Basta passar às vistas no site do partido, ouvir entrevistas e discursos de seus dirigentes, para constatar que o PT ainda não desceu do palanque. Os ataques a Jair Bolsonaro e ao juiz Sérgio Moro, futuro ministro da Justiça, e a defesa de Lula, livre são quase tema único. Aqui e ali, aparece uma voz que destoa do coro e acena para a necessidade de uma autocrítica para entender os recados das urnas. Em geral, são petistas que não pertencem à corrente majoritária que, há muitos anos, manda e desmanda no partido — só obedece ao próprio Lula.
Daí chamar a atenção a entrevista à BBC Brasil de Gilberto Carvalho, ministro de Lula e Dilma Rousseff, desde sempre afinado com o ex-presidente e com a turma que dá as cartas na direção do partido. Naquele tom manso de ex-seminarista, ele disse que o PT precisa refletir sobre os recados dos eleitores e repensar sua relação com a corrupção, com o fisiologismo do toma lá, dá cá, inclusive sobre o enriquecimento de alguns de seus dirigentes. E arrematou: “A gente tem que encarar o que eu chamo de a gente visitar os nossos demônios”. Uma prosa bem diferente da de Gleisi Hoffmann.
Em sua análise, Gilberto Carvalho criticou a arrogância do partido e pediu humildade para reconhecer que há novas e importantes energias na sociedade que não querem ser hegemonizadas por um partido. Disse mais: ” Temos que ter responsabilidade. Não cabe a nós desejar o pior, pois quem sofre muito é o povo pobre”. De uma maneira cautelosa, é mais ou menos o que tem proclamado em ato e bom som líderes e partidos de esquerda e de centro-esquerda que resolveram se livrar do guarda chuva do PT.
Nessa quarta-feira (7), Ciro Gomes e Marina Silva deram mais um passo nessa direção, buscando pontos de convergência para uma atuação conjunta na Câmara, no Senado e no enfrentamento com o PT no debate público. “É um bloco com agenda própria para o Brasil. Não haverá alinhamentos automáticos com o poder, nem com o quanto pior, melhor”, explica o senador Randolfe Rodrigues. “Não teremos preconceito com a agenda do governo, vamos analisar ponto a ponto”.
Esse movimento coincide com uma baixada de bola entre a turma que chegou ao poder. Por influência de conselheiros mais moderados, entre eles o general Augusto Heleno, Jair Bolsonaro aos poucos vai descendo do palanque. Nessa sua primeira viagem a Brasília, depois eleito, repleta de ritos, em conversas com representantes de outros poderes e com os comandantes militares. Está em curso uma transição entre a gestão Michel Temer e o futuro governo bem tranquila, com rapapés, elogios mútuos e troca de gentileza.
Na terça-feira, ao final da sessão de comemoração do aniversário da Constituição, Bolsonaro chegou a bater continência para o ex-presidente José Sarney. Talvez por antes não tê-lo citado nominalmente– nem ao senador Eunício Oliveira e nem a procuradora Raquel Dodge — quando se referiu às autoridades que compunham a Mesa da Sessão. Ontem, no Palácio do Planalto, em um clima bem descontraído, Bolsonaro também bateu continência para Michel Temer.
O fato é que, depois de uma campanha eleitoral muito tensa, com troca de ameaças, agressões e baixarias, muita mentira, o país começa a voltar à normalidade. Quem perde costuma aproveitar esse período pós-eleitoral para lamber as feridas e avaliar as causas da derrota, enquanto os vencedores montam o novo governo. O que se espera é que, aos poucos, essa trégua chegue também às redes sociais, ainda bem radicalizadas.
Parte da oposição já anunciou que vai aguardar a agenda da gestão Bolsonaro para então se posicionar. Alguns setores petistas também querem baixar a temperatura política pelo menos até o começo do governo Bolsonaro. A cúpula do PT continua na mesma balada, quer marcar território como a principal força de oposição. Se mantiver essa postura, corre o risco de ficar isolada na Câmara e no Senado.
A conferir.