Fernando Henrique Cardoso disputava sua primeira eleição para a Presidência da República e foi fazer campanha em Alagoas, terra do parceiro de chapa inicial, o então senador Guilherme Palmeira. Um banho de Nordeste necessário, já que FHC era chamado sarcasticamente de o Príncipe dos Sociólogos da Universidade de São Paulo. O homem de hábitos refinados sofria quando comparado ao principal adversário, Luiz Inácio Lula da Silva. Popular, de trajetória parecida com enredo de novela e a memória recente da campanha anterior, o ex-operário liderava com folga as pesquisas no primeiro semestre de 1994, no começo da corrida eleitoral para suceder Itamar Franco.
Fernando Henrique nunca fora considerado um político bom de voto. Foi alçado ao Senado por ter sido eleito suplente -época da sublegenda- de Franco Montoro, que havia virado governador de São Paulo em 1982. FHC ganhou quatro anos de mandato.
Uma curiosidade: mesmo, na prática, candidato à suplência, o professor da USP teve o apoio de Lula. Em 1985, tentou o voo solo e se candidatou à Prefeitura de São Paulo – a primeira direta nas capitais depois do regime militar – e, quando a parada parecia resolvida, foi surpreendido pelo velho Jânio Quadros. Ficou para a história a foto dele sentado na cadeira de prefeito antes de o resultado ser proclamado. Eleito, o ex-presidente Jânio assumiu e fez piada desinfetando a cadeira.
Com a derrota, FHC caminhava para ser apenas mais um intelectual castigado pelas urnas. Foi quando o imponderável mandou notícias. Tancredo Neves foi eleito, adoeceu e morreu. Quem assumiu foi o vice José Sarney. O cacique maranhense tinha baixíssimos índices de aprovação, mas sacou da algibeira um tal Plano Cruzado e a popularidade dele disparou. Passou, então, a ser um eleitor fortíssimo, ajudando a formar uma enorme bancada para o PMDB. Em São Paulo, o partido conquistou as duas vagas para o Senado, com Mário Covas, o mais votado, e com ele mesmo, o professor da USP. Então dono do mandato, FHC se destacou nos debates nacionais e na Constituinte, mas continuava a ser um ator coadjuvante no jogo eleitoral.
Em 1989, Fernando Collor foi eleito presidente na primeira eleição direta depois de 29 anos. Logo sofreu um impeachment e foi apeado do poder. Ninguém falava em golpe na época. Assumiu o mineiro Itamar Franco, de gênio forte e posições nacionalistas.
Enquanto isso, o sociólogo tinha uma reeleição para o Senado complicada: muitos do seu estafe queriam que ele disputasse uma cadeira para a Câmara dos Deputados. Mas não é que o acaso deu as caras outra vez? E o presidente o nomeou Ministro da Fazenda. No cargo, FHC coordenou um time de economistas que elaborou o Plano Real. O calendário marcava quase o meio do ano, Lula estava vários corpos à frente na corrida eleitoral.
Aí o governo Itamar resolveu fechar com a candidatura do príncipe, que tinha um verniz social democrata, em uma aliança com o PFL, partido dos velhos caciques oligarcas, principalmente do Nordeste. O Plano e a coligação deram certo. Lula foi atropelado rapidamente e FHC foi eleito ainda no primeiro turno.
Mas vamos voltar ao início da campanha. A aliança com os coronéis foi muito contestada pelos intelectuais e pela esquerda. FHC foi acusado de trair a própria trajetória intelectual e política. Mas a campanha já começara e restava buscar os votos.
E, em Alagoas, no interior do Estado, o candidato cumpriu a cartilha. Beijou e abraçou o povo, carregou menino remelento e comeu da culinária local. Num determinado momento, alguém levou um cavalo para ele montar. Era um tipo mirrado, magro. Mas candidato que é candidato não foge de desafio e ele montou no bicho para satisfazer fotógrafos e cinegrafistas. Foi o que bastou para os jornais do sul publicarem que ele montou num jumento e não num cavalo. Afinal, montar no jegue pareceria mais populista ainda.
Alguns assessores da campanha tentaram desmentir, mas não conseguiram. Ficou assim: FHC montou num cavalo, mas a versão diz que foi jegue. Publique-se. E ficou por isso mesmo.
Essa tática de repetir e publicar a versão até virar verdade é antiga. O marqueteiro de Hitler já ensinava isso.
Agora, além de repetir exaustivamente a versão, os adeptos da teoria do golpe jaboticaba querem emprestar a ela ares acadêmicos, científicos. Nem Jim Jones teve tamanho poder de convencimento com seus seguidores. Discutir a irresponsabilidade fiscal e o populismo assustador que destruiu o País ninguém quer, né?