O Centrão é ponta de lança em jogos paralelos nos quais tenta tirar proveito das duas grandes apostas do governo Bolsonaro: o projeto econômico de Paulo Guedes, que tem a reforma da Previdência como carro-chefe, e o pacote anti-crime de Sérgio Moro para o combate à corrupção e ao crime organizado. Aplica em ambos o modo de agir do seu mentor Eduardo Cunha — uma mistura de ousadia e gula.
Teve, assim, seu apogeu no impeachment de Dilma Rousseff e nadou de braçada na gestão Michel Temer. Sempre como força auxiliar de outros protagonistas. Escanteado por Jair Bolsonaro, o Centrão não se conformou. Busca recuperar nacos de poder criando dificuldades na expectativa de uma recompensa para facilitar a vida do governo no Congresso. É na tramitação da reforma da Previdência, com ameaças de se aliar à oposição puxada pelo PT na forte trincheira das poderosas corporações estatais, que vem valorizando seu cacife.
Conseguiu, por exemplo, abrir espaço para indicar apadrinhados nos cargos federais nos estados e destravar a liberação de verbas para seus reduto eleitorais, atendendo aos pedidos de aliados que vão disputar as eleições municipais ano que vem. Isso deu um alívio, mas não aplacou o apetite do Centrão e assemelhados. Esperam ganhar mais em outra frente de atuação.
O Centrão também joga suas fichas na necessidade do Planalto de aprovar a Medida Provisória 870, com a reforma administrativa que, entre outras coisas, reduziu de 29 para 22 o número de ministérios. É aí que alia a fome à vontade de comer. Dirigentes e líderes dos partidos do Centrão, alvos de processos por corrupção desde o Mensalão no governo Lula, também caíram na rede da Lava Jato e há tempos tentam algum tipo de anistia para escapar da cadeia.
Na ótica deles, se a situação já estava ruim, com a penca de novos poderes adquiridos pelo agora ministro Sérgio Moro, pode ficar pior. Daí a adesão militante à avaliação dos ministros do STF Gilmar Mendes e Dias Tofolli, endossada por Rodrigo Maia, de que a Lava Jato, sob o comando de Moro, executa um projeto para controlar todos os poderes da República. O plano deles é cortar as asas da turma de Curitiba.
No STF, Tofolli, a partir do controvertido inquérito a pretexto de investigar fake news contra o tribunal, começou a executar o plano para barrar a Lava Jato, chamada de “milícia” por Gilmar Mendes. Na arbitrária e fracassada censura aos sites da revista Cruzoé e O Antagonista, o que eles justificavam nos bastidores é que os dois veículos faziam parte dessa conspiração, que também teria braços na Receita Federal e em outros órgãos estatais.
Por esse script, endossado por Rodrigo Maia, caciques políticos e ministros do STF, o Congresso “desossaria” o pacote anti-crime, anularia os novos poderes atribuídos a Sérgio Moro, e o deixaria na berlinda. Alguns apostavam que ele pediria o boné, reduzindo a influência no governo dos funcionários públicos empenhados no combate à corrupção. Para o Centrão, haveria um ganho adicional: governo mais frágil resistiria menos à pressão política para lotear a administração.
Semanas atrás se acharam vitoriosos. Deram como certo que o estratégico Coaf voltaria para a área econômica. Diziam que Jair Bolsonaro estava arrependido da mudança e só havia concordado com o pedido de Moro por não saber o alcance da atuação do Coaf. Contabilizavam o apoio do clã Bolsonaro: o primogênito Flávio, ele próprio alvo de relatório do Coaf, teria acenado nesse sentido em conversas com colegas no Senado. Apesar de senador, Flávio parece ser o menos influente na família. No Twitter, Carlos Bolsonaro, o filho mais influente, tem feito reiteradas manifestações de apoio a Sérgio Moro.
Assim, o Coaf entrou de vez na berlinda. Dias atrás, o senador Fernando Bezerra, relator da MP e líder do governo, chegou a atender a tropa anti Moro. O próprio Bolsonaro disse a Rodrigo Maia e à imprensa que havia concordado com a mudança. Moro chiou. Bolsonaro recuou até para evitar uma crise com Moro no momento em que tenta apagar um incêndio entre suas principais forças de sustentação — a guerra entre os generais do governo e a ala ideológica do guru Olavo de Carvalho, apoiada por seus filhos. Até para Bolsonaro parece confusão demais.
O governo topou pagar um preço alto por isso. Depois de trombetear durante meses que vetou o toma lá, dá cá na escolha de seus ministros, Bolsonaro aceitou recriar os Ministérios das Cidades e da Integração Nacional, duas poderosas máquinas eleitorais, para atender o Centrão na Câmara e seus aliados no Senado. Vitorioso, o Centrão aproveitou a brecha para barganhar mais.
O nome mais cotado para as Cidades é o do ex-ministro Alexandre Baldy, do PP, cuja gestão no governo Temer agradou a outros partidos do Centrão, e a seu padrinho Rodrigo Maia. O PP, agora, alega que Baldy é mais da cota de Rodrigo Maia do que da deles, e cobra mais, com a ameça de se alinhar às oposições para tirar o Coaf de Moro. Ousadia e gula como sempre.
Escaldados em fracassos anteriores, Rodrigo Maia e o Centrão sabem que, mesmo se vencerem a batalha na Câmara, a chance de sofrerem uma derrota no Senado é grande. Ali, os senadores são muito mais sensíveis à pressão das redes sociais, em que Sérgio Moro vence de goleada. Mas a hipótese de um flerte do Centrão com as oposições na Câmara virar namoro na votação da Previdência, com força para desidratar a reforma, pode quebrar o outro pilar de sustentação do governo.
A conferir.