Ao proclamar, na entrevista à Folha e ao El País, que tem “obsessão em desmascarar Moro, Deltan Dallagnol e sua turma”, Lula apenas reforçou seu lado na guerra que se trava em Brasília envolvendo grandes forças políticas e os poderes da República. Quase quatro meses depois da posse do governo Bolsonaro, Sérgio Moro e a Lava Jato continuam sendo o principal x dessa questão.
São os adversários a serem batidos na ofensiva de ministros do STF, como Gilmar Mendes e Dias Tofolli, que, com o inquérito aberto a pretexto de apurar fake news sobre o Supremo, querem enquadrar procuradores da República, policiais federais e auditores da Receita Federal nas investigações sobre corrupção. Na ótica desses ministros, a Lava Jato extrapolou os limites legais. Uns veem ações fora da lei. Gilmar Mendes as compara com as milícias.
O que eles dizem, em conversas reservadas que alimentam outras ofensivas contra Moro e a Lava Jato, é que a censura a dois sites jornalísticos foi apenas um tropeço, as investigações prosseguem. A promessa é de que, ao fim e ao cabo, de alguma maneira vão demonstrar que Sérgio Moro e sua turma conspiraram para controlar os poderes da República.
Seus interlocutores no Congresso, partidos políticos, grupos de criminalistas, outros tribunais trocam figurinhas o tempo todo. Mensagens trocadas em grupos de WhatsApp, que nada ou pouco têm a ver com petistas, mantêm cerrado tiroteio contra Moro e a Lava Jato. Às vezes, exploram graves erros da chamada República de Curitiba, como a tentativa de criar e administrar um fundo bilionário com a devolução de parte do dinheiro roubado da Petrobras. Um escândalo em si só.
Forçam a barra em outras supostas trapalhadas da Lava Jato. Fizeram barulho, por exemplo, com o acordo de leniência que os procuradores fecharam no Paraná com a empreiteira CCR, concessionária de rodovias, para a devolução de dinheiro surrupiado dos contribuintes. Disseram que a Lava Jato estava usando o dinheiro para autopropaganda, em seu propósito de cada vez mais se tornar uma influente força política. Trataram o acordo como uma absurdo.
Na realidade, o acerto, que entrou em vigor nessa sexta-feira (26), estabelece uma redução de 30% nas tarifas de pedágio durante um ano, e a colocação pela concessionária de grandes placas nas rodovias explicando a razão do desconto: “O valor do pedágio foi reduzido em 30% porque recursos provenientes de corrupção foram recuperados pela Operação Lava Jato e aplicados em benefício do usuário”. Nada a opor. Tomara que vire exemplo.
Nos bastidores do Congresso Nacional, especialmente na Câmara, acompanha-se atentamente o que rola no STF e, evitando trombadas de frente, afinal Moro continua muito popular, a ordem é esvaziar seu pacote anticrime. O alvo principal são as medidas contra a corrupção.
Mas antes disso querem aprovar mudanças que reduzam os poderes do superministério da Justiça e Segurança Pública na votação da medida provisória 870, a primeira do governo Bolsonaro, que promoveu a reforma administrativa. Reduziu, por exemplo, o número de ministérios de 29 para 22. Se houvesse clima, eles recriariam o Ministério da Segurança Pública, bandeira defendida pelo senador Major Olímpio e o deputado Capitão Augusto em nome da bancada da bala.
Líderes políticos do Centrão e assemelhados, que orbitam em torno de Rodrigo Maia, desaconselham medidas que pareçam encurralar Sérgio Moro. Dizem que preferem derrotá-lo com o jogo político, no qual lhe falta jogo de cintura. Já comemoram algumas conquistas — a principal delas será a devolução do Coaf ( peça estratégica no modelo de Moro de combate à corrupção) da Justiça para o Ministério da Economia. Em um ou outro lugar, o Coaf continua sendo um qualificado e respeitado órgão técnico, inclusive no exterior.
Outra provável vitória dessa turma é tirar das asas de Moro a Coordenação-Geral de Registro Sindical, uma antiga fábrica de pelegos que, segundo a Polícia Federal, há tempos virou grande fonte de lucro de funcionários e políticos corruptos. “De fato não parece que o Ministério da Justiça seja o local mais adequado para o registro sindical”, diz o relator da MP, senador Fernando Bezerra (MDB), que também é líder do governo no Senado.
A mudança mais importante pretendida pelos caciques políticos nas propostas de Moro é a que estabelece em lei que, a partir da condenação em colegiado na segunda instância, o réu pode começar a cumprir pena. É com base na atual jurisprudência do STF com esse mesmo entendimento que, há mais de um ano, Lula está preso na Superintendência da PF em Curitiba, onde nessa sexta-feira concedeu entrevista a dois veículos de imprensa.
A avaliação entre esses líderes é que no Senado esse projeto de Moro será aprovado. Querem barrá-lo na Câmara. Dispõem de algumas alternativas. Uma delas é retardar sua tramitação, mantendo o projeto na gaveta de relatores escolhidos a dedo. Outra é a interpretação de que sendo questão constitucional uma lei sempre será provisória, sujeita a revisão do STF. O caminho mais adequado, portanto, seria autorizar a prisão a partir de segunda instância por emenda constitucional. Seria, de fato, uma solução definitiva. O problema é que sua aprovação seria muito mais difícil.
A conferir.