Nos últimos dias, com a resiliência da greve dos caminhoneiros, ganhou corpo em alguns segmentos da população, influenciadas por correntes no WhatsApp, a ideia de uma Intervenção Militar para resolver “a bagunça no país”. Os adeptos dessa alternativa parecem ter pouco apreço pelos direitos humanos, diversas vezes violados através de censura, tortura e mortes ocorridas durante o Regime Militar no Brasil, entre 1964 e 1985. Desta forma, faz-se necessário argumentar, tanto pela via institucional quanto econômica o quanto essa ideia apenas agravaria nossos problemas.
Inicialmente, é preciso dizer que ao contrário do que pregam narrativas políticas, o Brasil vive em um Estado Democrático de Direito. Embora não funcionem perfeitamente, nossas instituições cumprem o papel que lhes foi designado pela Constituição. Há pleno exercício das liberdades políticas, com direito à livre expressão e manifestação. Só para ficar em um exemplo recente, caso estivéssemos em um Estado de Exceção, o ex-Procurador-Geral da República Rodrigo Janot teria sido preso por conspiração contra o governo, devido ao conteúdo da delação premiada da JBS.
O episódio descrito demonstra um fortalecimento institucional do Brasil. E esse fortalecimento é crucial para criar um ambiente de previsibilidade nos negócios. Se partíssemos para uma nova aventura com intervenção militar, entraríamos de novo num mar de incertezas, com prováveis mudanças na Constituição, e nos diversos marcos regulatórios do país. Isso sem contar as sanções internacionais as quais seríamos submetidos com um governo anti-democrático.
Cabe lembrar, também, que algumas das distorções que enfrentamos atualmente decorrem dos excessos dos anos de chumbo no Brasil. Entre as quais, a estabilidade do servidor público e a vitaliciedade de ministros do STF. A Constituição de 1988, feita logo após o fim da ditadura, tornou caríssima a demissão de um servidor público, a não ser por motivos extremamente específicos. Tudo para evitar perseguição política e garantir a liberdade política dos servidores. Desta forma, servidores mantém-se no cargo mesmo sem metas de produtividade, conquistando reajustes salariais por tempo de serviço e aposentando-se cedo (idade média de 50 anos), para receber uma polpuda aposentadoria, a qual, para aqueles que ingressaram no serviço público federal antes de 2003, correspondia ao último salário da ativa. Não há Previdência pública que aguente com essas regras.
Além disso, ao final do governo Figueiredo, a dívida pública alcançava mais da metade do PIB nacional, comprometendo seriamente o orçamento público. Para que o governo pudesse manter-se financiável, a solução foi imprimir dinheiro, com a inflação anual chegando a quatro dígitos em plena recessão econômica. A estabilidade monetária só foi obtida, a duras penas, após o Plano Real, em 1995 e com a adoção do tripé macroeconômico, em 1999.
Se estamos descontentes com a qualidade de nossas instituições, devemos muda-las através do caminho democrático das eleições, que ocorrerão dentro de quatro meses. Por isso, é fundamental que os candidatos tenham responsabilidade e sejam honestos ao apresentar e debater sobre os problemas enfrentados pelo país atualmente. Sem debater profundamente a regra de ouro, o teto de gastos, a nova regra de reajuste do salário mínimo e as bases de uma reforma da Previdência, dificilmente o novo governo terá a legitimidade necessária para tratar dessas questões inexoráveis já no primeiro ano de governo, culminando em novo clima de instabilidade política.
*Victor Oliveira, mestrando em Instituições, Organizações e Trabalho (DEP-UFSCar). E-mail: ep.victor.oliveira@gmail.com