O jeitão binário de Bolsonaro de alguma forma deu conta do recado em sua surpreendente trajetória até o Palácio do Planalto. O exercício do poder, no entanto, em especial numa democracia, abre um leque de alternativas e diversifica os conflitos. Por mais apego que se tenha, a caixinha fica estreita e o governante tem que sobreviver fora dela. Costuma ser dolorido.
Quem se elege presidente da República, chega sempre a Brasília com a inebriante sensação de poder. O cacife é muito grande. Às vezes é menor do que avaliam mesmo quem desembarca com boas cartas na mão. Dilma Rousseff, por exemplo, se encantou com o papel de faxineira da República, e saiu varrendo aliados corruptos até que foi enquadrada por seu padrinho Lula, o fiador dessas alianças. Continuou arrogante, mas nunca mais foi a mesma.
Jair Bolsonaro, que conseguiu a proeza de se eleger à revelia das forças políticas tradicionais, com um probleminha aqui e outro acolá, montou seu ministério do jeito que quis. Com direito a dois superministérios, pilotados por Paulo Guedes e Sérgio Moro. Nas demais áreas, apostou em quadros militares e em algumas polêmicas indicações de Olavo de Carvalho, bancadas por seus filhos.
Olavo de Carvalho e discípulos, com uma confusa revolução em mente, trombaram com a disposição dos militares de organizar um governo funcional. Entenderam que seria mais do mesmo e botaram para quebrar. O que causou surpresa é que Bolsonaro, de quem se esperava uma arbitragem mais isenta, tomou partido dos “ideólogos” na aposta no conflito permanente com todos os que deles discordavam, adversários ou não. Essa brigalhada interna enfraqueceu o governo.
Abriram o flanco e o Congresso partiu pra cima. Em crise de abstinência de cargos e verbas, o Centrão, estimulado por Rodrigo Maia, se propôs a ser ponta de lança dessa ofensiva. A oposição embarcou na onda. Bolsonaro não soube — ou não quis — administrar o jogo e seu governo virou saco de pancada no parlamento. Nenhuma derrota ainda definitiva, mas um desgaste diário e um preço cada vez mais salgado.
Como a reforma da Previdência de alguma maneira estava blindada, dava para esticar a corda mais um pouco. Dois problemas na cozinha de Bolsonaro azedaram a situação. Um deles, o conflito entre os generais e os Olavetes, irritou ainda mais os militares porque o presidente deixou claro que estava do lado dos filhos. Mas a reação, dentro e fora da caserna, ao tiro covarde de Olavo de Carvalho no general Villas Bôas, hoje um ícone nas Forças Armadas, fez com que até o desbocado guru pisasse no freio.
No meio desse entrevero, surgiu o tsunami que atropelou Flávio Bolsonaro, com indícios contundentes de uma longa maracutaia, com potencial de envolver todo o clã Bolsonaro. Diante da avalanche de dados divulgados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, o presidente reagiu com previsíveis bravatas, tipo “querem me pegar, mas não vou conseguir”. O fato é que, nessa entrevista, ele mesmo acabou falando em impeachment, uma palavra que cada vez mais assusta o seu entorno.
Nesse vai e vem das marés, o general Santos Cruz, cuja cabeça havia sido posta a prêmio pela turma de Carlos Bolsonaro e Olavo de Carvalho, recebeu poderes extraordinários como fazer o filtro final nas nomeações para o segundo e terceiros escalões, inclusive de embaixadores e reitores de universidades federais. E, de quebra, foi incluído na comitiva presidencial para a viagem a Dallas. Olavo de Carvalho passou recibo: disse que, como haviam preferido apostar nos militares, deixaria de palpitar sobre as questões internas no governo Bolsonaro. A verificar.
Se conseguir reagrupar os militares, mesmo fragilizado com o Caso Flávio Bolsonaro, ganha algum fôlego para outros embates, inclusive no Congresso. A dúvida é sobre a estratégia que vai adotar. Suas últimas manifestações indicam que ele se prepara para o confronto, buscando unir suas bases políticas contra a tentativa dos políticos de lhe colocarem um cabresto. Uma opção errada pode custar caro.
Suas escolhas, não necessariamente suas preferências, vão definir seu futuro politico.
A conferir.