Os jornais informam que o presidente da suprema corte, Dias Toffoli, poderá determinar a votação secreta para a mesa (e para a presidência) do Senado, revertendo liminar monocrática do colega ministro Marco Aurélio Mello. Por analogia, o deputado eleito Kim Kataguiri pediu à corte a eleição aberta também para a Câmara.
Obviamente que não se trata de discutir a independência e a harmonia entre os poderes, tanto que o julgamento de mérito está na ordem do dia. Trata-se de política, como já quase tudo no Supremo Tribunal Federal.
De modo geral, analistas preveem que o voto aberto não favorece nem a candidatura de Renan Calheiros nem a de Rodrigo Maia, que goste -se ou não, representam o jogo tradicional de Brasília. E por quê? Porque está em questão permitir ou não ao novo governo tentar construir um Congresso Nacional alinhado consigo. Praxe de todas as gestões desde a abertura democrática. Só que este governo alega não querer conquistar o parlamento no padrão Nova República.
Quando se fala em autonomia do Legislativo em relação ao Executivo, em bom português, quer-se dizer um comando das casas que jogue nas duas pontas: na do governo e na da oposição (seja esta petista ou moderada), pelo que o presidente e sua agenda precisem se ajustar ao presidencialismo de coalizão pela cooptação. Tipo ser da base de Dilma e aprovar o Impeachment de Dilma afirmando coerência institucional.
“As reformas” viram o pretexto para a renovação do game, supostamente não de interesse apenas governista, mas “do país” e a despeito do mandato de 57 milhões de votos recebidos em eleição de poucos meses atrás. É a primeira alienação do voto, uma vez que o governo tem toda uma agenda própria para implementar. Mesmo que parte considerável da opinião pública discorde dela, e a ver caso a caso, há legitimidade para o governo querer ter a oportunidade de aprovar e disputar ela sem já partir refém de teses tais ou quais sobre o melhor republicanismo.
Um dos recados claros das urnas foi pela renovação e novas práticas. O papel fiscalizador do Congresso lhe garante que avalie, por diversos instrumentos, como pareceres do TCU ou CPIs, se a ação de governo estará de acordo com tal clamor, mas daí que forças queiram se estabelecer como poder moderador (e não legislativo) são outros quinhentos. Por isso que a votação aberta é um expediente, sim, legítimo para permitir a Bolsonaro governar em consonância com o ethos dos votos que recebeu neste aspecto, apresentando sua solução para os problemas fiscais, econômicos, sociais, políticos e éticos do Brasil. Se a equipe empossada tem preparo ou condições morais para isso são avaliações subjetivas. Não à toa, já há blocos de oposição moderada, possíveis entendimentos do PT com MDB e PP entre outras articulações em curso.
Afinal, qual o problema da transparência absoluta sobre as posições parlamentares? A mídia criticar ou saudar? O governo entender como aliados ou opositores? A sociedade, em suas múltiplas posições, conhecer a opção de cada um?
O voto secreto é legal regimentalmente, só que os próprios argumentos usados para defendê-lo revelam que muitos querem se poupar da crítica e das supostas consequências de contrariar o Executivo. Só que deputado e senador tem que ter partido, não é mesmo? Senão sequer poderiam se candidatar.
Neste debate não há jurídico, há político. E sem meias palavras, o voto secreto é uma trincheira contra Bolsonaro e sua agenda.
Circunstancialmente, o Congresso, se quer se proteger,e o Judiciário, se quer proteger o Congresso, têm que saber que o voto secreto deve aprofundar o desgaste e a desaprovação do parlamento em contraste com o apoio ao presidente e à instituições como as Forças Armadas, e à iniciativas como a Lava Jato (agora no poder). O resto são escolhas absolutamente conscientes.
Que comecem os jogos.