Os empreendedores do comércio e dos serviços são avessos aos extremos da direita e da esquerda. Também não veem com bons olhos tanto os populistas quanto os fundamentalistas do mercado. Essa gente batalhadora movimenta negócios que, geralmente, estão de portas abertas às ruas. O setor, como um todo, é um imenso e vasto leque, que vai de um minúsculo boteco de esquina ao supermercado, de uma papelariazinha a uma loja departamental. São pessoas jurídicas de todos os portes, presentes em cada um dos 5,57 mil municípios do país. Elas sentem na pele os efeitos de um Estado que, se é excessivo, sufoca; se é ausente, cria a terra arrasada do salve-se quem puder.
Só conhecem a realidade do mundo empreendedor aqueles que ousam raspar as poupanças da família e contrair empréstimos para se montar um comércio ou uma firma de prestação de serviços. Isso é muitíssimo mais fácil em uma nação que funciona de maneira transparente e descomplicada. Nestes trópicos, é extremamente difícil, quase um jogo de roleta russa. O nosso Brasil tem a pior legislação trabalhista do planeta, um dos mais intricados cipoais tributários, um entra e sai de fiscais que querem até se certificar se você é você mesmo, um ambiente de trabalho em que nos vemos obrigados a nos cercar de arames, alarmes, câmeras de vigilância.
Quando se diz que é preciso despoluir o intoxicadíssimo ambiente nacional de negócios, reformando, modernizando e enxugando as instituições, a turma da vanguarda do atraso fecha avenidas, queima pneus, protesta contra (veja só!) a precarização do Estado. Na outra frente, há cinco bancos (sendo dois estatais) que controlam 90% das movimentações de crédito do país e praticam as mais elevadas taxas de juros do mundo. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
Enquanto isso, lá está a mulher ou homem atrás do balcão, com a ajuda do(a) filho (a) e de dois empregados, pelejando para não sofrer um revés fatal, como o gol da morte súbita, como se diz no jargão futebolístico. Se o empreendedor passar pela infelicidade de se ver diante da circunstância de encerrar as atividades de uma empresa que, eventualmente, tenha uma folha salarial mais extensa, ele faz o acerto de contas com os empregados, tudo certinho, em conformidade com o calhamaço legal. Depois, vários dos que foram dispensados, entram na Justiça do Trabalho, requerendo mais isso e aquilo. O juiz dá ganho de causa a quase todo mundo. Resultado: o empreendedor e a sua família vão à plena derrocada, com as contas bancárias interditadas e os seus bens embargados.
As desigualdades do setor público
Quando a gente está às vésperas de eleições nacionais, como as deste ano, nos deparamos com o dilema central: Estado de mais, ou Estado de menos? Ora, nem um, nem outro. Precisamos do Estado necessário, e que funcione. Não é o Estado dos que se tornam zilhardários com a especulação financeira, e, tampouco, é o das altas castas do Legislativo ou do Judiciário, que precocemente colocam o burro na sombra, recebendo aposentadorias equivalentes a salários integrais e vitalícios de dezenas de mil reais, enquanto a professorinha, que nos ensinou o bê-á-bá, ganha uma merreca qualquer, mal cobrindo o aluguel da casa onde mora. Vai aqui, em poucas palavras, a irrefutável prova de que o Estado existe para servir apenas a si próprio, em detrimento dos cidadãos: metade das residências brasileiras sequer está conectada à rede de esgoto.
Assuntos como estes, aqui abordados, fizeram parte da série de eventos denominada ‘Diálogo com os Candidatos’, promovida pela União das Entidades do Comércio e Serviços (Unecs), que é uma coalizão de confederações empresariais de livre adesão, fundada com o objetivo de que se somem forças para a defesa de seus interesses comuns. São entidades de filiação voluntária, indistintamente mantidas pelos próprios empreendedores, que, ao contrário das entidades sindicais, não recebem recursos públicos.
No conglomerado da Unecs estão bares e restaurantes (Abrasel), supermercados (Abras), comerciantes de materiais de construção (Anamaco), lojistas em geral (CNDL), lojistas de shoppings (Alshop), atacadistas e distribuidores (Abad), associações comerciais e empresariais (CACB), consultores e empresas prestadores de serviços de automação para o comércio (Afrac).
Pois a direção da Unecs convidou os presidenciáveis a um grande encontro, que acabou se realizando em Brasília, no dia 14 de agosto. Cinco postulantes ao Palácio do Planalto aceitaram comparecer: Álvaro Dias (Podemos), Ciro Gomes (PDT), Fernando Haddad (PT), Henrique Meirelles (MDB) e Geraldo Alckmin (PSDB). Aliás, este foi o primeiro encontro que contou a presença do candidato petista. Marina Silva (Rede) e Jair Bolsonaro (PSL) não puderam ir.
A jornada estendeu-se das nove da manhã às seis da tarde, com a presença de 400 empresários, políticos, lideranças comunitárias e repórteres de todos os veículos de expressão nacional. Lá estava o renomado fotógrafo e jornalista Orlando Brito, de Os Divergentes. Agora, a Unecs abriu o circuito nacional dos candidatos aos governos dos Estados e do Distrito Federal.
O carrossel do ‘Diálogo com os Candidatos’ já contemplou quatro unidades da Federação: Amazonas, Mato Grosso, Minas Gerais e Distrito Federal. O que se realiza não é um debate, mas uma troca de ideias, em que os empresários do comércio e dos serviços expõem suas dúvidas e inquietações acerca do futuro do país, e atentamente ouvem a exposição dos candidatos sobre os temas propostos e, ainda, sobre seus planos de governo.
O pensamento socialdemocrata dos empreendedores
O posicionamento da maioria dos empresários do setor de comércio e serviços é claro e firme. Eles são predominantemente socialdemocratas. No resumo, eis o que defendem: a combinação da livre iniciativa com políticas transparentes e orçamentariamente responsáveis de redução da pobreza, um ambiente propício ao empreender, uma sociedade social e economicamente inclusiva, a democracia representativa. O fato é que há no Brasil, sim, um antagonismo entre duas partes opostas.
Temos, de um lado, as minorias das altas castas que dominam o Estado anacrônico, enquanto a maior parcela do funcionalismo público – que atua na linha de frente (nas escolas, nos hospitais e postos de saúde, na segurança pública etc) – ganha pouquíssimo e trabalha em condições adversas. Existem ainda os que se alojaram em 17 mil sindicatos. Os Estados Unidos têm 190 sindicatos; o Reino Unido, 168; a Dinamarca, 164; a Argentina, 91.
E há, do outro lado, a sociedade brasileira que se vira por conta própria, que se arranja como pode, constituída por muitos milhões de profissionais liberais, empreendedores e trabalhadores da iniciativa privada. A Unecs faz ecoar as vozes dessa gente. Os candidatos à presidência, aos governos estaduais, às assembleias legislativas e ao parlamento federal agora estão sabendo o que a grande maioria dos brasileiros precisa e quer. Daqui por diante, mais do que nunca, continuaremos cumprindo nossa missão, que é a de tornar o Brasil um país melhor para se empreender e para viver. Cobraremos dos eleitos o compromisso por eles firmado, publicamente, nos diversos encontros da Unecs: as reformas que tirem o Brasil do atraso, colocando-o, sem postergações, no contexto das nações mais civilizadas do século XXI.
*Paulo Solmucci é colaborador do site Os Divergentes. Também é presidente da União Nacional das Entidades de Comércio e Serviços (Unecs) e da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel)