Além de amplamente apoiada pela maioria da população, a restrição ao foro privilegiado de deputados e senadores é absolutamente justa, correta e defensável – e deveria inclusive ser estendida às outras 54 mil autoridades brasileiras hoje beneficiárias dessa prerrogativa. O problema, porém, é que essa importante mudança está sendo feita por uma gambiarra jurídica, engenhosamente criada pelo ministro Luís Roberto Barroso e apoiada até agora por dez de seus colegas do STF, que poderá criar uma enorme confusão, ajudando muitos dos que pretenderia punir.
O diabo está nos detalhes, como sempre. Sob o correto princípio de que só deveria ser julgado pelo STF quem cometer um crime relacionado ao mandato, e durante a vigência deste, a própria Corte vai ter que rever os processos contra políticos que estão em andamento e remeter muito deles à primeira instância. E aí começam as dúvidas: o que é mesmo um crime relacionado ao mandato? Caixa 2 para se reeleger certamente é. E o caixa 2, nas mesmas circunstâncias, para se eleger, se o sujeito estiver sem mandato?
Há um outro entendimento, até agora esposado por apenas três ministros – Alexandre Moraes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski -, que evitaria essa dúvida, incluindo no foro privilegiado qualquer crime cometido no exercício do mandato. Mas isso terá que ficar muito claro na decisão, que será explicitada em acórdão que vai consubstanciar um conjunto de regras novas que não está na lei nem na Constituição – mais um exemplo da capacidade do STF de criar leis.
Essa não é a única dúvida. Quais processos serão remetidos à primeira instância? Apenas os que não tiverem sido ainda instruídos ou outros com tramitação mais adiantada? E quem terá a palavra final sobre o destino de uma ação? O relator, monocraticamente, a turma ou o plenário? Se nada uma dessas centenas de ações tiver que ter seu destino decidido pelo plenário, o assunto levará anos para ser resolvido, beneficiando muita gente com a prescrição.
A prescrição, aliás, poderá ser um grande ganho para alguns políticos que hoje, certamente, seriam condenados pelo STF, sob os holofotes da Lava Jato. Aécio Neves, por exemplo, talvez só tenha a lucrar com o rebaixamento de alguns processos para a primeira instância da Justiça de Minas Gerais, onde a ação recomeçaria da estaca zero, dependendo do novo juiz e dos novos procuradores que nela atuarem.
Isso é o que pode acontecer com muita gente, nesses tempos em que o STF mete mais medo do que alguns juízes de primeira instância. É bom lembrar que a grande maioria dos casos não irá parar nas mãos dos implacáveis Sérgio Moro e Marcelo Bretas. Há juízes e juízes, e alguns processos envolvendo caixa 2, por exemplo, podem ser remetidos à Justiça Eleitoral, para alívio dos acusados.
No resumo da ópera, a decisão do STF que limita o foro privilegiado para os parlamentares é uma faca de dois gumes. Muito boa para a imagem da Corte e de quem a defende, na prática nem tanto para que se opere a Justiça de forma efetiva. Mais: é um tremendo atestado de incompetência do Legislativo, a quem parece ter faltado coragem – e sobrado cara-de-pau – para encarar o assunto e regulá-lo, o que não pode mais fazer agora porque está proibido de aprovar emendas à Constituição enquanto durar a intervenção no Rio…