Jogadores compulsivos persistem nas apostas mesmo quando a maré é desfavorável. Algumas vezes até se dão bem; em geral, só elevam os próprios prejuízos. Na política, como na guerra, o voo cego não é aconselhável — há hora de atacar e de recuar, de montar e de refazer táticas e estratégias.
As forças políticas que não percebem o momento de mudar rotas, repensar caminhos, costumam pagar um preço salgado por isso. Foi o que aconteceu nas eleições com candidatos e partidos tradicionais que não entenderam o tamanho da revolta com a promiscuidade geral com a corrupção e foram punidos pelos eleitores. PSDB e PT, que se revezaram como os polos do poder nos últimos 25 anos, ainda estão atordoados com o vendaval que elegeu Jair Bolsonaro.
Os tucanos estão mergulhados numa crise de identidade que ameaça implodir o próprio ninho, do qual seus caciques tradicionais estão sendo desalojados. Além de encolher nas urnas, o partido perdeu a referência como contraponto do PT. Quem escapou dessa derrota foi sua ala mais a direita, hoje comandada pelo governador eleito João Doria, que flerta abertamente com o governo Bolsonaro. O partido caminha para um acerto de contas que deve começar com a decisão sobre expulsar ou não o encrencado Aécio Neves de suas fileiras.
A situação do PT é mais complexa. Lula continua sendo sua força e sua fraqueza. Sua estadia na cadeia travou todo e qualquer debate sobre os descaminhos que colocaram o PT no epicentro do maior escândalo de corrupção desvendado no país. A burocracia que controla o partido — fiel apenas a Lula — veta qualquer alteração de rota, mesmo em pequena escala, que não se enquadre na narrativa de que o partido e Lula são vítimas de conspirações e golpes. Assim qualquer tentativa de autocrítica é fazer o jogo dos inimigos.
Por essa ótica, o PT tem de seguir com a bandeira única de tirar Lula da cadeia, dobrar as apostas contra todos os supostos obstáculos, e peitar autoridades e instituições que se recusarem a libertá-lo. Pouco o importa o custo político desse enfrentamento.
Por mais que Fernando Haddad e alguns líderes com história no PT defendam uma postura mais ponderada, o que vem prevalecendo na cúpula do partido, Gleisi Hoffmann como porta-voz, é o discurso de aprofundar o confronto. Apega-se como verdade inquestionável que há um conluio da Lava Jato e de outras investigações sobre corrupção contra Lula e o PT, mesmo que políticos de todos os naipes também sejam alvos. A a cada atalho mal sucedido para libertar Lula, cresce o elenco de vilões a serem combatidos pelos petistas.
Mesmo que alguns desafetos, como os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, sejam incensados como novos paladinos da Justiça, o que realmente é relevante é a escolha de instituições como inimigas. A turma que dá as cartas no PT parece ter perdido as estribeiras. Não se satisfez com uma nota dura da Executiva do partido sobre a cassação da liminar de Marco Aurélio que, atropelando uma decisão colegiada do STF, mandou soltar Lula e dezenas de milhares de criminosos condenados em duas instâncias judiciais. Desagradou porque poupou o presidente do STF, Dias Toffoli.
Mandou incluir Toffoli em uma segunda versão, ignorando o longo histórico de serviços por ele prestado ao partido. Também não parece ter sido levado em conta, apesar da advertência de vozes petistas mais moderadas, que ao atacar o ex-companheiro Toffoli também estava sendo atingido o presidente do Supremo Tribunal. Disse a nota:
“Ao revogar, de forma sem precedentes, a liminar do ministro Marco Aurélio, o presidente do STF, Dias Toffoli, cedeu a um verdadeiro motim judicial, com um claro viés político-partidário. A decisão tomada às pressas e com precária base institucional, demonstra claramente o alinhamento da Presidência do Supremo, desde Carmen Lúcia, com soluções autoritárias que atendem ao objetivo de calar a voz de Lula no cenário político brasileiro.”.
Foi o suficiente para puxar um coro de petistas e aliados com fortes ataques a Toffoli. “Além de traidor, é covarde”, cravou Juliano Medeiros, presidente do P-Sol. Ele sintetizou a tortuosa narrativa petista de que o Supremo Tribunal Federal só não liberta Lula porque teme a reação dos militares, em uma suposta “tutela inconstitucional das Forças Armadas sobre a mais alta corte de Justiça”.
Nessa sexta-feira (21), Dilma Rousseff publicou um artigo no site do PT, intitulado “Não há democracia sem Lula livre”, em que afirma que o ex-presidente é um preso político mantido desde abril em uma “solitária” em um cárcere. E acrescenta: “Não haverá normalidade institucional no Brasil enquanto Lula estiver preso. Sua liberdade é condição indispensável para que o Brasil possa ser considerado de fato um país democrático”.
É mais um capítulo das narrativas do “golpe” para o impeachment que apeou Dilma do poder e da “fraude” de uma eleição sem Lula que não convenceram a opinião pública e nem renderam dividendos eleitorais. Apesar de não ter colado, tudo indica que o PT vai manter esse discurso. Mesmo sem o apoio de tradicionais aliados, como PDT, PSB e PC do B, que puxados por Ciro Gomes estão em busca de novos caminhos — e narrativas mais convincentes.
A conferir.