Paulo Guedes é uma figura simpática.
Até bonachão – eu diria – não fosse o chilique de quem morou tanto tempo longe do Brasil e por isso desconhece palavras fora de moda, como “tchutchuca” e “tigrão”.
Por que será, porém, que ele não entregou logo as memórias de cálculo usadas por sua equipe para chegar à proposta entregue à Câmara dos Deputados? E de onde ele tira a economia de R$ 1,0724 trilhão em 10 anos (agora revisada para R$ 1,236 trilhão)?
Antes de responder se a Reforma da Previdência é necessária, é preciso fazer outra pergunta: é esse o único caminho para sanear as contas públicas? Ou haveria outros modos?
A escolha do caminho mostra a quem você serve de fato. Se você não está preocupado com a estúpida desigualdade social que viceja no Brasil desde a colonização, no limite você vai ter de sair por aí de tacape em punho a matar os pobres velhos, ou velhos pobres, como se queira, ou a limitar nascimentos. Mas se você limitar nascimentos, também não vai dar certo porque é do trabalho dos jovens que vivem mais tarde os velhos, quando se aposentam pelo sistema atual.
E também não adianta matar qualquer velho porque há velhos que não oneram o Tesouro Nacional, porque vivem a sua doce velhice às custas do que aplicaram ou foi aplicado em vida por seus parentes diretos, ricaços. E esses velhos vivem de rendimentos financeiros, transações e de aluguéis e outros “bicos” da fortuna que armazenaram. E no conjunto da população, esses são poucos. Matá-los não vai resolver o rombo fiscal até porque você estaria sinalizando para os investidores que aqui em Pindorama não se respeita o que foi “duramente acumulado”.
Paulo Guedes é um velhinho simpático (ôpa, ele é mais novo que eu!…) e se você engolir de cara a receita de que a m… é a Previdência, cheia de privilegiados, nem vai prestar atenção que se ele conseguisse acabar de fato com as aposentadorias acima do limite do INSS, incluindo aí juízes, promotores, militares, parlamentares, consultores do Legislativo – o rombo não seria sanado no valor total a que ele quis chegar. Entendeu?
Então Paulo Guedes sentou a pua nos que ganham pouco de aposentadoria – mas são mais numerosos – e de troco ainda pôde fazer uma graçola com os militares, subindo a remuneração deles no bojo de uma “Reforma da Previdência”…
Quem quer que atente para a estimativa de impacto da “Nova Previdência”, constante da exposição de motivos que justifica a proposta de emenda constitucional , constatará a intenção primeira do governo de se fazer economia, em termos absolutos, em cima dos mais pobres. (Vide página 66 da proposta encaminhada à Câmara).
Em que pese o sigilo imposto às memórias de cálculo dos órgãos governamentais, fato é que o Ministério da Economia reconhece que o ajuste deve recair, essencialmente, sobre o Regime Geral da Previdência Social (benefícios do INSS) e sobre a Assistência Social e o Abono Salarial do PIS-Pasep.
Quanto a este, a proposta do governo atinge duplamente os pobres: faculta-se o acesso ao abono anual somente a quem ganha até um salário mínimo (atualmente, o teto são dois salários mínimos); e reduz-se o total de recursos repassados ao BNDES (de 40% para 28% da arrecadação), nos termos do artigo 239 da Constituição, o que implicará menos crédito para investimentos e, portanto, menor geração de empregos.
Em consequência, do total de R$ 1,0724 trilhão que o governo pretende economizar com a “Nova Previdência”, nos primeiro s 10 anos, R$ 715 bilhões incidem sobre gastos do Regime Geral; e R$ 182 bilhões sobre dispêndios com Benefício de Prestação Continuada (BPC) e com o Abono Salarial.
Ou seja, o esforço de poupança será bancado em 83% do valor global (R$ 897 bilhões) pelos menos aquinhoados economicamente. Tudo isso aparece claramente na tabela que apresenta um sumário do impacto da proposta em tramitação.
No mais, referências como a medida provisória de combate às fraudes (será que ela vai resolver o problema?) e um projeto de lei de aumento da efetividade da cobrança da dívida ativa. Quanto a esse item, quero estar viva para ver o governo atual cobrar dívidas de poderosos como Bradesco (R$ 575 milhões), Marfrig (R$ 1,16 bilhão), Santander (R$ 218 bilhões) e JBS (R$ 2,4 bilhões), por exemplo.
Pena que hoje no Congresso Nacional poucos põem o dedo na ferida, propondo trocar a Reforma da Previdência por uma Reforma Tributária progressiva e incidente sobre renda e patrimônio dos ricos e simplificada em relação à tributação do consumo, como, aliás, é o que ocorre no âmbito da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a que o Brasil pretende aderir.
Mas isso já é outra história.
* Sandra Starling é advogada e mestre em Ciência Política pela UFMG