Pelo menos desde o começo do ano, quando foi condenado por corrupção em segunda instância, Lula sabia que não seria candidato à Presidência da República.
Sabia também que, nem com os melhores advogados, teria chance de reverter uma das regras cristalinas da Lei da Ficha Limpa, que, por displicência, passou entre as pernas dos caciques políticos: condenados na Justiça por duas instâncias são inelegíveis.
Quando aprovaram a Ficha Limpa – e Lula, com a mesma convicção, sancionou a lei – os tais caciques políticos se consideravam inalcançáveis pela Justiça penal, confiantes na sempre eficiente retaguarda das cortes superiores em Brasília.
Em um país que a lei só costuma valer para o andar de baixo, mesmo aos trancos e barrancos a Ficha Limpa vem conseguindo barrar expoentes do andar de cima.
Mesmo com esse sucesso, o filtro da Ficha Limpa continuou sendo um dos menores problemas para Lula e a cacicada política de todos os naipes.
Eles sempre se acharam pelo menos um andar acima. O medo começou a bater quando a Lava Jato e outras investigações viraram ameaça real com o uso de instrumentos legais que eles mesmos haviam aprovados. Virou desespero quando juízes começaram a cumprir a determinação do STF para baixar a tarrafa da quarta para a segunda instância judicial no cumprimento de condenações penais. Isso deu um solavanco em que se achava impune e estendia esse manto protetor a aliados e a financiadores. Pela primeira vez, eles sentiram a casa cair.
Pelos foros privilegiados, resistência de juízes a punir poderosos, a casa tombou de modo desigual. Alguns como Lula, Sérgio Cabral, Eduardo Cunha estão na cadeia, enquanto outros lépidos e fagueiros concorrem nas eleições. Em Minas Gerais, por exemplo, o governador Fernando Pimentel, protagonista de sucessivos escândalos, tenta a reeleição; o senador Aécio Neves, gravado em diálogo pedindo grana que dispensa legenda, comprovado por vídeos com malas de dinheiro, tenta se eleger deputado para manter o tal foro. No mesmo páreo mineiro, Dilma Rousseff é candidata ao Senado. Ela é elegível porque o ministro Ricardo Lewandoski e Renan Calheiros deram uma pedalada na Constituição e, mesmo com o impeachment, mantiveram seus direitos políticos.
Diferente de Aécio, que tenta um mandato nas sombras, Dilma está pondo a cara a tapa, temerária como sempre.
Esse é um jogo que, de um um jeito ou outro, vem sendo jogado nas eleições país afora. Alguns ainda serão barrados pela Justiça; outros, só pelo crivo do eleitor.
O ponto fora da curva é Lula.
Nessa quarta-feira (15), com o bumbo da militância, hoje escorada nas marchas do MST, ele teve sua candidatura presidencial registrada no TSE. O clima era de festa, de dever cumprido. Satisfez quem participou e bem útil para seus organizadores. Vai se inserir na longa novela em que Lula é apresentado como vítima de perseguição política da Justiça, com a complacência, criminosa ou não, de todos os que acham que a lei está sendo cumprida. E que ousam simplesmente não descartar a penca de inquéritos e processos que Lula responde por corrupção — resultado de apuração do Ministério Público, Polícia Federal, Receita Federal, Banco Central, confissões e devoluções de dinheiro de quem se beneficiou da corrupção.
Esse jogo de versões, alimentado por teorias conspiratórias, apesar de discordâncias internas no próprio PT, rendeu até agora, quando, como reza o mundo jurídico, nada valia porque ainda não estava nos autos da Justiça Eleitoral.
Poucas depois de Lula virar oficialmente candidato, seu caso ingressou formalmente nos autos e ele entrou de vez na mira da Justiça. Raquel Dodge, procuradora-geral da República, já requereu que Lula, por ter recebido cartão vermelho, seja barrado no jogo eleitoral. Virou pule de dez depois que o ministro Luís Roberto Barroso, juiz rigoroso contra a corrupção, foi escolhido relator do registro da candidatura Lula na Justiça Eleitoral. Fosse ele ou outro juiz pouco mudaria no TSE. Todos sabem do desfecho, inclusive alguns brilhantes advogados que tentaram ajudar Lula.
A expectativa de todos é de uma decisão rápida.
A conferir.