As otimistas previsões para a economia em 2018 ameaçam naufragar. O humor em relação às perspectivas de aceleração da velocidade de recuperação da economia brasileira definitivamente azedou nas duas últimas semanas.
O estopim foi a desvalorização generalizada das moedas das economias ditas emergentes como desdobramento da mais recente elevação das taxas de juros da economia norte-americana. O anúncio, do último 21 de março, indicou que o fim progressivo, mas há muito tempo anunciado, do longo período de manutenção de juros em níveis extremamente baixos nos países centrais, finalmente chegou.
A aceleração do ciclo de altas dos juros dos títulos do tesouro norte-americano, tão esperada quanto temida, pode ter se iniciado antes que a recuperação da economia brasileira ter ganhado músculos suficientes para atingir velocidade de cruzeiro e assegurar sua irreversibilidade. Para as economias emergentes as consequências mais imediatas da normalização da política monetária nos países centrais, depois de um longo período de taxas excepcionalmente baixas, são a desvalorização cambial, a elevação do custo de captação e a menor facilidade de acesso a recursos externos.
A turbulência causada pela crise cambial na economia argentina fez acender o sinal de alerta. O governo brasileiro, por dever de ofício, assegura que o risco de crise argentina contaminar o Brasil é pequeno, mas paira um clima de incerteza sobre os seus próximos desdobramentos e será necessário aguardar as próximas semanas para avaliar com mais acuidade as implicações do novo cenário externo.
Crescimento anêmico
Algumas avaliações são francamente negativas, como a apresentada pelos economistas Gilberto Borça Jr. e Letícia Magalhães, em artigo publicado no dia 10 de maio último no jornal Valor Econômico. Os articulistas listam os seis fatores decisivos que explicariam porque o crescimento da economia brasileira não teria engrenado nesse início de 2018, depois do otimismo gerado pela aceleração do nível de atividade no segundo semestre de 2017: os níveis de incerteza, apesar de terem recuado em 2017, permaneceram muito elevados, inclusive por conta da imprevisibilidade do quadro político-eleitoral; as taxas de juros de longo prazo mantiveram-se elevadas, mesmo diante da forte queda nos juros de curto prazo; o custo do dinheiro para o tomador final continua excessivamente elevado, restringindo a expansão do crédito; e a recuperação da construção civil, com todo o peso que tem a cadeia produtiva na geração de emprego e renda, encontra-se muito atrasada em relação aos demais setores da economia.
Os outros dois fatores são: o processo de desalavancagem financeira das empresas está sendo muito lento, limitando a recuperação dos investimentos; e, finalmente, a intensa depreciação do câmbio nas últimas semanas, relacionada às já citadas mudanças na política monetária norte-americana.
Os autores se mostram muito pessimistas sobre as perspectivas de retomada mais forte da economia brasileira e se arriscam a concluir que “o comportamento da taxa de câmbio joga, de forma quase definitiva, uma pá de cal na já incipiente recuperação da economia. Embora um câmbio mais depreciado estimule as exportações líquidas, seu efeito tende a ser contracionista para a atividade econômica no curto prazo”.
Reynaldo Rubens Ferreira Júnior, professor de macroeconomia do curso de mestrado da Universidade Federal de Alagoas, consultado, destaca quatro fatores que deverão tornar mais anêmico do que o previsto anteriormente o crescimento da economia brasileira em 2018: incerteza no cenário político interno; elevação dos juros nos EUA; efeito da crise argentina sobre as nossas exportações; e a pressão da desvalorização cambial sobre o grau de endividamento já muito elevado de empresas brasileiras. E lembra que algumas consultorias que apostavam em crescimento próximo de 3% para 2018 já estão revendo as projeções para taxas inferiores a 2%.
As perspectivas para o crescimento da economia argentina são ainda piores do que as nossas, com previsões de queda do PIB em 2018 e recuperação modesta em 2019. Frente à recessão e à pressão para atenuar a crise cambial no país vizinho, as exportações brasileiras para aquele destino poderão sofrer um importante revés.
Retração argentina
A Argentina é o terceiro maior destino das exportações brasileiras, depois da China e dos Estados Unidos. As vendas externas para aquele país atingiram US$ 17,6 bilhões em 2017, equivalentes a 8,1% do total de nossas exportações, mas representaram 12,9% do incremento em relação ao ano anterior.
Para alguns produtos, como automóveis, o mercado argentino é crucial. As vendas externas de automóveis para o mercado argentino, entre janeiro e abril de 2018, representaram 78,7% do total do bem, ou seja, quase oito em cada dez automóveis exportados tiveram como destino a Argentina. Caso se confirme uma retração acentuada das importações argentinas, algumas atividades internas poderão ser muito impactadas.
Ainda assim, o fator comercial talvez não venha a ser o principal impacto da crise argentina sobre a nossa economia, caso a instabilidade econômica fuja do controle, o que não parece ser o caso, por conta do pronto socorro prestado pelo Fundo Monetário Internacional.
Nova quadra de dificuldades se afigura para a recuperação da economia brasileira. Ao fim das contas, o caminho do crescimento do PIB e da melhoria do mercado de trabalho pode se apresentar mais lento e mais árduo do que previsto anteriormente.
* Professor de economia da Universidade Federal de Sergipe