Um agrônomo para dirigir o meio ambiente

Francisco Gazziano

O nome do engenheiro-agrônomo Xico Graziano ainda é o preferido explícito da Frente Ruralista para ser o novo ministro do Meio Ambiente. Embora os militares torçam o nariz e o segmento político ultraconservador de São Paulo faça restrições a seu passado como tucano e figura muito próxima do ex-presidente Fernando Henrique, a indicação do ex-secretário de Meio Ambiente do governo de Geraldo Alckmin ganhou novo impulso nestes dias.

O certo é que o cargo deve ser ocupado por alguém originário do setor técnico do agronegócio. O primeiro ministro dessa pasta, em 1990, foi o gaúcho José Lutzemberger. Se for Graziano, será a volta de um agrônomo a esse ministério que, desde então, foi sempre ocupado por políticos ou ativistas de movimentos ambientalistas.

A futura ministra da Agricultura, engenheira-agrônoma Tereza Cristina, disse com todas as palavras que Graziano é o preferido da Frente Ruralista. No mês passado o agrônomo paulista já fora indicado pela Frente para ser o novo presidente da Embrapa. Não foi.

ONGs estrangeiras

A questão do Ministério de Meio Ambiente é muito delicada. Há muitas conotações a serem consideradas. Por exemplo: praticamente todos os projetos do segmento levados a efeito pelos governos no Brasil (federal, estaduais ou municipais) têm alguma participação de Organizações Não governamentais (ONGs) estrangeiras. Ou seja, o Brasil entra com o corpo e o dinheiro vem de fora. Não dá para meter a mão nessa casa de marimbondos sem uma luva bem grossa.

Daí o cuidado. É verdade que meio-ambiente abrange áreas que nada têm a ver com agricultura, como reservas marinhas, resíduos sólidos (que inclui lixo urbano), controle do ar, políticas do clima e assim por diante. Entretanto, é no segmento agroambiental que está um confronto político aberto.

Por isto a importância de o novo ministro ser independente dos movimentos organizados. As militâncias ambientalistas, geralmente ligadas às esquerdas nacionais ou internacionais, aparelharam todo o sistema. Para retirá-las sem reações adversas é preciso muita cautela para não secar as fontes de financiamento. São bilhões de dólares em jogo.

Além disso, a remoção do ambientalismo militante dos órgãos de governos pode causar insuspeitos atritos diplomáticos, com efeitos negativos em outras áreas, inclusive comerciais. Mas não é a fúria de consumidores europeus, como aparece no noticiário, que assusta os diplomatas.

Rei Haroldo V

Eis que a maior parte desses movimentos é subsidiado por grandes empresas multinacionais e até por governos e coroas do Primeiro Mundo. São fontes de irrigação indispensáveis nestes momentos de penúria orçamentária.

Por exemplo, para mostrar o surrealismo dessa área: a ONG Fundo Amazônico, que sustenta operações no Brasil, Guiana, Peru e Libéria tem entre seus acionistas majoritários o rei Haroldo V, da Noruega, cuja coroa detém 35% do capital votante da multinacional Norsk Hydro, proprietária da Hydro Alunorte, de Barcarena, no Pará, que foi recentemente autuada por um desastre ambiental em plena Amazônia. Que tal? Mexer com essa ONG é mexer com o rei. Cuidado Bolsonaro.

Daí a importância de um esquema intermediário, com uma personalidade ligada ao agronegócio, mas com cabeça aberta e trânsito liso nos meios ambientalistas e científicos. Foi o caso de Lutzemberger, na época considerado o ambientalista mais importante do planeta, colocado pelo presidente Fernando Collor nessa pasta. Assim como Bolsonaro, Collor, por ser de direita, era suspeito de estar planejando a destruição da Amazônia e do envenenamento da comida dos brasileiros.

Apesar da fama, o Velho Lutz era um defensor do ambientalismo sustentável, ou seja, nem tanto nem menos. Sua obra, hoje, no Rio Grande do Sul, tocada por sua filha Lara, é um exemplo de sensatez e sustentabilidade.

Casa de marimbondos

A casa de marimbondo que vai atazanar o novo governo é e militância fragmentada e incontrolável do segmento ambientalista. Articulado internacionalmente, difundido em uma centena de formas pelo país afora, o elemento que caracteriza as pessoas nessa temática é que todos são ativistas digitais. Pelas redes sociais eles poderão desenvolver um canal de intercomunicação capaz de criar um denominador comum, se articularem numa frente sem partido e se mobilizarem chegando às ruas. Mensagem: vamos salvar o Planeta. Não é pouco.

É preciso lembrar que essa vertente de militância surgiu de um movimento espontâneo, desvinculado de partidos ou de ideologias, ganhou força e se espalhou pelo País. Os mais velhos se lembram da surpresa de ver, em tempos de censura férrea da televisão, aparecer no Jornal Nacional uma cena surrealista: um jovem trepado numa árvore, cercado por populares e a polícia, armada de cassetetes e roupas anti-tumulto, observado de longe, como se estivesse paralisada. Foi tão irreal que as autoridades não conseguiram acabar com aquilo. Abriu-se uma porta.

É sugestivo lembrar como naquele momento havia a combinação de uma série de coincidências remetendo a referências nacionais que ultrapassavam o Rio Grande do Sul geográfico. A cena era um jovem empoleirado em Porto Alegre, na avenida João Pessoa (líder nordestino), quando, em 20 de novembro de 1975, o mineiro de Montes Claro, Carlos Alberto Dayrel, subiu numa Tipuana, árvore de origem boliviana, dando, sem saber, início ao movimento ambientalista no Brasil.

Apoiado pela população comovida, o jovem funcionário da agência porto alegrense do Banco Mineiro do Oeste, Dreyler, acadêmico de Engenharia Mecânica na UFRGS, recusou-se a descer da árvore ameaçada pelas motosserras do prefeito Telmo Thompson Flores, empolgando a população a tal ponto que a própria ditadura, no seu auge, recuou diante daquele espetáculo de desobediência civil. Portanto, o movimento surgiu de um gesto ousado e temerário. Isto deve ser lembrado e considerado neste momento de demonização do conservacionismo.

 

Outro ‘passe livre’?

Por trás (ou por baixo do pano), a avaliação das repercussões da mexida no establishment ambiental é que está retardando a escolha do novo ministro. Alvo da ira de setores da produção, industrial e agrícola, o ativismo ambientalista está demonstrando que suas imagens estereotipadas, aqui e ali, não correspondem à complexidade real, política, técnica econômica dos problemas dessa área.

Em resumo, embora não tenha emergido no noticiário político sobre a formação do governo, os conselheiros mais atilados do presidente já deram o sinal de alerta: é aí que mora o perigo de se ver outra vez a avenida Paulista tomada por milhões de jovens e velhos em protestos politicamente desconectados. É difícil lidar com isto, como foi no caso do “passe livre”, em 2013.

A escolha de um nome para esse cargo é uma tarefa mais complicada do que simplesmente atender a este ou aquele interesse. É preciso encontrar alguém com a capacidade de usar luvas de pelica e muito cuidado para enfiar a mão no ninho dos terríveis vespídeos. Como diz o provérbio português: “em casa da marimbondos não se mexe com vara curta”.

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