No dia 4 de janeiro de 2010, o então presidente Lula foi fotografo carregando um isopor na cabeça. Descansava na praia de Inema (BA), privativa da Marinha.
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Tomada à distância, a imagem refletia um Lula genuíno. Quem o conhecia de perto sabia que suas origens, por mais que tivessem se transmutado com o poder inigualável que angariou, corriam em suas veias.
As fotos provocaram reações diversas, mas, de um modo geral, reforçaram a visão de um presidente popular, gente como a gente. Tanto que deixou a presidência naquele ano com aprovação recorde. E fez a sucessora.
Breakfast carioca
Na quinta, 29 de novembro de 2018, em sua residência no Rio de Janeiro, o presidente eleito Jair Bolsonaro recebeu John Bolton, conselheiro de Segurança Nacional dos EUA. Recepcionou-o com um café da manhã trivial, desses que a gente faz em casa.
Como se recebesse um amigo, serviu café de uma garrafa térmica numa caneca sem pires. Na mesa sem tolha, Danoninho, o popular iogurte que não é iogurte. Como em outras imagens que tem produzido dentro de sua casa desde que se sagrou virtual presidente, Bolsonaro quis parecer autêntico.
Quase ninguém age com espontaneidade diante de câmeras e holofotes. Muito menos figuras públicas. Muito menos em tempos midiáticos.
Ainda assim, a impressão que se tem, até aqui, é a de que o capitão-mor que aparece nas imagens é aquele mesmo. Despojado do aparato propagandístico milionário que prevaleceu nas campanhas presidenciais a partir de 1989 – adotadas por PSDB e PT que, por 23 anos, decidiram os destinos do Brasil e dos brasileiros.
Usa prancha de bodyboard para acomodar microfones numa coletiva de imprensa, pendura bandeira do Brasil com fita adesiva na parede. E serve Danoninho para o representante de Donald Trump, o homem mais poderoso do planeta.
Poder sedutor
Quando, a partir de janeiro, desfrutar o poder de direito, Bolsonaro será submetido diretamente às “seduções” do poder, das quais falava a ex-senadora petista Heloísa Helena (AL), hoje na Rede. Como um mantra, repetia ela: “O poder é terrivelmente sedutor”.
Apesar da autenticidade de Lula carregando um isopor na praia, ao longo de sua trajetória o PT foi se desvirtuando. Companheiros, antes de posses modestas, passaram a ostentar gastanças incompatíveis com seus ordenados de classe média.
Ao perceberem os escoadouros do erário, os companheiros deliciaram-se com a riqueza roubada – como fartamente documentado pelo Mensalão e pela Lava-Jato. Enriqueceram-se e enriqueceram os neocompanheiros, como empreiteiros e magarefes amigos.
Para o infortúnio dos brasileiros, o isopor genuíno foi uma miragem de que o PT governava desapegado das tentações do poder. Exatamente como pode acontecer em países onde a chamada esquerda assume o poder – vide Venezuela e seu guarda-costas de 1 bilhão de dólares.
“O que interessa à patuleia é se,
ao mesmo tempo em que persevera
na sua simplicidade rústica,
irá resistir aos encantos do poder.”
Assim, o caminho escolhido por Bolsonaro, de parecer autêntico aos olhos dos milhões que o sufragaram, não é novidade. O que interessa à patuleia é se, ao mesmo tempo em que persevera na sua simplicidade rústica, irá resistir aos encantos do poder.
Ou se vai sucumbir à maldição da qual falava a senadora alagoana. “A gente precisa fazer um exercício diário” para não se deixar “lambuzar no banquete farto do poder”, seus “cargos” e suas “mordomias”, advertia. Faltava dizer: e suas propinas milionárias.