O presidente Jair Bolsonaro completou cem dias de governo. Apesar de todos os clamores ele:
Não desceu e nem descerá do palanque;
Não é e nem será produto de assessorias especializadas em gestão de crise;
A linha populista é predominante e isso não mudará, assim como os filhos, membros desta ala, não são meros parentes, são o “comitê central” bolsonarista. A recente mudança no MEC não deixa dúvidas a respeito;
O que é vendido como “trapalhada” faz parte de uma estratégia de mobilização social permanente da base bolsonarista, para que o governo não fique refém do sistema político;
Bolsonaro não cedeu e, provavelmente, não cederá ao toma lá dá cá;
O projeto de governo é uma mudança cultural conservadora nos costumes, para o que é preciso uma aliança com os liberais na economia (não os “neoliberais” como conhecidos nos anos 90, mas tidos como os raízes mesmo).
O governo só foi um fracasso para os que acreditaram que Bolsonaro viveria um dilema de Tostines: é esperto porque vai negociar ou vai negociar porque é esperto; os que pensaram que Bolsonaro via a Reforma da Previdência como a grande agenda do governo e, por isso, ganhariam muito em negociação de cargos e recursos; e os que supuseram que o personagem da campanha era apenas uma tática eleitoral, ignorando o fenômeno que tem levado à ascensão do populismo de direita no mundo.
O mantra da moda em Brasília é que não existe nem velha nem nova política, mas boa política. Uma referência de “boa política” para deputados, senadores, governadores e prefeitos sempre foi o ex-presidente Lula. Ele, ironia do destino e segundo os autos da Ação Penal 470, teria comprado votos no Congresso Nacional, em 2003, para aprovar a Reforma da Previdência. A crise que foi consequência do Mensalão o obrigou a recompor o governo com base no presidencialismo de coalizão. Antes isso do que comprometer a agenda social, segundo raciocínio da situação na época.
Na antessala do Impeachment de Dilma Rousseff, o sistema político “vendeu” Lula, que tentava assumir a articulação do governo Dilma na Casa Civil. Boa política?
No planalto central, boa política parece sinônimo de conversar, ouvir, receber, retornar. Mas, se de fato assim o fosse, a Câmara e o Senado não teriam sofrido tamanha renovação. Rousseff é uma referência de má política, não gostava de conversar, ouvir, receber, retornar, certo? Certo, mas, principalmente, tentou enfrentar o sistema político com medidas administrativas, ceifando algumas indicações políticas de cargos em estatais, uma das origens da operação Lava Jato. Disseram ao mercado que a causa do Impeachment fora a força dele, por causa da política econômica. Conversa.
Se Rousseff não tivesse a popularidade tão baixa não teria caído, mas prometeu proteger empregos e salários, e não mexer em direitos “nem que a vaca tussa”. Entregou inflação e desemprego de dois dígitos. Ficaria se, no meio da tempestade perfeita, tivesse anunciado um pacote de combate ao desemprego, por exemplo. Se reconquistasse a classe C, D e E, poderia continuar até rechaçando o achaque de Eduardo Cunha, segurando-se na opinião pública. Não que fosse o certo ou o errado, as pessoas tem duas preocupações essenciais, que é a reprodução das suas condições de vida e a integridade desta: trabalho e segurança. Como o PT, aos olhos da maioria, deu e tirou a primeira coisa, a sociedade migrou pata a segunda, contra o próprio petismo. Coisa comum é bolsonarista ex-lulista, que acha que, infelizmente, o petista usou sua inteligência para “roubar”. Mesmo assim , Rousseff tentou trazer o Centrão para as vagas abertas com a ruptura do MDB. Só que havia a negociação com ela e outra com Temer, numa espécie de “tomada de preços”. Boa política?
Já Michel Temer foi coerente com sua chapa de 2014 e preservou a impopularidade recorde, perdendo uns pontinhos a mais que Rousseff. Garantiu-se com o Congresso, não aprovou a Reforma da Previdência. Na época, estava em vigor a ilusão (com a qual jamais concordei) de que a sociedade queria um candidato de centro e Temer não poderia se fortalecer para ser o maestro do jogo. Livrá-lo de um segundo tempo de Impeachment era o máximo. E ele fez jantares espetaculares para explicar seus projetos aos políticos e valorizá-los, algo que chamei de “revolução na governabilidade”. Com o fim do mandato, Temer foi preso e responde a 10 inquéritos, sendo réu em 4. Boa política?
Se os ensinamentos e conselhos de Brasília estivessem funcionando, Geraldo Alckmin seria o presidente. Por isso, depois de assustar o governador paulista com a hipótese de fechar com Ciro Gomes, Maia levou a maior coligação e tempo de mídia para o tucano. Pensava-se que isso era a base para o sucesso. Todos conhecem o final. Boa política?
E é o mesmo raciocínio que quer que Bolsonaro “faça política”. Ele está fazendo, ao modo dele. Conhece o roteiro de um Impeachment, afinal sua direita alternativa foi muito mais decisiva nas ruas e nas redes para depor Rousseff do que os trezentos e tantos votos que cassaram o mandato dela. Com 9 segundos e sem ir aos debates, levou 57 milhões de votos e desbancou a “ideia Lula”. Bolsonaro foi parlamentar por 28 anos, sabe muito bem que derrubar presidente e estimular a traição de vices é um hobby em Brasília. Ele joga para o espírito do Impeachment e não para os rituais brasilienses. Entrou pela janela dos outsiders. Por isso, ele disse que é militar e não político. A realpolitik surtou.
O que ele faz agora é cuidar para não ser Dilma e com a queda de aprovação a tendência será, principalmente, questionar os procedimentos políticos que lhes são cobrados. Hoje, isto é muito popular, ainda mais por meio da comunicação direta via redes sociais. Com certeza, o presidente não vai esperar correr o risco de ficar na mão do Congresso, pedindo para respeitarem a democracia.
Mourão como alternativa? É bom já ir e acostumando que o ídolo nos quartéis é Bolsonaro e que uma saída liderada por um parlamento tão malvisto, no presente contexto, é pouco crível de ser apoiada pela sociedade.