O presidente Jair Bolsonaro pode ter cometido um grande erro ao não dar uma função concreta, quem sabe até um Ministério, para seu vice, general Hamilton Mourão, se ocupar. Com raras exceções — e os exemplares Marco Maciel e José Alencar estão entre elas — vices sem tarefas específicas passam os dias ouvindo, conversando, fofocando e, num belo dia, descobre-se que estão conspirando. Às vezes dá certo, caso de Michel Temer. Mesmo quando não dá certo, podem atrapalhar muito.
No início da transição, Mourão chegou a anunciar que teria funções de gestão, à frente um suposto centro de coordenação de governo que supervisionaria e cobraria ação dos ministérios. Até agora, nada de semelhante lhe foi dado. Apesar disso (ou talvez por isso), o vice continua dando palestras a investidores e a empresários e entrevistas a jornalistas para falar sobre o que acontecerá a partir de 1 de janeiro.
Na edição do Valor desta sexta-feira, mostra todo o seu potencial de estrago, em entrevista com anúncios e opiniões que, certamente, não foram combinados com Bolsonaro ou Paulo Guedes. Acertadamente até, Mourão diz que a reforma da Previdência não deveria recomeçar da estaca zero com o envio de nova proposta ao Congresso, mas sim usar o projeto de Michel Temer que já está tramitando. Esta não é, porém, uma decisão fechada do governo e nem consensual na equipe econômica, e as palavras do vice podem acabar provocando um bate-cabeças já antes da posse.
Na mesma entrevista, Mourão escorregou perigosamente num assunto que costuma deixar mercado e economistas de cabelos em pé ao defender, após a aprovação das reformas, uma negociação com os investidores para alongar os prazos da dívida interna – o que certamente vai deixar alguns sem dormir hoje se não for rapidamente negado.
O general, que certa vez chegou a defender a reforma da Constituição sem o Congresso, cometeu outra gafe relacionada ao Legislativo ao definir sua composição: “Você tem ali — como em qualquer outro grupo social — 30% que são realmente esclarecidos, tem 40% que é a ‘meiuca’ que vai para onde sopra o vento, e mais 30% que não sabe nem onde é a curva do A”. Mourão pode não estar mentindo, mas, vindas do vice, essas palavras não vão ajudar em nada a formação de uma base parlamentar sólida.
Talvez a única justificativa para a falta de reação do eleito em relação às atividades do vice seja aquela velha estratégia de dar corda para o sujeito se enforcar. Afinal, as novas afirmações sobre renegociação da dívida funcionam como um balde de água gelada em setores do mercado e das elites nervosas que, nos últimos tempos, começavam a simpatizar com Mourão e a considerar suas posições mais confiáveis do que as de Bolsonaro…
Ainda assim, é possível que, nos próximos dias, o general Mourão receba alguma missão do capitão Bolsonaro.