Paulo Guedes, o futuro ministro da Economia, está fazendo primorosas escalação e preparação do time que sob seu comando entrará em campo no dia primeiro de janeiro. A estratégia é francamente liberal. O país há muito está necessitando disso. Ainda ecoa o discurso pronunciado pelo senador Mário Covas (PSDB), em 28 de junho de 1989, quando disse que o Brasil precisava de um “choque de capitalismo”. Eis um trecho da memorável fala:
“Hoje, com a aceleração das transformações tecnológicas, geopolíticas e culturais que o mundo está atravessando, a opção é manter-se na vanguarda ou na retaguarda das transformações. É com esse espírito de vanguarda que temos que reformar o Estado no Brasil. Tirá-lo da crise, reformulando suas funções e seu papel. Basta de gastar sem ter dinheiro. Basta de tanto subsídio, de tantos incentivos, de tantos privilégios sem justificativas ou utilidade comprovadas. Basta de empreguismo. Basta de cartórios. Basta de tanta proteção à atividade econômica já amadurecida. Mas o Brasil não precisa apenas de um choque fiscal. Precisa, também, de um choque de capitalismo, um choque de livre iniciativa, sujeita a riscos e não apenas a prêmios”.
Ora, até mesmo a China partiu para o choque de capitalismo. Deixou a economia com a iniciativa privada. Liberou as forças propulsoras dos negócios, das inovações, da infraestrutura, do empreendedorismo. Atraiu capitais estrangeiros. Abriu-se ao mundo. Mas aqui, no entanto, ainda continuamos do jeito que o senador Mário Covas descrevia há três décadas, em um pronunciamento que casou espanto. Por que causou? É que entre nós, brasileiros, o lucro é historicamente pecaminoso. O substantivo‘capitalismo’ soa como horrendo palavrão para quase metade da nossa classe política, para a expressiva maioria dos sindicalistas, para meio mundo acadêmico, artístico e jornalístico.
O iminente ministro Paulo Guedes recebeu, no dia 21 de novembro, os dirigentes máximos de oito confederações de associações que em 2014 haviam fundado uma coalizão, denominada União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (Unecs), que hoje tenho a honra de presidir. Em dado capítulo de sua exposição sobre a agenda econômica do novo governo, ele demonstrou que o nosso país vem sendo, durante longo tempo, mantido na contramão do mundo.
Utilizando de linguagem metafórica, disse que o empresário nacional está com uma bola de ferro da carga tributária amarrada em um pé, com a bola de ferro dos juros em outro pé, e ainda carrega nas costas o piano dos encargos trabalhistas. A seguir, o ministro-anfitrião indagou aos seus convidados: como é que o empreendedor brasileiro consegue competir com o concorrente chinês, que não está imobilizado por peso algum?
O país só se situará no melhor contexto global quando o seu ambiente dos negócios ficar mais leve e solto, como o da China, dos Estados Unidos, da Alemanha, do Japão, da Coreia do Sul ou do Reino Unido. Na época do discurso do senador tucano, em 1989, provocava arrepios a carga tributária de 21%, em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Isso porque, desde então, os serviços públicos prestados à sociedade pagadora de impostos eram muito precários. Atualmente, a carga é de 36%, com a segurança, a saúde, a educação e a infraestrutura de transportes em situação ainda mais lastimável.
Os governantes incessantemente engolem a renda dos brasileiros por meio de dois superpotentes e gigantescos aspiradores: o da Previdência, e o de uma máquina estatal que custa absurdos de dinheiro apenas pelo fato de existir, inclusive quando se está no período de recesso, no feriado ou no ponto facultativo.
O bom-senso é suprapartidário e destituído de viés ideológico. Isso vale para chineses e americanos. Quando acaba o combustível, o carro não anda mais, não importa a ideologia do condutor desse veículo. O fato irrefutável é que país tem se exaurido há décadas, chegando ao extremo, ao limite final. As decisões que vinham sendo sucessivamente adiadas agora se tornaram impostergáveis. Será que o senador Covas estaria sendo reacionário ao nos alertar que isso iria acontecer, porque o Estado naquela época já apresentava ostensivos sinais de não mais dar conta de tanto sobrepeso? Pois, há trinta anos, ele fazia esta exortação:
– “Vamos privatizar com seriedade e não apenas na retórica. Vamos captar recursos privados para aumentar os investimentos de empresas públicas estratégicas e rentáveis. Vamos profissionalizar a direção das estatais, estabelecer um código de conduta”. Nem os seus correligionários socialdemocratas, quando assumiram o comando da administração nacional,deixaram de gastar mais do que o país arrecadava, ainda que tivessem realizado as inquestionáveis proezas do Plano Real, da Lei de Responsabilidade Fiscal, das agências reguladoras, do regime de metas da inflação.
O tom da preleção de Paulo Guedes aos líderes empresariais da Unecs não foi de ‘ou vai ou racha’. Ficou claro que os objetivos são de imensa magnitude. No entanto, qualquer dieta para um corpo transbordantemente obeso provoca reações de chantagem e sabotagem por parte do organismo glutão. O futuro ministro da Economia mostrou-se claramente determinado a ir adiante, porém de modo compassado. Todos os que estivemos com eles e saímos do encontro convictos de que a subtração das calorias desse corpo voraz e sedentário ocorrerá gradualmente, realizando-se após amplo diálogo com a sociedade.
Nada será feito de supetão, mas de maneira realista e pausada, inclusive com momentos desanuviadores, como aconteceu no encontro do dia 21 de novembro, nas dependências do Centro Cultural Banco do Brasil, onde se instalou governo de transição. O ministro Paulo Guedes subitamente arrancava gargalhadas da plateia, aliviando as apreensões naturais, resultantes de temas tão emergentes, densos e graves.
Saímos todos muito confiantes. Basta que a esfera política se sintonize com o realismo e o pragmatismo da agenda proposta para o que o Brasil não apenas restaure o Plano Real, mas remodele o setor público, dando-lhe uma compleição enxuta e ágil, inaugurando uma era em que o Estado passe a servir menos a si próprio e muito mais aos cidadãos. Se, em sua maioria, os parlamentares,governadores e prefeitos pelo menos não atrapalharem, vai dar certo.
*Paulo Solmucci é colaborador do site Os Divergentes. Também é presidente da União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (Unecs) e da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel)