Mais barulho no porão do navio. A visita do vice-presidente Hamilton Mourão à China, agora em maio, tem vários ingredientes para inflamar a polêmica com os filhos do presidente da República.
Embora seja uma missão de rotina, enquadrada dentro dos tratados e protocolos bilaterais, será encarada perigosamente como mais uma ação de desmonte da política externa do chanceler Eduardo Araújo.
Mourão não quer guerra
Aí está uma das principais fontes do atrito entre o vice e os familiares do presidente Jair Bolsonaro (leia-se filhos). Isto ficou claro quando um dos ataques (ou contra-ataques, na visão dos rapazes) ao general Mourão deixa escapar que grande parte da irritação vem da atuação do general para botar panos quentes no relacionamento com Caracas.
Os fundamentalistas do segmento atribuem a Mourão e, por extensão, aos militares do Governo, a desmobilização dos ânimos para uma intervenção na Venezuela. Os generais do governo deixaram bem claro que não repercute bem nas Forças Armadas a ideia de colocar-se em pé de guerra contra um país vizinho.
Entretanto, um ponto importante da nova política externa brasileira é colocar-se ao lado dos Estados Unidos em áreas “quentes”. Se, para isto, seria importante um gesto como o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, muito mais apropriado para um país sul-americano conseguir protagonismo mundial seria uma ação de alta virulência na sua área de influência. Neste caso, o Brasil estaria em posição de protagonista, defendem os novos ideólogos do Itamaraty.
Não significa que se imagine mandar as tropas atravessarem a fronteira venezuelana, mas apenas permitir que se arme um dispositivo com credibilidade no território brasileiro capaz de chamar o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, às falas ou gerar sua deposição por forças internas. Seria uma grande vitória para os partidários desta vertente.
Missão no Oriente
A missão do vice-presidente ao Extremo Oriente não está ligada às relações com a Venezuela. Embora a China esteja patrocinando Maduro, as agendas em Pequim (o único destino de Mourão), estão ligadas a um profundo e extenso relacionamento que vinha de muitos anos.
A pauta retoma um protocolo de vice-presidentes que esteve interrompido porque, com a queda de Dilma Rousseff e a ascensão do vice-presidente Michel Temer à Presidência, o processo ficou parado. Os chineses não aceitaram outra fórmula, e as reuniões se deram no nível de chanceleres.
Agora voltam aos vices. Mourão não deixou barato e vai encontrar seu colega Li Yuanchao, o vice do maior PIB do mundo pele paridade de poder de compra.
Esta agenda inclui cooperação científica, espacial, ciência, tecnologia e até comercial e econômica. Justamente nestas áreas está se produzindo a fissão entre os governos de Pequim e de Brasília, consequência da nova política externa bolsonariana.
Falou, está errado
Portanto, é gasolina para alimentar a fogueira nos bastidores do governo. Diga o que disser em entrevistas e declarações, Mourão será admoestado no Palácio do Planalto, onde cresce um movimento de pressão para a esterilização ou, no mínimo, congelamento do vice-presidente.
Isto explica a campanha do guru Olavo de Carvalho contra o vice e, já avançando, contra outros generais. O segmento militar do governo é um estorvo a alguns projetos da política externa, que objetivam, ao fim e ao cabo, projetar o Brasil na proa dos acontecimentos mundiais.