À primeira vista, a eleição do presidente Jair Bolsonaro e a derrota sofrida por boa parte de antigos caciques políticos, que não conseguiram a reeleição, parecia inaugurar uma nova fase da política brasileira. Mas a 17 dias da posse do novo governo, a realidade mostra que a transição entre o que muitos classificam de velha e nova política deverá ser muito mais lenta do que se imaginava. Há ainda quem aposte que o sopro de mudanças poderá morrer na praia, decepcionando mais uma vez o eleitor.
No Congresso Nacional, que quase sempre funcionou como caixa de ressonância do melhor e do pior da sociedade brasileira, a disputa entre a velha e a nova política já foi deflagrada. E dificilmente se encerrará com o fim da atual legislatura e a posse dos novos parlamentares, ainda que isso represente a maior renovação da história recente do Parlamento. E os antigos vícios da política parecem prontos para cooptar os novatos.
A renhida briga pelo poder raramente se encerra com a apuração dos votos, após as eleições. Apenas os contornos da disputa se alteram. Muitas vezes os adversários da campanha encerrada deixam de ser os principais problemas do vitorioso e as dores de cabeça passam a ser provocadas pelos próprios aliados. Normalmente, os insatisfeitos com a fatia que lhe coube no latifúndio do novo governo, mostrando que a briga pelo poder segue o mesmo padrão de antes.
As disputas internas dentro do partido do presidente eleito são prova disso, ainda que a deputada Joice Hasselmann tenha posado para foto ao lado do colega de bancada Eduardo Bolsonaro para tentar mostrar que a paz voltou a reinar dentro do PSL para não prejudicar o futuro governo.
Mas esse está longe de ser o único problema do futuro governo, que antes mesmo da posse já se vê às voltas com as primeiras suspeitas de irregularidades que atingem diretamente o novo presidente, a primeira-dama e seu filho mais velho, o futuro senador Flávio Bolsonaro.
Antevendo mais estragos em sua imagem, Bolsonaro gravou ontem um vídeo no qual declarou que, se for constatado qualquer erro na conduta do filho ou dele próprio em relação às movimentações financeiras atípicas do ex-funcionário de Flávio Bolsonaro na Alerj (Assembleia Legislativa do RJ) e que somam R$ 1,2 milhão, está pronto para assumir a culpa. As suspeitas são de que a família Bolsonaro poderia ter se apropriado de parte dos salários dos funcionários de seus respectivos gabinetes parlamentares. Mas nada foi comprovado ainda.
Assumir um eventual erro pode ser considerado um avanço, especialmente se comparado à postura de dirigentes petistas, que preferiram se colocar como vítimas de uma perseguição política a despeito das provas e delações premiadas colhidas durante as investigações do mensalão e do petrolão. Mas decepcionante, de qualquer forma, para os eleitores que acreditavam estar levando para a Presidência da República um legítimo representante da nova política.
Talvez seja cedo para vaticinar que a guerra pela mudança na política está perdida. Os novatos no Parlamento ainda têm chance de mostrar que tudo pode ser diferente a partir de fevereiro próximo. Antes disso, a turma antiga segue dando trabalho e mostrando empenho para deixar tudo como está e os efeitos disso serão sentidos mais uma vez no bolso dos brasileiros.
Com a disputa pelo comando das duas Casas do Legislativo aberta, o deputado Fábio Ramalho (MDB-MG), um dos candidatos ao cargo de presidente da Câmara, não hesitou nesta quarta-feira (12) em fazer média com futuros eleitores ao defender da tribuna a equiparação dos salários dos parlamentares ao novo teto do Supremo Tribunal Federal. Algo pouco compatível com a crise fiscal enfrentada pelo país e o desgaste popular pelo qual passa o Parlamento.
Mesmo em fim de mandato, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), ameaçou não colocar o Orçamento da União em votação para que o Legislativo possa ser convocado até fevereiro para votar um eventual veto presidencial ao projeto que estende os benefícios fiscais para investidores no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Em jogo estão R$ 17,5 bilhões, esse é o montante que a União poderá perder em cinco anos com a prorrogação dos incentivos fiscais para as três regiões.
Tudo indica que essa queda de braço ainda vai longe.