Pelo andar da carruagem, a Lava Jato terá hoje a sua primeira derrota marcante no STF. O que está em jogo é se, flagrados em falcatruas eleitorais, crimes comuns como corrupção, evasão de divisa e lavagem de dinheiro podem ser julgados pela Justiça criminal. Ou, como preferem 100% dos denunciados, apenas pela Justiça Eleitoral. Com os votos proferidos nessa quarta-feira (13) por Marco Aurélio Mello e Alexandre de Moares, se quatro outros ministros — Celso de Mello, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski — mantiverem posições anteriores, a fatura estará liquidada.Todos os casos assim configurados passam para a Justiça Eleitoral.
Como em outras contendas, a turma de Curitiba bateu bumbo. O porta-voz Deltan Dallagnol afirmou que, se prevalecer essa posição, será o fim da Lava Jato. Outras vozes influentes fizeram alertas. “Corremos o risco não só para o futuro das investigações da Lava Jato, mas para tudo o que ela fez até hoje. É delicado. É quase inacreditável que haja uma intenção real de se tomar essa decisão. Porque podem jogar cinco anos no lixo ( próximo domingo é o aniversário de cinco anos da Lava Jato), por uma questão técnica sem relevância”, advertiu o procurador Carlos Fernando Santos Lima.
Os alertas pareciam de bom tamanho. Mas, no embalo de que ninguém segura os investigadores da Lava Jato, o procurador Diego Castor escreveu um artigo para o site O Antagonista subindo ainda mais o tom. Disse que a Segunda Turma do STF, “a turma do abafa”, há tempos vinha ensaiando esse golpe na Lava Jato. Mesmo reconhecendo que esse entendimento estava de acordo com o Código de Processo Penal, ele detonou: “Como no Brasil todo político corrupto pede propina a pretexto de uso em campanhas políticas, se o entendimento da turma do abafa sobressair, praticamente todas as investigações da Lava Jato sairiam da Justiça Federal e iriam para a Justiça Eleitoral, isto incluindo complexas apurações de crimes de lavagem de dinheiro transnacional, corrupção e pertencimento à organização criminosa”.
Lido por um advogado na sessão do Supremo nessa quarta-feira, o artigo do procurador Diego Castor virou mote para um coro em defesa da turma do STF e da Justiça Eleitoral. O presidente Dias Toffoli resumiu a reação do plenário pedindo à Corregedoria do Ministério Público para abrir um procedimento contra o procurador por “calúnia, difamação e injúria”. Soou apenas como dever de ofício.
Mas, o que pegou mesmo é a turma de Curitiba continuar se procedendo como nos tempos em que, quase sem armas, resistiu a ataques generalizados de caciques políticos de todos os naipes e de grandes grupos empresariais, com forte influência na alta burocracia estatal e no Judiciário. A roda girou. O superministro Sérgio Moro escalou a turma da Lava Jato para exercer poderes sem precedentes no regime democrático. “Algumas pessoas precisam amadurecer suas críticas. Não existe uma liga da Justiça sagrada contra o resto da Justiça que seria a liga do mal”, afirmou na justificativa de seu voto o ministro Alexandre de Moraes.
O ministro Alexandre arranhou a ferida. A Lava Jato nem é o primeiro sucesso de combate à corrupção a subir à cabeça após a Constituição de 1988. Desde o impeachment de Fernando Collor várias levas de parlamentares, procuradores, policiais e jornalistas viveram seus momentos de caça-corruptos. Muitos caíram pela estrada acusados dos mesmos malfeitos.
Além de resultados inéditos e espetaculares, como condenar e prender alguns dos maiores chefes políticos e empresariais do país, a Lava Jato espalhou Brasil afora a urgência de melhorar o trato com dinheiro público. Regras claras, contratos a prova de suspeita,
controle rigoroso e punição exemplar se andassem fora da linha. Essas condições funcionais mínimas parecem ser mais difíceis do que abrir o caminho da cadeia para os poderosos.
A própria Lava Jato pisou na bola ao negociar, no âmbito de um acordo entre a Petrobras e o governo americano, uma indenização em causa própria no valor de R$2,5 bilhões, mais da metade de todo o Orçamento do Ministério Público Federal para 2019. Pelo devaneio dos procuradores da Lava Jato, o dinheiro seria destinado a uma fundação de direito privado que o usaria para praticar o bem, mesma finalidade de 100% de todo o dinheiro público desviado no país. Por tudo o que esse país está cansando de assistir, em ene operações tidas como bem intencionadas, um provável alvo de uma futura investigação como a Lava Jato.
O que mais impressiona nem é que esse delírio precisou ser barrado. É que ele simplesmente tenha sido pensado.