Negociar é uma arte difícil. O negociador, quando se coloca na mesa, precisa de quatro ativos essenciais: legitimidade, posição de força, opções e argumentação. Os caminhoneiros, ao encaminhar a greve, tinham todos eles. O preço de combustíveis, sua bandeira de primeira hora, incomodava toda a população. Reflete um erro de regulação, em que uma empresa com poder de monopólio na distribuição e com uma rede de varejo cartelizada, sobre a qual não tem real controle, foi deixada à vontade para buscar a máxima eficiência em detrimento do consumidor. A reclamação deu legitimidade ao movimento: estamos todos pacientemente na fila, aguentando as chateações, para ver se o governo, a ANP, o CADE e a própria Petrobras se mancam.
Também teve posição de força. A greve dos caminhoneiros foi encaminhada com inteligência e com preparação dos diligentes. O movimento tem uma logística para sustentar os piquetes e aparentemente pode resistir por semanas. O governo, de sua parte, foi pego de cuecas. Não sabia o tamanho do estrago e não sabe até agora como cortar as linhas de comunicação e de retaguarda dos grevistas. Deu no que deu. Na hora de sentar-se à mesa para negociar, a única opção do Planalto foi atender todas as demandas, sem direito a choro, ajoelhado no milho. As opções não foram testadas, mas o movimento certamente as tinha. Poderia, como mostrou ser capaz de fazê-lo nos últimos dias, converter piquetes em demonstrações, convocar outras categorias, fazer uma bagunça social de bom tamanho. E soube argumentar, conduzindo a negociação por etapas, com alguns representantes se retirando da mesa para voltar em seguida e dar um xeque-mate.
Há, no entanto, um quinto ativo essencial ao bom negociador. Trata-se do comprometimento com o resultado alcançado. O movimento dos caminhoneiros terá que arcar com ele. Diante do sucesso, o problema de quem vence um confronto desse tipo é conviver com uma dúvida corrosiva. Será que se exigiu pouco? Será que a posição de força foi subestimada? É a tragédia do vencedor, não saber se o que se aceitou refletia exatamente o que se queria e o que se podia exigir. A resposta a esse dilema é a de que… não há resposta. Uma demanda mais agressiva, quem sabe, poderia ter travado as negociações e o resultado seria inteiramente diverso. O jeito é honrar o acordo e exigir do governo que honre sua parte.
O acordo não será fácil de implementar, o caminho está cheio de armadilhas. O Congresso pode ficar tentado a mexer nos projetos de lei e medidas provisórias, se fazendo de “bonzinho”, dando mais do que se pediu, para fazer média, atender a interesses de outros ou até para melar o jogo. O próprio mercado de combustíveis, com a excessiva liberdade de operação que hoje impera, vai tentar faturar em cima dessa situação. Nada garante que os donos de postos honrem os preços finais. Vão se mexer para levar sua margem. Em resumo, em situações tão complicadas, ninguém ganha tudo o que obteve, sempre tem boi na linha.
Mas, apesar disso, Marun, falando mansinho como deve falar o derrotado, está certo quando afirma que a negociação acabou e a vida tem que continuar. Os caminhoneiros, reticentes, se dividiram e estão jogando duro para obter mais garantias ou tentar extrair algum benefício adicional de um governo que já lhes deu o que haviam pedido. O risco dessa jogada é alto. A mobilização persiste fragmentada, conflitos internos se revelam e a população, que até agora reconheceu a legitimidade de suas reclamações, em algum momento vai se cansar desse cabo-de-guerra e perceber que está pagando a conta de qualquer jeito.
Nesse ponto, o rei estará nu. Governo e imprensa venderão a ideia de que a categoria traiu o acordo e nunca mais se negociará com um movimento desses. Ou, no mínimo, vamos descobrir que o serviço de carga é essencial, com todas as implicações legais pertinentes, e nunca mais se fará uma greve com a desenvoltura desta.