“Da porta do La Crónica, Santiago contempla a Avenida Tacna, sem amor: automóveis, edifícios desiguais e desbotados, esqueletos de anúncios luminosos a flutuar na neblina, o meio-dia cinzento. Em que ponto o Peru se fodeu?”
Foi em 1969 que Mario Vargas Llosa escreveu o romance Conversa na Catedral, uma das melhores obras literárias do mundo ibero-americano. Tinha apenas 33 anos. Depois continuou escrevendo obras sensacionais e outras que não foram consideradas tanto assim. Llosa não é apenas um escritor sul-americano. Sua obra passeia por outros continentes, mas é do seu país de origem que vem a maior parte da inspiração e é ele o berço de muitos dos seus personagens. Prêmio Nobel de Literatura em 2010, o escritor consegue com maestria misturar história com ficção, como em A Festa do Bode, que tem a República Dominicana como cenário. O livro não foi muito bem recebido por alguns críticos, mas é muito bom. A mesma coisa aconteceu com o romance Travessuras da Menina Má, que também não agradou a todos.
Mas vamos voltar a Conversa na Catedral, o livro. Com quase 800 páginas, é um entrelaçado de diálogos em épocas distintas. Requer muita atenção para que o fio da meada não seja perdido. É num desses diálogos que está a indagação que abre este texto. Inspirado nela, gostaria de saber: quando o Brasil se fodeu?
Sei que as respostas serão diferentes. Cada campo político vai valorizar o que considera o momento exato. Agora, de uma coisa eu tenho certeza; está difícil chegar a qualquer consenso nacional.
O PT, por exemplo, tem a melhor e mais afinada capacidade de bater bumbo entre todas as correntes políticas. Conta ainda com a disciplina fanática de seus adeptos para criar e propagar narrativas, numa sucessão de mantras para justificar o injustificável. E repetem com tanta insistência que acabam acreditando; uns porque são crentes mesmo, outros porque acham conveniente.
Neste momento especialmente difícil, apostam num heroísmo digno do sebastianismo para resgatar o espaço perdido. Criaram moinhos de ventos que devem ser destruídos. Imaginam dragões da maldade onde está a justiça. O movimento é eivado de pragmatismo, em que vale tudo para salvar o líder condenado, mesmo que para isso seja necessário jogar as instituições do país na lata do lixo. Conceitos e posturas são alterados ao sabor do vento da justiça. Se soprar a favor das narrativas forjadas na caixa de bater bumbo, gritam alvíssaras. Se o vento for de frente, foi provocado pelo ventilador dos canalhas.
Mas nenhuma crise dura para sempre. Vai chegar a hora de buscar uma saída. E não será apenas com as eleições. Voto não revoga sentença da justiça, como alguns foram levados a pensar por puro analfabetismo político. É impossível também reescrever a história, mesmo que se utilize a tática fascista de tentar transformar opinião em tese acadêmica.
Vai ser necessário conversar muito, sem tergiversar e sem criar um mundo paralelo. Esperar uma autocrítica é quase impossível, vão insistir na tese do golpe sem cocorote ou peteleco. A corda vai ser esticada até o último navio começar a pegar fogo. Aí os bombeiros serão chamados para tentar consertar e buscar uma concertação nacional. Que só será possível sem ficção e falsos heroísmos. Enquanto houver gente defendendo que o Lula está preso porque ousou – palavras deles – ajudar os pobres, não haverá solução. Afinal, eles são muitos, mas nem todos são idiotas.
Quanto ao Brasil, acho que ele se fodeu várias vezes. A primeira, com a carta de Caminha.