O presidente Michel Temer está cutucando a História com vara curta nesse episódio da deportação do asilado político Cesare Battisti. Não é costume devolver a seus perseguidores os refugiados políticos. Quando um deles se torna incômodo o padrão é ser declarado pelo poder concedente, o Executivo, “persona non grata” e manda-lo para onde queira ir.
Não há na memória muitos casos de asilados entregues às autoridades de seus países de origem. No Brasil só um, da ativista comunista Olga Benário, em 1935, deportada pelo presidente Getúlio Vargas. Quase cem anos depois esse ato ainda assombra a imagem histórica daquele presidente. Não adianta dizer que o Supremo decretou a extradição, pois o asilo político é um ato do presidente. Nos seus países, onde praticaram esses crimes triplos, sempre serão criminosos comuns. Temer imita Vargas?
Há exilados light, perseguidos unicamente por suas ideias ou proselitismo adverso a governos. A maior parte deles, no entanto, praticou atos de violência, podendo ser enquadrados na legislação criminal comum, além dos crimes de sedição e, eventualmente, danos patrimoniais.
Assim foram acolhidos os brasileiros da década de 1970, que buscaram proteção em outros países depois de praticarem seus atos ditos revolucionários no país, como ataques armados, assaltos a bancos, morte de militares, policiais ou de inocentes. Não importava o que dissessem as autoridades brasileiras, eram reconhecidos como refugiados políticos e assim viveram sob a proteção de governantes de outros países até a Lei da anistia abrir-lhes de novo as portas do País.
O caso mais emblemático de exilado incômodo é do ex-governador Leonel Brizola, com asilo político no Uruguai, surpreendido por ascensão de um governo de ultradireita, aliado dos segmentos da linha-dura brasileira. A ditadura uruguaia, reconhecida como intolerante e cruel, teve seus chefes duramente condenado depois de extinto o regime. Assim mesmo, embora as forças Armadas Brasileiras pedissem a extradição de Brizola, os ditadores do país vizinho deram-lhe uma porta aberta e ele se refugiou nos Estados Unidos. Mesmo a truculenta ditadura Uruguai não se arriscou a romper com essa tradição secular na América Latina.
Na década de 1950, o ditador paraguaio Alfredo Stroessner, sob intensa pressão dos militares argentinos que haviam derrubado o presidente antiamericano Juan Domingo Perón, não devolveu o exilado a seus perseguidores, deixando que fosse se refugiar no Panamá, que concordou em recebê-lo (depois mudou-se para a Espanha). Recentemente, o ex-presidente do Peru, Alberto Fujimori, declarado persona non grata no Japão, voltou a seu país por vontade própria. Poderia ter ido para qualquer outro lugar. Assim é o exílio em nossa América do Sul.
Em nosso subcontinente sul-americano o asilo político começa com Dom João VI, logo que desembarcou no País, em 1808. Já havia na América do Norte, onde os Estados Unidos acolheram milhares de inimigos das monarquias europeias. Aqui no Brasil foi com a chegada da corte e a conversão da Colônia em sede mundial do Império Português que começam a chegar os refugiados, geralmente conspiradores ou ativistas hispânicos que lutavam contra a o governo de Madrid, ocupado pelos títeres de Napoleão Bonaparte. Nessa época, aliado da Inglaterra, Portugal, ocupado pela França, começa a receber esses dissidentes. Mais do que isto: o Rio converteu-se em um centro de subversão a favor da independência das antigas colônias espanholas. A monarquia mais conservadora da Europa apoiando e financiando revolucionários republicanos… Só aqui!
Era uma aliança estratégica, como quando Cuba se converteu, nos anos 1960/70, na base de operações das chamadas guerrilhas nas américas do sul e central.
Esses refugiados vinham do Prata e do Caribe. Simon Bolívar não só usou o Brasil como trampolim para libertar a Venezuela e a então Grã Colômbia, com levou adeptos locais, o mais famoso deles o coronel brasileiro Abreu e Lima, general venezuelano e tem seu nome inscrito no Panteão como Herói Nacional nos países da faixa norte e do Pacífico. Nesses tempos os exilados venezuelanos pululavam em Belém, Recife e, também, no Rio de Janeiro.
No período do Brasil Reino, entre 1815 e 1822, centenas de platinos encontravam asilo político no Brasil, fugindo das autoridades constituídas de seus países ainda em formação. Já não fugiam da Espanha, mas de seus próprios compatriotas. O Brasil Reino reconhecia seus governos, mas acolhia seus dissidentes e não se registra nenhuma extradição, embora todos fossem condenados pelas Justiças de seus Países (Argentina, Uruguai, Chile e Peru, principalmente).
Entre esses exilados registram-se nomes importantes na História dos países, como Carlos María Alvear, que foi governador de Buenos Aires e antes disso, diretor do governo (o equivalente a presidente), e que, não obstante, mais tarde, em 1827, comandou as tropas argentinas que invadiram o Brasil. Outros nomes a anotar: Juan Lavalle e José María Paz, exilados em Pelotas, no Rio Grande do Sul.
Lavalle foi presidente da república da então Províncias Unidas do Rio da Prata, hoje Argentina, mas tanto ele quanto Paz são ruas no centro histórico de Buenos Aires. Do Uruguai: Juan Lavalleja, Fructuoso Rivera e Manuel Oribe, os três mais tarde presidentes da então república da Banda Oriental del Uruguay. E assim por diante.
O asilo político não é uma lei, mas uma tradição de grande alcance. Sua revogação reverte em graves danos à imagem do mandatário que deu o “canetaço”. Não adiantou Getúlio Vargas abrigar-se atrás de uma decisão do Supremo e entregar Olga Benário para Adolf Hitler queimá-las nos seus fornos crematórios da Gestapo. A caneta foi a dele. É o que ficou, por mais que se justifique. Temer manda o brigadista Cesare para a prisão perpétua. É um risco político-histórico desnecessário. A menos que o terrorista já tenha cruzado alguns metros dos 17 mil km de nossas fronteiras e o presidente de plantão esteja apenas livrando-se de um incômodo, dá uma no cravo e fazendo vistas grossas para a ferradura. Também pode ser uma forma de aliviar seu sucessor de mais um ato discutível no cenário internacional.