Cuba terá, a partir de maio, um presidente nascido um ano depois da revolução de 1959 e que, salvo uma grande surpresa, manterá tudo como está. Miguel Diáz-Canel é um burocrata cinzento, sem carisma e com ideias pouco conhecidas. Terá, além disso, a imensa sombra de Raúl Castro, que permanecerá como presidente do Partido Comunista de Cuba. Diáz-Canel não tem o poder e nem o carisma dos irmãos Castro, cultivados desde a revolução como líderes perfeitos, absolutos, infalíveis. Principalmente Fidel.
A maioria dos cubanos que trabalha nas atividades mais ambicionadas do país, aquelas ligadas ao turismo, não tem grandes esperanças de reformas com a “eleição” do novo presidente, e garantem não se importar tanto com democratização. Preferem falar da necessidade de abertura econômica, da possibilidade de abrir o próprio negócio – aqueles que já possuem um restaurante, uma pousada, um hostel ou um táxi, gostariam de ampliar sua atuação, de mais liberdade para operar e empreender.
A maioria dos táxis que operam em Havana e nas principais cidades é estatal. Há um órgão do Estado que arrenda aos motoristas os veículos em que trabalham e, claro, fica com a maior parte dos ganhos. O que mais chama a atenção é o enorme número de automóveis norte-americanos fabricados na virada dos anos 40 para os anos 50, e há uma minoria de felizardos que conseguem possuir um. Em alguns casos, o proprietário do veículo é funcionário do Estado, e põe um motorista para trabalhar. As peças de reposição vêm de complicadas operações internacionais com a Colômbia, os Estados Unidos e países europeus.
Duas moedas
Desde 1997, há duas moedas oficiais: A Cuban Convertible, ou CUC, e o Cuban Peso, ou CUP, o peso cubano. Uma unidade de CUC equivale a um dólar norte-americano, e é a moeda corrente usada pelos cinco milhões de turistas que visitam anualmente a ilha. É a moeda com que todos os cubanos sonham, enquanto o CUP vale 24 vezes menos e é aquela em que são pagos os salários dos 75% de habitantes que trabalham para o Estado.
Um servidor público cubano ganha o equivalente a 30 dólares, e em CUPs, o que explica o desejo da população de trabalhar com turismo. Praticamente todos os motoristas de táxi e garçons de Havana têm formação superior e renunciaram ao emprego estatal para ganhar mais dinheiro. Falam do futuro do país com desencanto e sonham apenas com a possibilidade de abrir o próprio negócio, ou ter o próprio táxi. Lamentam também que o governo fique com a maior parte dos seus ganhos, para manter os gastos militares.
Mais de 500 mil cubanos conseguem hoje trabalhar no setor privado, principalmente pousadas e pequenos hotéis, táxis, restaurantes (os particulares são chamados de “paladar”, graças a uma novela brasileira de televisão – as favoritas dos cubanos), salões de barbeiros e cabeleireiros femininos. Mas há, de forma ostensiva, atividades como prostituição, contrabando, mercado negro de bebidas e charutos, camelôs e atravessadores de produtos roubados de atividades estatais.
1959: 70% nasceu depois
A fonte de poder de Fidel Castro, e depois de Raúl, é o exército, porque foram eles que criaram as forças armadas ainda na guerrilha que derrotou a ditadura de Fulgencio Batista. Bem mais de 70% dos atuais cubanos não eram nascidos ou eram crianças em 1959, ano da revolução. Por isso, a ditadura castrista é tratada pela maioria quase como um fato da vida, uma realidade dificilmente mutável, embora exista uma oposição viva, à base de sites e publicações clandestinos. Esta é uma das grandes incógnitas: com a morte de Raúl, que já tem 86 anos, o que acontecerá com o poder no país? Miguel Diáz-Canel não tem a aura de revolucionário de origem e nem o carisma para o cargo.
Raúl Castro assumiu o poder em 2008, quando eram proibidas as viagens ao exterior, os computadores e celulares eram privilégio apenas de membros graduados do partido e as empresas privadas praticamente não existiam. Raúl permitiu a abertura de pequenos negócios e liberou as viagens ao exterior. Principalmente depois do restabelecimento de relações com os Estados Unidos, no segundo governo Barack Obama, as reformas pareciam um caminho natural. Mas tudo parou com a entrada em cena de Donald Trump, na mesma proporção em que as relações entre os dois países regrediram a quase zero.
Em setembro do ano passado, as relações Cuba/EUA chegaram a um momento quase tão crítico quanto no período da guerra fria: os norte-americanos acusaram o governo cubano de contaminar intencionalmente os diplomatas lotados na embaixada. A resposta foi o cancelamento dos vistos de cubanos para visitar parentes na Flórida e um esfriamento quase total do diálogo entre os países.
Como parte do retrocesso, o próprio Raúl Castro protestou contra os cubanos que conseguiram expandir negócios e controlar até três pequenas empresas, acusando-os de “ganância capitalista”. Hoje, não existe a proibição de viagens ao exterior. O problema é que o turismo externo (e mesmo o doméstico) fica muito caro para os padrões de rendimento da população. Todos são muito pobres, embora exigências básicas como saúde, educação, habitação e trabalho sejam realmente providas pelo Estado.
