A operação Lava Jato é um divisor de águas no país porque alvejou os três principais partidos brasileiros: PT (esquerda), MDB (centro) e PSDB (direita), que geriram o establishment desde a fundação da Nova República. O incômodo histórico que a sociedade nutriu com a corrupção se converteu em ação jurídica respaldada por milhões.
Quando chegou em Lula, a Lava Jato deixou de ser um consenso nacional, mas nem por isso foi suplantada. O ex-presidente desperta saudades nos mais pobres por causa da resiliência negativa dos indicadores sócio-econômicos, e em setores da classe média que acusam o Impeachment de golpe (que ainda por cima teria piorado o país). No entanto, ele desperta rejeição por causa de uma gestão do establishment vista como corrupta.
Foi esta parte da sociedade que bancou a ascensão da gestão Michel Temer. Para isso, contou com a passividade das camadas C, D e E, revoltadas com a inflação e o desemprego de dois dígitos do governo Dilma 2/¹/², após promessas eleitorais de proteger empregos e salários.
Contudo, os diversos escândalos, prisões e duas denúncias do Ministério Público rejeitadas à luz do dia pela Câmara (e por meio de cifras astronômicas) geraram uma ruptura entre as ruas que clamaram pelo Impeachment e os gabinetes que o traduziram em governo. Governo este protagonizado pelas siglas que se encontram atualmente na coligação de Geraldo Alckmin e de Henrique Meirelles.
Ali reside a explicação para alguns enigmas da conjuntura:
● a rejeição de Temer ser maior do que a de Dilma, entretanto sem manifestações correspondentes pela deposição dele;
● o candidato tucano estacionado nestas apesar da queda do PT;
● a liderança de Bolsonaro, porém coincidindo com a força inédita do “Sr. Ninguém”;
● rejeição recorde para todos os candidatos com alto percentual de conhecimento;
● a maioria das pessoas achar que Lula é culpado, que deve estar preso, todavia ser o líder das pesquisas.
Só não vê quem não quer: a candidatura de centro-direita viável, capaz de disputar palmo a palmo com o lulismo (que não é sinônimo de “o escolhido de Lula”), será a que encarnar o espírito do Impeachment: ficha limpa, compromisso com a punição implacável de corruptos, com o extermínio dos privilégios do establishment estatal…para… criar a sensação de que os impostos estão retornando, sob uma ação enérgica contra a violência, contra a má experiência ou impressão com os serviços de saúde, senso de emergência em solucionar o desemprego…
É isto que pode seduzir os milhões que apoiaram o Impeachment de Rousseff, que apoiam a Lava Jato e se organizam majoritariamente, por ora, no “Sr. Ninguém”. Para tal, possuem baixa competitividade os alvejados de alguma forma pela Lava Jato, os que tem orelhas, focinho, cauda e alianças de establishment; e os que carregam o governo do establishment nas costas.
Entre a sobra, há “provas de títulos” que devem desempatar a escolha:
● Tem iniciativas concretas sobre o fim de privilégios e punição a corruptos?
● Tem coerência ao combater a corrupção (quis depor Dilma e denunciar Temer, por exemplo)?
● Comprou boas brigas, daquelas que se arrisca a pele, pela transparência?
● Tem experiência administrativa, cuja marca não sejam máculas?
● Tem pontos de contato com a Lava Jato para além da retórica?
● Faz o Brasil correr riscos relativos à credibilidade?
● Desperta dúvidas se seu governo sobreviveria à investigações?
● Representa um “pano rápido”, mais guerra, ódio ou um recomeço que, ao menos, deseja deixar para trás as coisas ruins?
PS.: O “espírito” não é aleatório, é baseado nas pesquisas da época. Maus entendedores dirão que havia um largo discurso de ódio. Não muito diferente do embutido em muitos ao bradarem “Fora Temer”. É a indignação subjetiva, imprudentemente alimentada por mídias de “lá” e de “acolá”.
Leopoldo Vieira é editor do relatório de análise de cenários Idealpolitik e especialista em Administração Pública pelo IESB, com atualização em Engaging Citizens: A Game Changer for Development, pelo Banco Mundial.