Bem adaptado aos novos tempos, Renan Calheiros é um exímio guerrilheiro nas redes sociais. No melhor estilo franco atirador, como se a responsabilidade fosse apenas alheia, ele tem surfado na tragédia de Brumadinho. Nessa segunda-feira, aproveitou para também dar uma estocada em Sérgio Moro, que, no comando da Operação Lava Jato, rompeu o cordão de impunidade que sempre protegeu os caciques políticos de todos os naipes.
Escreveu Renan em seu tuíte: “Ministro Moro, quantas pessoas precisarão morrer para que a Polícia Federal faça alteração na diretoria da Vale? Antes que preciosos indícios desapareçam…Precisamos de sua veemência de sempre”. Depois, ele se corrigiu: “Para que a Polícia Federal faça operação. Desculpem o corretor”. Problema típico de corretor, mesmo que no caso pareça ato falho. Aliás, em outro post, Renan havia pedido o “afastamento cautelar” da diretoria da Vale.
A cabeça a prêmio mais vistosa é a do presidente da empresa, Fábio Schvartsman. Ele chegou à presidência da Vale no final de março de 2017, saudado como uma escolha técnica, entre outras opções com o mesmo por perfil, por uma empresa de caça talentos, uma iniciativa do governo Michel Temer que agradou ao mercado. Os bastidores da indicação contam uma história bem diferente.
A Vale é uma empresa singular. Mesmo privatizada, seu controle acionário, com forte participação de fundos de pensão e do BNDES, na prática assegura ao governo federal seu comando. Sua diretoria precisa do aval do governo de plantão, uma iguaria para os apetites dos cardeais da política. Ela sempre foi alvo de cobiça desde seus tempos de empresa estatal.
Dias antes do anúncio da escolha de Fábio Schvartsman, na famosa conversa grampeada em um restaurante num hotel de luxo em São Paulo, Aécio Neves se deu a confidências com o empresário Joesley Batista, o então todo poderoso dono da Friboi, maior produtora de carne do planeta. Em troca de favores, Joesley tentava emplacar na presidência da Vale Aldemir Bendine, o Dida, um executivo todo enrolado na Lava Jato.
Aécio explicou porque não dava mais para atender:
— Deixa eu te falar olho no olho. Vou falar pra você, eu não falei para ninguém. Eu nomeei o presidente da Vale. Nomeei hoje.
Aécio estava orgulhoso de sua artimanha: “Eu consegui uma coisa rara. Botei o cara dentro do head hunter. Fiz o cara pesquisar 20 pessoas. Ele teve aqui. Então, ele vai ser anunciado segunda-feira. O Temer não sabe o nome dele. Confiou em mim”.
Descartada a presidência, Aécio ofertou outras jóias da empresa. “A Vale é um mundo, Joesley. Estuda aí”. Como se sabe, a casa caiu antes.
A Vale nega que a escolha de seu presidente tenha sido manipulada. Teria Aécio sido apenas um fanfarrão, arrotando um poder que de fato não tinha? Não é isso que se falava em Brasília quando a Vale virou alvo de intensa disputa entre aliados de Temer, após o impeachment de Dilma Rousseff. O MDB mineiro, que pediu muito e levou pouco na gestão de Temer, cresceu o olho na Vale. Também aí foi descartado. Comprou a recusa pelo valor de face: “Temer disse que será um nome do mercado. Não vai ser do MDB e nem do Aécio”, declarou o então vice-governador de Minas Gerais, Antônio Andrade, um mês antes de Aécio se gabar com Joesley.
Quando se encontrou com Joesley, Aécio nadava de braçada no governo Temer. Era o principal avalista do apoio dos tucanos. Como outros caciques, estava incomodado com a Lava Jato. Em parceria com Renan Calheiros, com o aval do PT, tramava contra a Lava Jato e outras investigações sobre corrupção de políticos. Além de aprovar leis e medidas legislativas contra os investigadores, outro objetivo de Renan e Aécio era nomear um ministro da Justiça que escolhesse um chefe da Polícia Federal que brecasse a caça aos cardeais políticos.
O cacife de Aécio com Temer incluía a influência na Vale. Políticos capixabas e do Pará como os senadores Jader Barbalho e Rose de Freitas que, a exemplo dos mineiros, sempre mantém a Vale no radar, souberam antes que Aécio venceria a parada. Antes da conversa de Aécio com Joesley, numa roda no tradicional Cafezinho dos Senadores, um parlamentar revelava em off que Fabio Schvartsman seria o presidente da Vale, indicado por Aécio Neves, com o apoio de Renan Calheiros, então presidente do Senado.
Moral da história: O mundo gira, a Lusitana roda, e os políticos só são parceiros enquanto houver sucesso. O que sobra vira queima de arquivo.
Simples assim.