A visão de um turista
O desembarque no Aeroporto José Martí, a 18 quilômetros do centro de Havana, não tem grandes atropelos, a não ser pela forma autoritária como moças uniformizadas determinam que algumas pessoas vão furar a fila, sem qualquer explicação. A primeira fila que se encontra, normal, é para a troca de Euros por CUCs no próprio aeroporto – o dólar sofre taxação alta, e por isso é mais conveniente levar a moeda europeia.
Em seguida, uma outra fila para a compra de cartões de wi-fi. Essa fila é controlada por uma funcionária do Estado também de uniforme, mas é o primeiro contato que se tem com a corrupção. A toda hora, sem a menor cerimônia ou discrição, um cubano “molha” a mão da moça e fura a fila, diante do olhar passivo das outras pessoas. A cena vai se repetir em todos os postos estatais de serviços. Quando o turista reclama, alguém na fila sempre levanta as duas mãos com as palmas para o alto, de forma resignada, e diz “esto es Cuba, mi amigo…”.
A viagem de táxi até Havana custa, normalmente, 30 CUCs, o equivalente a 30 dólares, mas é bom combinar antes de embarcar, para evitar surpresas. Os motoristas gostam de conversar com turistas, compreendem razoavelmente o português e dão as explicações e informações requisitadas. Boa parte vê novelas da Globo, e logo identifica a nossa procedência, mesmo não sendo os brasileiros uma parte significante dos turistas que visitam o país. “É o sotaque, o jeito de falar”, explica o engenheiro mecânico que dirige o táxi. “E os brasileiros são muito parecidos com a gente”.
Arnaldo Ochoa
No caminho do aeroporto até Havana, o taxista mostra o local em que foi fuzilado o general Arnaldo Ochoa, em 1989, sob a acusação oficial de tráfico de drogas e de manter uma conta em dólares no Panamá. O motorista prefere não entrar em detalhes sobre as razões da execução de um herói da revolução, e que chegou a comandar 300 mil soldados cubanos na Venezuela, no Afeganistão, na Etiópia, em Moçambique e em Angola. “Não sei exatamente por que”, responde, de forma vaga.
Na verdade, as versões são várias. O governo mantém a versão da conexão de Ochoa com o Cartel de Medellín, de Pablo Escobar, que estava no auge do poder nos anos 80, embora o general estivesse há bastante tempo em missões na África. Historiadores ingleses e jornais norte-americanos contrapõem que Arnaldo Ochoa seria um potencial líder dissidente, que estaria seduzido pela Glasnost e pela Perestroika de Mikhail Gorbatchev. Segundo essas versões, o tráfico de drogas pelo território cubano existiu realmente, mas com o conhecimento e autorização de Fidel Castro. A cidade de Varadero seria o ponto de passagem da cocaína, e o governo precisava do dinheiro por causa da crise da União Soviética e a redução da ajuda a Cuba. Ochoa, idolatrado pelos militares, seria uma ameaça ao poder de Fidel.
Fim da viagem de táxi no bairro de Vedado, um dos melhores da cidade. O pequeno apartamento, em um quarto andar sem escadas, pertence a um taciturno ex-ator que está na rede AirBnb. Mas há hotéis de luxo. Só Havana tem três hotéis da rede espanhola Melliá, inclusive o Habana Libre, na Rua 23, melhor ponto de wi-fi da capital, ponto de reunião de centenas de cubanos e turistas que vão em busca de conexão.
Melliá cubano
Havana já tem os ônibus vermelhos de dois andares, do tipo drop on-drop off, que percorre todos os pontos turísticos e que permite o embarque e desembarque por um dia inteiro. A rede Melliá tem Cuba como o segundo país em número de hotéis no mundo. Só a cidade balneária de Varadero tem 16 hotéis da rede, contra três em Havana. Os cubanos são receptivos e simpáticos, é parte da cultura local, embora seja comum a aplicação dos “contos do vigário”, golpes aplicados nas ruas contra turistas incautos. Violência ou assaltos, no entanto, inexistem. As penas são duríssimas.
Havana Velha lembra, pelo velho casario colonial decadente, a Lapa antiga do Rio de Janeiro. Alguns grupos musicais tocam pelas ruas, o que leva o tradicional Paseo del Prado a ser quase o palco de um baile ao ar livre, com casais de idosos dançando velhos boleros. A principal praça da cidade tem hotéis de luxo e o Teatro Alicia Alonso, com o Balé de Cuba, bastante procurado por turistas, pela qualidade dos espetáculos.
Nas livrarias, a predominância é de biografias de Fidel Castro, inclusive histórias em quadrinhos em que “el comandante” é o herói, de Che Guevara e de Camilo Cienfuegos. É quase impossível achar os livros de autores cubanos contemporâneos que fazem sucesso no exterior, como Leonardo Padura, Pedro Juan Gutierrez (autor da “Trilogia Suja”, sobre o submundo de Havana) ou o poeta Reinaldo Arenas, interpretado no cinema pelo espanhol Antonio Banderas, e que foi perseguido pelo regime por ser homossexual. E o mais impressionante é que são praticamente desconhecidos no país.
Comércio, há os estatais e os pequenos negócios privados. Os hotéis e restaurantes estatais são os de pior qualidade e com os piores serviços.
* Cezar Motta é escritor e jornalista