Quem está pensando em golpe militar, pode tirar o cavalinho da chuva. Os militares mais graduados trataram de botar água fria na fervura. O general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, mesmo na reserva, é um deles. Ele vai ao ponto: aquele exército golpista dos anos 1950/60 não existe mais. Os novos líderes, ao contrário dos velhos “tenentes” da Revolução da 1930 (que chefiaram o Golpe de 64), estão com a cabeça longe do poder. Diz o general: “Há uma outra formação. Os valores das Forças Armadas são os mesmos, mas há uma outra geração de militares, formada pela geração que viveu o período militar e colocou na cabeça dos atuais generais que esse não era o caminho. Que esse é um caminho esdrúxulo. Até tem previsto na Constituição uma intervenção no caso do caos, mas não é o pensamento nem o desejo dessa geração de militares”.
Pronto, acabaram-se os golpistas, diz Heleno, oficial de Cavalaria, respeitado na tropa por seu desempenho como primeiro comandante das tropas das Nações Unidas no Haiti. Outros generais, também referências nos quartéis, bateram na mesma tecla. Os malucos que se iludiram com uma iminente intervenção militar acabaram falando sozinhos.
O que é um golpe militar?. Um general estala dos dedos e as Forças Armadas se jogam, tomando o poder do estado num golpe de mão?. Essa é a narrativa estereotipada do bicho papão. É simples como dar um tapa num cego indefeso.
Essa visão simplória supõe que se ocupa a administração de um País num abrir e fechar de olhos. A tal ditadura do passado, dizem, teria surgido como um passe de mágica: um general meio biruta, Mourão Filho, em Juiz de Fora (MG), tarde da noite, olhou para a estrada União e Indústria (antes da BR 040 ligava Rio a Minas) e revolveu tomar o Rio de Janeiro. No dia seguinte, o logro do Brasil: o governo caiu e os militares passaram a mandar em tudo, prendendo e arrebentando.
Quando o general Humberto Castelo Branco deu uma gambeta nos políticos em abril de 1964, ninguém ainda imaginava o que seria a queda do governo. Para fazer uma analogia, os golpistas civis supunham que seria algo como foi o golpe em Dilma Rousseff: seus aliados do PMDB deram uma rasteira na presidente e tomaram o poder da presidente. Mudou pouco. Muitos ministros continuaram. Só a esquerda caiu fora. Isto é golpe de estado. Com os militares, no entanto, foi diferente. Muito diferente.
Ao derrubar João Goulart os políticos do PSD, que era governo, e da UDN, oposição, como os tucanos de hoje no golpe da Dilma, achavam que tomariam o poder, tanto que botaram como vice-presidente o deputado mineiro José Maria Alckimin, lugar tenente e ex-ministro da Fazenda de JK, no governo pessedista. Foi grande a surpresa quando uma divisão de generais da reserva entrou em massa no governo e eles tomaram todas as rédeas do poder. Ninguém esperava por isto.
Esse aparelhamento por um grupo completamente alheio ao mundo político que botou tudo de cabeça para baixo, desnorteou os golpistas convencionais.
Por isto que os golpistas fardados decidiram chamar o “movimento” de “revolução”. Os partidos foram banidos. De certa forma, fizeram um governo apartidário.
Aquele quadro militar não se repete. Nunca antes nem depois houve no Brasil tamanha quantidade de oficiais da reserva recém egressos das fileiras e mobilizados politicamente. Essa reserva foi instrumentalizada pelos generais presidentes para assumir o estado brasileiro. Quando esses reservistas se extinguiram, por velhice ou morte, acabou-se a “Revolução”. Ficou apenas o governo militar de tipo latino-americano com suas linhas duras e moles, ou o que fosse. O que se viu foi derreter-se ímpeto e perder o poder para uma classe política paciente e hábil. Agora, nestes dias, com o fim dessa turma do antigo MDB, esgota-se a Nova República. É o ciclo de 30 anos que chega ao final.
Dois dedos de prosa para rememorar como se formou aquele verdadeiro partido político que tomou o poder.
As Forças Armadas, no início dos anos 1960, entraram num processo de modernização de sua oficialidade. Criou-se um regulamento para limitar a vida ativa dos oficiais. No passado, um oficial podia ficar num posto quantos anos quisesse, até a idade limite da compulsória. Isto iria acabar: cada posto teria um tempo máximo; quem não fosse promovido seria dispensado. É a chamada expulsória. Por exemplo: um general pode ficar só quatro anos no mesmo posto. Se não subir, vai para a reserva. Naquele tempo, um general, como Oswaldo Cordeiro de Faria, por exemplo, estava há mais de 20 anos com as estrelas gemadas nos ombros.
Nesse processo (Castelo Branco era o chefe do Estado Maior das Forças Armadas), a debanda foi acelerada pela desilusão dos oficiais com a carreira depois do fracasso do golpe contra a posse de Jango. Os chefes estava desacreditados.
Nesse momento ofereceu-se à tropa uma espécie de demissão incentivada: o oficial que, com tempo de serviço, decidisse deixar as fileiras, receberia duas promoções, com soldo integral e título da promoção. Ou seja, tenentes-coronéis seriam generais de brigada, coronéis generais de divisão, e assim por diante. Resultado: o Brasil converteu-se no país com maior número de generais do mundo, dizia-se, com mais de 5.000, e algo acima de 10.000 oficiais superiores na reserva e recém-saídos do quartel.
Essa turma foi a base da administração pública dos golpistas de 1964. Com isto eles conseguiram implementar uma das demandas dos movimentos de rua, que, como hoje, pediam a exclusão da classe política.
Esta situação não se repete. Um golpe militar não poderia se livrar dos políticos e do funcionalismo civil. Portanto, como diz o general Heleno, os tempos são outros. Sendo assim os militares não irão derrubar o governo para entregar o poder… a quem? De volta ao PT? Aos tucanos? A ninguém, como pedem os caminhoneiros? Não vai ter golpe, diria uma palavra de ordem.