A cada dia aumenta a perplexidade com a convicção de que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, banca a articulação política por meio das bancadas temáticas, até agora via frentes parlamentares. O argumento que mais se destaca é o de que elas não possuem instrumentos de controle de disciplina para garantir eventuais medidas impopulares esperadas, como a Reforma da Previdência. Quais seriam eles: fechamento de questão, indicação para comissões, acesso ao fundo eleitoral e partidário etc.
Ledo engano, tal qual a certeza de que o capitão seria esperto e negociaria ou negociaria porque é esperto.
Primeiramente, as frentes consideradas para a montagem da gestão convergem ideologicamente com Bolsonaro e poderão ter a oportunidade única de serem absorvidas programaticamente pelo governo, o que gera respaldo junto às bases com as quais atuam, favorecendo a continuidade dos mandatos por algo mais do que uma troca de certo desgaste por recursos e cargos.
Depois, se as cúpulas têm poderes regimentais, o governo tem o de emendas e estas sempre foram, preferencialmente, individuais, mas podem ser perfeitamente coletivas por articulação de temas. Adiante, para todo esbarrão com as cúpulas, as portas do PSL estarão abertas para recepções. Para o partido e para os congressistas dissidentes seria boa a imagem de ter recusado o jogo de Brasília. Sem contar que as práticas tradicionais dos chefes tradicionais do sistema político passarão a estar sob lupa da Lava Jato empoderada no Ministério da Justiça.
Claro que haverá conflitos. Ou as coisas mudam por acordo ou assim. Ambos estão em aberto, o xis é quem começa em vantagem.
Ocorre que o circo pegando fogo nestes termos seria o roteiro perfeito para o reality show do capitão começar suas temporadas. Imagine uma crise envolvendo a retaliação de congressistas aderentes a Bolsonaro por antigos caciques que tentam esmagar os primeiros porque não aceitarem a mudança dos padrões de governabilidade? Só que “isso tudo aí” diante da opinião pública que lhe deu 57 milhões de votos tendo como vetor fundamental a anticorrupção, na qual 63% disseram aprovar a montagem do governo e as medidas anunciadas – segundo recente pesquisa da XP Investimentos, nada menos que 56% apostam que a corrupção diminuirá ou diminuirá muito, e 57% já aprovam a nova gestão. Agora, tudo junto com residuais 5% de bom/ótimo e 65% de ruim/péssimo que possui o Congresso Nacional.
Todos os sinais do governo eleito indicam que esta tendência deve se aprofundar. Ainda há, para ser explorado, em prol da governabilidade leia o que escrevi sobre isso em relatório distribuído a clientes, as bancadas transversais, como a BBB por exemplo, que tem força e base social maior e mais densa do que as frentes parlamentares.
Militares estão espalhados por toda a parte para analisar transações dos anos anteriores entre o establishment e isto chegou ao coração da articulação política, com Carlos Alberto dos Santos Cruz na Secretaria de Governo e Bolsonaro dizendo, em coletiva, que Onyx Lorenzoni, um outsider interno do DEM mas bem cercano ao establishment, não daria conta do trabalho sozinho e que Augusto Heleno também comporá a equipe. Não é bem o caso. É que é preciso pactuar o modo, o momento e o perfil da reforma do establishment. No sentido das lideranças dele e dos respectivos players sob este novo contexto.
A pergunta que não quer calar é porque sobrevive o raciocínio de que “se não parar de brincar” Bolsonaro não aprovará os “remédios amargos”? A governabilidade bolsonarista tem condições com o modelo que está a implantar, o xis são as dosagens. O mais provável é que tanto em relação à plataforma de Paulo Guedes quanto à Previdência, o governo as administre com parcimônia, no limiar dos impactos sobre a popularidade, cujo sumo é (ou deve ser mais e mais, segundo o público ouvido pela pesquisa da XP) o combate à corrupção.