Armas, gênero e índios, zona de conforto de Bolsonaro, não bastam

A zona de conforto do capitão-mor Jair Bolsonaro são as armas, as questões de gênero, os índios e o meio ambiente. Destes temas, ele fala com desenvoltura e de forma genuína, pois diz o que pensa e o que seu eleitorado quer ouvir.

Tanto que, na campanha eleitoral, adotou uma fórmula criativa. Na contramão do que ensinaria qualquer marqueteiro, confessou que não entendia de economia.

Quando o tema fosse gestão pública ou congênere, o script determinava que o Posto Ipiranga falasse pelo candidato.

Caiu a ficha

A estratégia eleitoral deu certo. Bolsonaro venceu a eleição com 57,7 milhões de votos (39,23% do eleitorado).

Com a posse, ficou claro que não se tratava apenas de retórica de campanha. Ele, de fato, não entende de economia.

Mas, entendendo ou não, cabe ao presidente tomar as decisões. Eis que o candidato descobriu que presidente da República manda pra caramba.

Já o economista de estimação, Paulo Guedes, de alcunha Posto Ipiranga, empossado ministro percebeu que sua caneta Bic não tem tinta. Num regime extremamente centralizado, cabe ao principal mandatário tomar todas as decisões importantes. E, até mesmo, as não importantes.

Ocorre que Bolsonaro preparou-se para vencer as eleições, não para governar. Além disso, ele não tinha um partido forte para lhe dar respaldo, como soeu acontecer com FHC (PSDB) e Lula (PT) – que tampouco entendiam de economia.

Acidente eleitoral

A eleição do milico-deputado era improvável. Quase ninguém se preparou para uma mudança tão radical quanto a que vivenciamos em 2019, fim de um ciclo de 24 anos de mando à esquerda. Nem mesmo ele.

Próximo das eleições de 7 de outubro, as pesquisas de intenção de voto indicavam que Bolsonaro perderia para os demais candidatos no segundo turno. Em que pese a tendência acadêmica de achar que nada na política acontece por acaso, a eleição de Bolsonaro foi um acidente.

A vitória de Bolsonaro aconteceu porque a Lava-Jato foi bem-sucedida, porque Lula estava preso, porque a esquerda se dividiu, porque o PSDB se desmilinguiu, porque parte expressiva dos eleitores odeia o PT, porque Dilma Rousseff fez um governo desastroso e foi deposta, porque muita gente tinha medo das políticas de gênero, porque ninguém suporta mais a insegurança, por conta da patrulha do politicamente correto, porque Bolsonaro percebeu tudo isto, porque a maioria da cidadania é conservadora, etc. etc.

Salvaguarda

E daí com a zona de conforto bolsonariana? Daí que Bolsonaro não fez como outros presidentes, que se aprofundaram nos meandros da administração pública. Diferente de Lula e FHC, que, ademais, lideravam partidos estruturados e ideológicos.

Esnobado pelo establishment político, escarnecido pela mídia, ignorou todos. Chamou um economista de direita disponível, deu-lhe superpoderes, arrumou-lhe um epíteto marqueteiro (Posto Ipiranga) e foi cuidar de angariar votos nos terrenos que lhe rendem votos. Ou seja, armas, família, índios, meio ambiente e pederastia.

Não ter que falar de economia durante a eleição trouxe dupla vantagem. Primeiro, providenciou uma salvaguarda, já que evitaria discorrer sobre o que, assumidamente, ele não entende. Paulo Guedes “conhece muito, mas muito mais de economia do que eu”, reconheceu o presidente, há pouco.

Segundo, deixou o terreno livre para expressar seu pensamento genuíno, onde não precisa representar. Basta ser ele mesmo.

Mas acabou o treino; a bola está rolando. Se cumprir as promessas, o capitão-mor deverá facilitar a posse de armas, restringir a ação de ambientalistas, defenestrar petistas e jogar pesado contra marginais e meliantes do erário.

Deixa o Posto falar

Mas o que dizer sobre o tal do IOF? E a idade mínima para se aposentar? E a venda de empresas?

As falas do novo mandatário mostram um vai-e-vem de quem não tem familiaridade com os temas. Tampouco se preocupou em estudar.

Foi assim com a reforma da previdência (repleta de idas e vindas) e com as empresas públicas (às vezes privatiza, outras deixa como está).

No caso do IOF e do IR foi pior, pois evidenciou improviso inimaginável num tema sensível como tributos. Como fica a imagem de um presidente que é desmentido por um assessor de segundo escalão?

“Para tanto, Bolsonaro precisa assumir o leme ou determinar quem pode manuseá-lo. Como se fora um capitão de navio. Que, por enquanto, parece ao léu.”

Talvez mais prudente para Bolsonaro seja resgatar a sacada marqueteira da campanha eleitoral e deixar para Paulo Guedes os anúncios econômicos. O presidente ficaria, então, à vontade para falar de temas sobre os quais tem opinião formada.

Antes dos anúncios, reunir-se-ia com o dono do Posto. Como presidente, teria a primazia da última palavra e de antecipar as notícias. Ao seu gosto, pelas redes sociais ou para emissoras amigas.

Certo é que, se não mudar o rumo da prosa presidencial, Bolsonaro vai se enroscar na comunicação, item de primeira necessidade dum governo democrático. Ironia para quem solapou o marketing consagrado pelos adversários e pela mídia, mostrando que, em tempos de internet, quem tem um smartphone na mão e uma ideia na ponta dos dedos, derrota os Golias tradicionais.

Para tanto, Bolsonaro precisa assumir o leme ou determinar quem pode manuseá-lo. Como se fora um capitão de navio. Que, por enquanto, parece ao léu.

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