do telefone de um procurador do Conselho Nacional do Ministério Público, e tripudiou dos investigadores, é mesmo o autor da grampolândia na Lava Jato. Ou se é apenas um fator de distração. Nunca vi fonte anônima, preservada por jornalistas, vir a público se gabar do feito.
A conferir.